Eu terminei o episódio anterior
dizendo que um dos recenseadores foi dispensado e eu fui escolhido para fazer o
seu serviço, que consistia em fazer o censo na área central de Camboriú, em
duas das três principais avenidas, a Central e a Brasil (a outra é a Avenida
Atlântica, à beira-mar). Fiquei contente por que eu sabia que ia conseguir
descolar uns trocados vendendo o meu livro de poesias.
Mas antes vou narrar o caso da
italiana recenseada. Como expliquei anteriormente, de cada quatro residências
em três se aplicava o formulário simplificado, cujas perguntas eram: quantas pessoas,
quantas do sexo masculino, quantas do sexo feminino, e idade de cada um. E só.
À quarta residência a gente
aplicava o formulário completo, onde se perguntava absolutamente tudo sobre a
vida da pessoa. Sexo, idade, renda, escolaridade, casa própria ou alugada,
quantos cômodos e especificar os cômodos: quantos quarós, salas, cozinha, área
de serviço, etc. E bens móveis e imóveis. Fogão a gás ou a lenha? Móveis de madeira ou de outro
material? E sobre grana, conta bancária, poupança, fontes de renda, não
escapava nada.
Olha: se assemelha muito ao
formulário de declaração do imposto de renda, o mais complexo. E a gente encontrava
sempre muita resistência de algumas pessoas. Umas por falta de esclarecimento, outras
porque queriam esconder alguma coisa.
Naquela tarde calorenta de
setembro, ainda seguindo o meu roteiro de recenseamento inicial, meti-me pela
Avenida do Estado. Nada a ver com o aspecto atual da referida avenida. Naquela
época, nem asfalto havia: uma longa e larga avenida de terra batida, pouco
povoada. E seguindo na direção a Floripa, quase na saída da cidade, o quarto
formulário me levou a uma casa de comércio. Pintada de azul, pintura recente,
uma boa construção abrigando artigos e gêneros para várias necessidades: artigos
de higiene, alimentos como cereais, artigos industriais, uma mistura de mini-mercado
e bolicho de interior, onde se podia comprar de tudo: desde botão a arroz, de açúcar
a sabão, verduras e frutas, laticínios e enlatados.
À minha saudação de boa tarde, a
dona do estabelecimento levantou-se de uma espreguiçadeira, onde certamente
tirava um cochilo naquela hora em que depois de um almoço a gente ficava com
aquela vontade de fazer uma sesta.
Era uma senhora alta e forte, com
cerca de um metro e oitenta ou mais, olhos profundamente azuis, por volta dos
sessenta anos de idade. O jeito que me olhou e me cumprimentou, acendeu dentro
de mim a luz vermelha de perigo, e eu imaginei que ali estava uma dona dura na
queda. Daquelas que não querem responder sobre a vida pessoal, teres e haveres,
pois após me fuzilar com aquele olhar azulado, perguntou secamente:
– O que foi? – certamente sabendo
que eu não era conhecido e nem freguês, com uma pasta a tiracolo, deve ter
pensando em mim como um incômodo, será fiscal do governo, cobrador de imposto
municipal, o que diabos esse cara quer? (continua).
Raimundo Fonttenele
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