“E
és a pedreira viva, de onde arranco
Mármore
antigo
Para
as loucuras do meu sonho branco”
De Pedro Kilkerry pode se dizer: o mais
simbolista dos poetas modernos e o mais moderno dos simbolistas. Porque ele,
com tão curta vida, visto que morreu aos 32 anos da idade, sem haver publicado
nenhum livro em vida, com uma poesia composta de somente algumas dezenas de
poemas é, hoje, reconhecido pelos mais sérios críticos e estudiosos da
literatura como um poeta de primeira grandeza. E responsável por uma transição
do simbolismo para o modernismo. Quer dizer: precursor, visionário, o que sabia
das coisas.
O nosso pequeno Rimbaud, diriam uns. O
Gregório de Matos da pré-modernidade. Na entranha dos seus poemas não há aquela
melosidade intragável da maioria dos simbolistas, parnasianos, e até mesmo dos
cultores do verso livre e de uma pretensa modernidade. O que canta dentro do
seu poema é a carne e é a alma. Uma grita enquanto a outra chora. E depois,
unidas, numa tessitura de metáforas e beleza, preenche muitas vezes a nossa
solidão e a nossa fome de encantamento e de magia.
Foi pelos anos sessenta e muito ou setenta e
pouco que me caiu às mãos uma antologia dessas para escolares. E havia um poema
de Kilkerry, de versos livres, e, enquanto o lia, julguei tratar-se de um poeta
da chamada escola moderna. Qual o quê! O cara era das antigas. Tinha morrido
antes dos anos vinte. Não lembro mais do título do poema, não o encontrei
jamais, lembro apenas de um meio verso que dizia “quando eu morrer não ficarão
as tardes ou as madrugadas”, sei apenas que fui em busca do Pedro Kilkerry. E
logo dei de cara com ele, em edição, claro, do Augusto de Campos.
Os irmãos Campos, principalmente o Augusto,
eram os papas e bambambans das descobertas naquela época de tropicália, bananas
ao vento, contracultura e revolução. E publicaram e divulgaram o poeta Pedro
Kilkerry pra muita gente que jamais ouvira falar em tal nome.
Por isso trago na coluna de hoje esse poeta
pedra noventa, que assim como os anos sessenta continua vivo, produzindo
frutos, clareando os caminhos dos coxos que andam para trás, como aquela
esquerda dos anos 60, e abrindo os olhos dos cegos que colaram viseiras de
burro e só enxergam Marx, Fidel e o tal Maduro.
Olha aqui: eu era companheiro de jornada e de
ideal dessa turma que hoje está no poder. Nós queríamos fazer uma revolução,
limpar o Brasil da sujeira moral e da corrupção na política. Então, eles agora
estão num beco sem saída, pois se permanecessem jovens e com os mesmos ideais
teriam que lutar contra si mesmos, derrubarem a si mesmos do governo. Mas, como
envelheceram do espírito e trocaram os ideais por poder e grana, vivem essa esquizofrenia
que a gente está vendo. Melhor cuidarmos de ouvir o e sobre o Pedro Kilkerry e
deixar pra lá esses malucos governantes. Ah, malucos e safados. E ladrões
perigosos. Muito cuidado com eles. Dia 13 e Kilkerry neles. (RF)
“Cor
de leite é a manhã.
E
vem envolta de ouro
Em
mãos de aroma, unhas de seda!”
VIDA
Nascido em Santo Antônio de Jesus (BA), no dia 10
de Março de 1885, o poeta Pedro Kilkerry
era descendente de irlandeses por parte do pai, o engenheiro John
Kilkerry, superintendente da Bahia Gás Company Limited, e da mestiça alforriada
Salustiana do Sacramento Lima.
Em 1906, Kilkerry se juntou ao grupo literário
baiano Nova Cruzada e começou a publicar seus primeiros poemas na revista
homônima. Em 1913, o poeta se forma em ciências jurídicas e sociais na Faculdade de Direito da Bahia, no mesmo ano em que passa a editar as crônicas Quotidianas - Kodaks no Jornal
Moderno e lança mão pela primeira vez do poema em prosa. Kilkerry
ainda colaborou com poemas e artigos em periódicos de Salvador e começa a
escrever em verso livre em seus últimos anos.
