Nascimento Morais Filho se ufana de ter
sido o “descobridor” de Maria Firmina dos Reis (1825-1917). Ele diz que
descobriu a romancista, por acaso, no ano de 1973, época em que procurava nos
jornais antigos da Biblioteca Pública Benedito Leite textos de autores
maranhenses sobre o ciclo natalino (Natal, Ano Novo e Reis). Ficou
impressionado ao encontrar informações sobre uma mulher que no período da
escravidão escrevia poesias. Depois, encontrou informações sobre o romance
Úrsula, publicado em 1859 cuja temática é a sociedade brasileira da época. […]. (Suplemento Cultural e
Literário JP-Guesa Errante. Ano III, ed. 100– 28.11.2008).
ISSO É VERDADE E
DOU FÉ
Lembro de um
personagem do Jô Soares, homenageando os exilados na França, por conta do
contragolpe militar que evitou um governo comunista naqueles anos sessenta. O
cara ligava da França pra sua mulher aqui no Brasil e em determinado momento
ele mandava um francês de lascar: “Je vive de béc” (eu vivo de bico).
Eu estava
nessa em São Luís do Maranhão, lá pelos anos setenta e picos. Enchi o saco do
serviço público. Era funcionário nomeado da Secretaria de Educação e mandei
tudo às favas. Casado, poeta, bebendo muito, sem dinheiro, a vida parecia um
pouco a vida dos românticos que eu admirava pelo que ela tinha de trágico,
ilusório, sonhador até, por que não?
Os amigos
escritores me arranjavam esses bicos onde eu faturava uns trocados. Lembro do
professor e escritor Alberico Carneiro que me chamou para ajudá-lo na
datilografia do seu romance O ALCOÓLATRA, um livro que merece reedição e maior
destaque na prosa maranhense.
Em seguida, outro amigo, o professor Nascimento de Moraes Filho,
poeta, escritor e ativista político, um pioneiro na defesa do ambientalismo
quando esse assunto ainda nem era moda, me procurou um dia, final de setenta e
quatro ou início de setenta e cinco?, para ajudá-lo no trabalho de preparação
dos originais (datilografia) do seu livro sobre Maria Firmina (fragmentos de
uma vida). Enfim, ele estava entusiadíssimo. Havia encontrado referências e
textos, escritos, poemas e o romance Úrsula de uma escritora, dizia ele,
pioneira, visionária, além do seu tempo. Escrevia sobre e combatia a
escravidão, o machismo, lutava pelos direitos humanos, pelos direitos da mulher,
em pleno século XIX, mesmo sendo bastarda, mulata e sem recursos, numa
província preconceituosa e hipócrita como era a sociedade maranhense dos anos
mil e oitocentos, ainda por cima exercendo uma atividade tipicamente masculina
para os padrões da época: a literária. Seu nome: MARIA FIRMINA DOS REIS, a
nossa homenageada deste mês de março, quando a gente junta a fome com a vontade
de comer (rss). Neste dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, Maria
Firmina dos Reis é a mulher da hora. (RF)
A
Voz e a Memória dos Escravos: Úrsula, de Maria Firmina dos Reis
A estratégia discursiva de fazer da escrita
literária uma possibilidade de dar voz para os antepassados é usada por Maria
Firmina dos Reis em Úrsula. A autora abre espaço para que uma personagem
secundária assuma a focalização, retratando a questão da escravidão sob o
ponto de vista dos próprios escravos. Susana relata sua vida na África, terra
onde era livre e vivia com seu esposo e com sua filha, traçando através da voz
e da memória o mesmo caminho que os negros escravizados trilhavam até chegar ao
Brasil:
“Ainda
não tinha vencido cem braças de caminho, quando um assobio, que repercutiu nas
matas, me veio orientar acerca do perigo iminente, que aí me aguardava. E logo
dois homens apareceram, e amarraram-me com cordas. Era uma prisioneira – era
uma escrava! Foi embalde que supliquei em nome da minha filha, que me
restituíssem a liberdade: os bárbaros sorriam-se de minhas lágrimas, e
olhavam-me sem compaixão [...] Meteram-me a mim e a mais trezentos companheiros
de infortúnio e de cativeiro no estreito e infecto porão de um navio. Trinta
dias de cruéis tormentos, e de falta absoluta de tudo quanto é necessário à
vida passamos nessa sepultura até que abordamos as praias brasileiras. Para
caber a mercadoria humana no porão fomos amarrados em pé para que não houvesse
receio de revolta, acorrentados como animais ferozes das nossas matas que se
levam para recreio dos potentados da Europa” (in Úrsula).
Susana faz esta narração a Túlio,
recém-alforriado, salientando a impossibilidade de ser completamente livre em
uma terra escravocrata. Para Susana, o único lugar no qual o signo “liberdade”
faz algum sentido são as terras africanas, de onde ela foi arrancada.
(Bárbara
Loureiro Andreta Graduada em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM) no projeto de pesquisa Ressonâncias e dissonâncias no romance lusófono
contemporâneo, sob a orientação do Prof. Dr. Anselmo Peres Alós, Doutor em
Literatura Comparada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
Pesquisa e texto final:
Raimundo Fontenele
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