29 de mar. de 2016

BALNEÁRIO CAMBORIÚ, CENSO DO IBGE 1980 (7)

                     
            Deixei a casa de dona Antonella resolvido a aproveitar o resto da tarde fazendo mais umas três entrevistas. Saí de lá, caminhei menos de trinta metros e à direita havia um beco, mas sem nenhuma casa de um lado ou de outro. Parei uma fração de segundo e avistei uma criança distante mais uns cinquenta metros. O menino abaixou-se, apanhou algo no chão que eu julguei ser uma bola e saiu correndo. Entre naquele beco e bah!, surpresa: havia ali uma espécie de campinho onde umas crianças jogavam bola. E em torno do que seria meio campo, meio praça, uns vinte e cinco a trinta barracos.
            Como dizem os gaúchos diante de algo chocante, ou que cause grande alvoroço, “me caíram os butiás do bolso”. Ali eu continuaria o Censo-80. Aproximei-me de um barraco, pedi licença e entrei: era um barraco de um cômodo só, ali cabia uma cama de solteira, um fogão e duas cadeiras e só. Aquele aspecto de miséria era comovente para mim; para a senhora que estava lá sentada em uma das cadeiras, vestida pobremente, era mais do que desesperador.
            Conversei longamente com ela. Disse-me que seu marido estava fazendo uns bicos na rua e que uma daquelas crianças lá no campinho era seu filho. Moravam os três ali naquela peça única e assim se repetia em todos os outros barracos. Gente amontoada sobre a pobreza, sobre a miséria, sobre as necessidades mais prementes e humanas.
            A velha Antonella arrancava mais ou menos o equivalente hoje a 100 reais pelo aluguel de cada espelunca daquelas.  Voltei lá no dia seguinte, apliquei o questionário nos demais barracos e dei uma chegada na casa da italiana avarenta. Cheguei lá e já soltando os cachorros em cima dela. Que aquilo era absurdo. Ela era uma mentirosa e eu ia denunciá-la à polícia, à receita federal, afinal ela estava sonegando informações, a propriedade daqueles barracos e terrenos e o faturamento dos aluguéis.
            Pegada no flagra, a safada não se fez de rogada, colocou a rabo entre as pernas e tratou de responder tudo direitinho, todas as perguntas, pois tive que refazer grande parte do seu questionário. Saí de lá louco de raiva, nem tanto pela dificuldade e o trabalho que me dera, as mentiras e tudo o mais, mas pela exploração daqueles pobres miseráveis que não tinham nem onde caírem mortos (próximo post – o grande final).


Raimundo Fontenele

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