Portador de tuberculose pulmonar, faleceu durante uma traqueostomia de
emergência em Salvador, sem ter publicado nenhum livro, apesar de ter
contribuído para alguns periódicos como Nova Cruzada e Os
Anais. Morre em 1917 em Salvador, poucos dias após completar 32 anos,
durante uma traqueostomia de emergência. Alguns de seus textos foram compilados
e publicados pelo ensaísta Andrade Muricy no
Panorama do Movimento Simbolista em 1952. Seus poemas, incluindo manuscritos e
poemas mantidos oralmente por amigos e familiares, foram recolhidos em 1968 por Augusto de Campos,
que o considera um dos precursores do modernismo no Brasil. Também foi chamado de "o Gregório de Matos" daquele período da vida baiana.
A primeira edição
em livro de seus poemas deve-se ao poeta Augusto de Campos, que, em 1970,
reuniu parte da obra de Kilkerry numa publicação do Fundo Estadual de Cultura
de São Paulo. Anos depois, em 1985, a obra, ampliada, teria uma segunda edição
pela Brasiliense. Apesar dos poucos poemas que deixou, Kilkerry liderou o
movimento simbolista baiano.
Segundo Augusto de
Campos, "seus poemas, de acentuado teor hermético, têm vislumbres de
Surrealismo. [...] Realmente, se o Simbolismo brasileiro permaneceu formalmente vinculado à
estrutura parnasiana, mantendo a sintaxe tradicional e inovando quase que
somente na temática, Kilkerry é aquele poeta que radicaliza a experiência
simbolista, complicando e adensando a sintaxe, aplicando uma metafórica
arrojada e despojando a linguagem de adjetivações fáceis. Pedro Kilkerry
deixou, além de poemas, artigos e crônicas.
E
OBRA
O VERME E A ESTRELA
Agora sabes que sou
verme.
Agora, sei da tua luz.
Se não notei minha epiderme…
É, nunca estrela eu te supus
Mas, se cantar pudesse um verme,
Eu cantaria a tua luz!
Agora, sei da tua luz.
Se não notei minha epiderme…
É, nunca estrela eu te supus
Mas, se cantar pudesse um verme,
Eu cantaria a tua luz!
E eras assim… Por que não deste
Um raio, brando, ao teu viver?
Não te lembrava. Azul-celeste
O céu, talvez, não pôde ser…
Mas, ora! enfim, por que não deste
Somente um raio ao teu viver?
Um raio, brando, ao teu viver?
Não te lembrava. Azul-celeste
O céu, talvez, não pôde ser…
Mas, ora! enfim, por que não deste
Somente um raio ao teu viver?
Olho, examino-me a epiderme,
Olho e não vejo a tua luz!
Vamos que sou, talvez, um verme…
Estrela nunca eu te supus!
Olho, examino-me a epiderme…
Ceguei! ceguei da tua luz?
Olho e não vejo a tua luz!
Vamos que sou, talvez, um verme…
Estrela nunca eu te supus!
Olho, examino-me a epiderme…
Ceguei! ceguei da tua luz?
Da brancura das sedas e veludos,
Das virgindades, dos pudores vivos.
HORAS ÍGNEAS (fragmento)
Eu
sorvo o haxixe do estilo…
E evolve em cheiro, bestial,
Ao solo quente, como o cio
De um chacal.
E evolve em cheiro, bestial,
Ao solo quente, como o cio
De um chacal.
Distensas, rebrilham sobre
Um verdor, flamâncias de asa…
Circula um vapor de cobre.
Os montes – de cinza e brasa.
Um verdor, flamâncias de asa…
Circula um vapor de cobre.
Os montes – de cinza e brasa.
(…).
O MURO
Movendo os pés doirados,
lentamente,
Horas brancas lá vão, de amor e rosas
As impalpáveis formas no ar, cheirosas…
Sombras, sombras que são da alma doente!
Horas brancas lá vão, de amor e rosas
As impalpáveis formas no ar, cheirosas…
Sombras, sombras que são da alma doente!
E eu, magro, espio… e um
muro, magro, em frente,
Abrindo à tarde as órbitas musgosas.
– Vazias? Menos do que misteriosas –
Pestaneja, estremece… O muro sente!
Abrindo à tarde as órbitas musgosas.
– Vazias? Menos do que misteriosas –
Pestaneja, estremece… O muro sente!
E que cheiro sai dos nervos
dele,
Embora o calo roído, cor de brasa.
E lhe doa talvez aquela pele!
Embora o calo roído, cor de brasa.
E lhe doa talvez aquela pele!
Mas um prazer ao sofrimento
casa…
Pois o ramo em que o vento à dor lhe impele
É onde a volúpia está de uma asa e outra asa…
Pois o ramo em que o vento à dor lhe impele
É onde a volúpia está de uma asa e outra asa…
Pesquisa e texto
final
Raimundo
Fontenele
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