Deixei a casa de dona Antonella
resolvido a aproveitar o resto da tarde fazendo mais umas três entrevistas. Saí
de lá, caminhei menos de trinta metros e à direita havia um beco, mas sem
nenhuma casa de um lado ou de outro. Parei uma fração de segundo e avistei uma
criança distante mais uns cinquenta metros. O menino abaixou-se, apanhou algo no
chão que eu julguei ser uma bola e saiu correndo. Entre naquele beco e bah!,
surpresa: havia ali uma espécie de campinho onde umas crianças jogavam bola. E
em torno do que seria meio campo, meio praça, uns vinte e cinco a trinta
barracos.
Como dizem os gaúchos diante de algo
chocante, ou que cause grande alvoroço, “me caíram os butiás do bolso”. Ali eu
continuaria o Censo-80. Aproximei-me de um barraco, pedi licença e entrei: era
um barraco de um cômodo só, ali cabia uma cama de solteira, um fogão e duas
cadeiras e só. Aquele aspecto de miséria era comovente para mim; para a senhora
que estava lá sentada em uma das cadeiras, vestida pobremente, era mais do que
desesperador.
Conversei longamente com ela.
Disse-me que seu marido estava fazendo uns bicos na rua e que uma daquelas
crianças lá no campinho era seu filho. Moravam os três ali naquela peça única e
assim se repetia em todos os outros barracos. Gente amontoada sobre a pobreza,
sobre a miséria, sobre as necessidades mais prementes e humanas.
A velha Antonella arrancava mais ou
menos o equivalente hoje a 100 reais pelo aluguel de cada espelunca daquelas. Voltei lá no dia seguinte, apliquei o
questionário nos demais barracos e dei uma chegada na casa da italiana
avarenta. Cheguei lá e já soltando os cachorros em cima dela. Que aquilo era absurdo.
Ela era uma mentirosa e eu ia denunciá-la à polícia, à receita federal, afinal
ela estava sonegando informações, a propriedade daqueles barracos e terrenos e
o faturamento dos aluguéis.
Pegada no flagra, a safada não se
fez de rogada, colocou a rabo entre as pernas e tratou de responder tudo
direitinho, todas as perguntas, pois tive que refazer grande parte do seu
questionário. Saí de lá louco de raiva, nem tanto pela dificuldade e o trabalho
que me dera, as mentiras e tudo o mais, mas pela exploração daqueles pobres
miseráveis que não tinham nem onde caírem mortos (próximo post – o grande final).
Raimundo
Fontenele
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