18 de mar. de 2016

BALNEÁRIO CAMBORIÚ, CENSO DO IBGE 1980 (5)


Eu terminei o episódio anterior dizendo que um dos recenseadores foi dispensado e eu fui escolhido para fazer o seu serviço, que consistia em fazer o censo na área central de Camboriú, em duas das três principais avenidas, a Central e a Brasil (a outra é a Avenida Atlântica, à beira-mar). Fiquei contente por que eu sabia que ia conseguir descolar uns trocados vendendo o meu livro de poesias.
Mas antes vou narrar o caso da italiana recenseada. Como expliquei anteriormente, de cada quatro residências em três se aplicava o formulário simplificado, cujas perguntas eram: quantas pessoas, quantas do sexo masculino, quantas do sexo feminino, e idade de cada um. E só.
À quarta residência a gente aplicava o formulário completo, onde se perguntava absolutamente tudo sobre a vida da pessoa. Sexo, idade, renda, escolaridade, casa própria ou alugada, quantos cômodos e especificar os cômodos: quantos quarós, salas, cozinha, área de serviço, etc. E bens móveis e imóveis. Fogão a gás ou  a lenha? Móveis de madeira ou de outro material? E sobre grana, conta bancária, poupança, fontes de renda, não escapava nada.
Olha: se assemelha muito ao formulário de declaração do imposto de renda, o mais complexo. E a gente encontrava sempre muita resistência de algumas pessoas. Umas por falta de esclarecimento, outras porque queriam esconder alguma coisa.
Naquela tarde calorenta de setembro, ainda seguindo o meu roteiro de recenseamento inicial, meti-me pela Avenida do Estado. Nada a ver com o aspecto atual da referida avenida. Naquela época, nem asfalto havia: uma longa e larga avenida de terra batida, pouco povoada. E seguindo na direção a Floripa, quase na saída da cidade, o quarto formulário me levou a uma casa de comércio. Pintada de azul, pintura recente, uma boa construção abrigando artigos e gêneros para várias necessidades: artigos de higiene, alimentos como cereais, artigos industriais, uma mistura de mini-mercado e bolicho de interior, onde se podia comprar de tudo: desde botão a arroz, de açúcar a sabão, verduras e frutas, laticínios e enlatados.
            À minha saudação de boa tarde, a dona do estabelecimento levantou-se de uma espreguiçadeira, onde certamente tirava um cochilo naquela hora em que depois de um almoço a gente ficava com aquela vontade de fazer uma sesta.
          Era uma senhora alta e forte, com cerca de um metro e oitenta ou mais, olhos profundamente azuis, por volta dos sessenta anos de idade. O jeito que me olhou e me cumprimentou, acendeu dentro de mim a luz vermelha de perigo, e eu imaginei que ali estava uma dona dura na queda. Daquelas que não querem responder sobre a vida pessoal, teres e haveres, pois após me fuzilar com aquele olhar azulado, perguntou secamente:
– O que foi? – certamente sabendo que eu não era conhecido e nem freguês, com uma pasta a tiracolo, deve ter pensando em mim como um incômodo, será fiscal do governo, cobrador de imposto municipal, o que diabos esse cara quer? (continua).

Raimundo Fonttenele

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