21 de abr. de 2016

O POETA ANTONIO AÍLTON DIZ A QUE VEIO A GERAÇÃO 90


Nesta quarta feira, 20 de abril, nossa coluna prossegue com o encantamento dos poetas, essa espécie de encantadores de serpente, pois as palavras são isto: cobras, algumas venenosas, outras, como as jiboias, nos sufocam com seus abraços, e outras mais, apenas cobras passivas emoldurando paisagens.
Lembro de uma frase do saudoso mestre Domingos Vieira Filho, estudioso, crítico, escritor sapiens (olha a Dilma aí, gente!), durante muitos anos Diretor do Departamento de Cultura do Estado, quando este era ainda apenas um apêndice da Secretaria de Educação e Cultura, ah, vamos lá, a frase: “o Maranhão é pródigo em poetas”.
Dizia-o em alto relevo, com gratidão, com satisfação por ser e pertencer a um Estado que lhe dava tanto motivo para a reflexão e o entusiasmo espiritual, o prazer poético, que é como um gozo com a mulher amada.
Certamente, vivesse ainda, e tivesse em suas mãos um dos livros, ou todos, do poeta Antonio Aílton sentiria o mesmo que sinto eu: a presença de um artesão do verso, mas não destes que se consomem em noites insones procurando métricas, descobrindo rimas, fabricando metáforas ocas de sentido e vazias de mensagem para enganar leitores obtusos e que se cansam de forma rápida do esforço e do “trabalho” de ler.
Nada disso. O poeta Aílton traz em si a presença de uma poesia viva, investigativa, que não se conforma em habitar ambientes fechados, úmidos, obscuros, contrários à luz que emana do espírito sofredor, criador e, por isso, superior. Temos aqui, para o nosso deleite, os versos inventivos do Aílton, e algumas pinceladas da sua biografia, junto com estas mal traçadas aí de cima, que não expressam toda a maturidade presente e a grandeza futura da sua poesia. (RF)
  




ANTONIO AÍLTON, maranhense, professor, poeta e ensaísta, é Doutorando em Teoria Literária pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, Mestre em Educação [enfoque em Cultura e Imaginário] pela UFMA, Especialista em Crítica da Literatura Contemporânea, pela UEMA, e graduado em Letras - UFMA.
Entre suas publicações tem Compulsão Agridoce (Poesia - Paco Editorial, 2015) Os dias perambulados & outros tOrtos girassóis (2008, Prêmio Cidade do Recife de Poesia), As Habitações do Minotauro (Poesia, 2001 - Prêmio Cidade de São Luís) e Humanologia do eterno empenho: conflito e movimento trágicos em A Travessia do Ródano, de Nauro Machado.
É colaborador do Suplemento Literário e Cultural JP Guesa Errante, de São Luís do Maranhão.
E-mail: ailtonpoiesis@gmail.com
  
IDADE DOS METAIS


Ao amanhecer por entre as ruas,
o sol tropeçou em dois cadáveres.

Sobras da noite inoxidável,
a catadora de latinhas
tem mais coisas a fazer.


                                  
ESCRITOS ALEATÓRIOS PARA MÁSCARAS E INCERTEZAS
  


Flor é a palavra flor, não por dizer, mas por silenciar

Flor é o crisântemo aceso, aguardando com ansiedade
a visitante tardia

Flor é o bicho de Lígia Clark quando você toca
e ele se abre

Flor é a orelha decepada de tuas obsessões psicossexuais
derramando girassóis no ocaso para espantar os
últimos corvos
(há sempre relações possíveis entre flores e navalhas)

Flor: rã de Patrick Süssekind na vulvinha virgem da próxima vítima
engolindo insetos e aspirando o hálito ainda quente de um
perfume desconhecido

Há flores que nascem no estrume das feiras livres de Paris

Mas não exagere em arte conceitual, chá de papoula é
natureza morta

pintada de amarelo



O FENÔMENO

pôs plaqueta de closed
no seu cul-de-sac
e voltou ao Nada



CADEIRA DE BALAÇO


Os bichanos vêm aprender comigo
o conceito de falta de dinheiro
eles ficam ali sobre a velha cadeira
e se espicham, até dormirem
entediados
com o que tenho a dizer

tosse,
tosse
e

cuspe



O PRISIONEIRO


Preso, Bob não pode defender sua ração dos ratos. Bob esgota sua paciência e não fode mais cadelas há muito tempo. Apenas se lambe furtivo e ganido, na solitude amarga das pulgas. Os gatos vêm rir de Bob: de dia, tomam sol e se lambem no telhado baixo para o qual Bob salta raivoso, sem os alcançar para o estraçalho; de noite se lambem no telhado de Bob, e Bob apenas pressente a rinha malévola. Olham Bob e se espicham, fingem que se armam, que caçam os ratos que roubam a ração de Bob. “Bob, velho cão sonolento, puah”. Bob não lê livros ou revistas, não assiste a televisão, não canta, não toma sol. Bob não é um cão depressivo, mas se pergunta o que é tão mais importante que um pedaço de carne, o que poderia ser tão mais importante que a liberdade, que foder, por exemplo (claro que ele é um animal e só conhece esta palavra. Também lembra das velhas revistas em inglês fuck yes); o que seria mais importante que até mesmo brincar como as crianças fazem se espojando na areia. Bob provavelmente morrerá dentro de alguns dias enquanto alguns homens argumentariam e contra-argumentariam sobre a condição de Bob de ser Cão. Enquanto Cão geral, claro, sobre sua possível existência ou inexistência no universo empírico, ou enquanto “objeto teórico formalmente situado”, e sua possível formulação. A tese: “Bob, cão sem fronteiras”.


Pesquisa e texto final:

Raimundo Fontenele


Um comentário:

  1. Poesia sempre, como forma de experiencia do mundo e de mundo, os mundos com suas portas e janelas que está em nossas mãos criar com as palavras, para que quem chegue possa habitar em nossa casa da linguagem. Grato ao poeta Raimundo Fontenele por sua preciosa divulgação de minha poesia.

    P.S. Caro poeta comecei a publicar na década de 1990, com Ricardo Leão, Bioque Mesito, Dyl Pires, Hagamenon de Jesus, Jorgeana Braga, Rosemary Rego... Mas que importa a data, não é mesmo. Orgulho de pertencer a todas. Abração

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