26 de mar. de 2016

BALNEÁRIO CAMBORIÚ, CENSO DO IBGE 1980 (6)


                

        Eu estava numa casa comercial, localizada na Avenida do Estado, para fazer o Censo, e a dona do estabelecimento me perguntara secamente: “O que foi?”
            Expliquei que eu era funcionário do IBGE, e que estava ali para que ela me respondesse um questionário, era coisa necessária para o Governo poder fazer seus planos de desenvolvimento e tal. Ela disse ali, na lata, que não ia responder coisa alguma. Por ocasião de apresentar-me a ela, fiquei sabendo o seu nome: Antonella, aí falei, tranqüilo, explicando devagar, mas com determinação pra ela saber que eu também não estava brincando.
            – Dona Antonella, é o seguinte: eu não posso sair daqui sem este questionário respondido pela senhora. – E agitei o formulário em sua frente para que ela visse bem, passei as folhas, eram quatro páginas, letrinhas pequenas, tinha pergunta que não acabava mais.
            E expliquei de novo que mesmo ela sendo italiana, mas tinha que responder e eu, inclusive, tinha autorização até pra chamar a polícia se a pessoa se recusasse a responder. Notei que quando falei em polícia ela pareceu tomar um susto, mas recompondo-se disse que tudo bem, vamos lá, ela ia responder.
            E comecei o, bem, o interrogatório. Pelo menos para ela era esse o caráter daquelas perguntas invasivas e sem fim. Assim ficamos num lenga-lenga por quase 4 horas. Perdi praticamente a tarde toda com aquela dona Antonella, uma pessoa de maus bofes, mal educada e turrona. Lembro que, a certa altura, quando lhe perguntei se o seu fogão era a gás ou lenha, ela raivosamente me perguntou se eu e o governo queríamos também saber o que ela ia comer, que não devia nada nada a diabo de governo nenhum, e ia em cima ia embaixo, e umas três vezes tivemos que interromper o Censo pra ficar discutindo o sexo dos anjos. E três vezes ou mais tive que lhe ameaçar que ia chamar a polícia. Nessas horas ela voltava a si e continuava respondendo.
            No quesito propriedade, imóveis ela declarou-me só possuir aquela casa de dois pavimentos, uma casa grande, embaixo era o comércio e em cima sua residência. Com ela moravam dois netos, um casal de jovens, estudantes, que lhe faziam companhia, mas dormiam na casas de seus pais. Ela ficava sozinha à noite. Só possuía aquele imóvel e aquele comércio. 
            Depois de me deixar quase fora do sério, conseguimos encerrar o assunto e dei boa tarde e me fui indo. Em frente com o Censo, compadre! Logo logo eu ia descobrir que aquela velha rabugenta era uma tremenda vigarista, avarenta e exploradora de uma porção de pobres, gente miserável mesmo, que alugava uns barracos de sua propriedade, cujas informações ela havia sonegado numa boa. Eu voltaria lá, ora se voltaria. (continua)


Raimundo Fontenele

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