Nesta
quarta feira, 20 de abril, nossa coluna prossegue com o encantamento dos
poetas, essa espécie de encantadores de serpente, pois as palavras são isto:
cobras, algumas venenosas, outras, como as jiboias, nos sufocam com seus abraços,
e outras mais, apenas cobras passivas emoldurando paisagens.
Lembro
de uma frase do saudoso mestre Domingos Vieira Filho, estudioso, crítico,
escritor sapiens (olha a Dilma aí, gente!), durante muitos anos Diretor do
Departamento de Cultura do Estado, quando este era ainda apenas um apêndice da
Secretaria de Educação e Cultura, ah, vamos lá, a frase: “o Maranhão é pródigo
em poetas”.
Dizia-o
em alto relevo, com gratidão, com satisfação por ser e pertencer a um Estado
que lhe dava tanto motivo para a reflexão e o entusiasmo espiritual, o prazer
poético, que é como um gozo com a mulher amada.
Certamente,
vivesse ainda, e tivesse em suas mãos um dos livros, ou todos, do poeta Antonio
Aílton sentiria o mesmo que sinto eu: a presença de um artesão do verso, mas
não destes que se consomem em noites insones procurando métricas, descobrindo
rimas, fabricando metáforas ocas de sentido e vazias de mensagem para enganar
leitores obtusos e que se cansam de forma rápida do esforço e do “trabalho” de
ler.
Nada
disso. O poeta Aílton traz em si a presença de uma poesia viva, investigativa,
que não se conforma em habitar ambientes fechados, úmidos, obscuros, contrários à luz que emana do espírito sofredor, criador e, por isso, superior. Temos aqui,
para o nosso deleite, os versos inventivos do Aílton, e algumas pinceladas da
sua biografia, junto com estas mal traçadas aí de cima, que não expressam toda
a maturidade presente e a grandeza futura da sua poesia. (RF)
ANTONIO AÍLTON, maranhense, professor,
poeta e ensaísta, é Doutorando em Teoria Literária pela Universidade Federal de
Pernambuco – UFPE, Mestre em Educação [enfoque em Cultura e Imaginário] pela
UFMA, Especialista em Crítica da Literatura Contemporânea, pela UEMA, e
graduado em Letras - UFMA.
Entre
suas publicações tem Compulsão Agridoce (Poesia - Paco Editorial, 2015) Os
dias perambulados & outros tOrtos girassóis (2008, Prêmio Cidade do
Recife de Poesia), As Habitações do Minotauro (Poesia, 2001 - Prêmio Cidade de São
Luís) e Humanologia do eterno empenho: conflito e movimento trágicos em A Travessia do Ródano, de Nauro
Machado.
É
colaborador do Suplemento Literário e
Cultural JP Guesa Errante, de São Luís do Maranhão.
E-mail: ailtonpoiesis@gmail.com
IDADE
DOS METAIS
Ao amanhecer por entre as
ruas,
o sol tropeçou em dois
cadáveres.
Sobras da noite inoxidável,
a catadora de latinhas
tem mais coisas a fazer.
ESCRITOS
ALEATÓRIOS PARA MÁSCARAS E INCERTEZAS
Flor é a palavra flor, não
por dizer, mas por silenciar
Flor
é o crisântemo aceso, aguardando com ansiedade
a
visitante tardia
Flor
é o bicho de Lígia Clark quando você toca
e
ele se abre
Flor
é a orelha decepada de tuas obsessões psicossexuais
derramando
girassóis no ocaso para espantar os
últimos corvos
(há sempre relações
possíveis entre flores e navalhas)
Flor:
rã de Patrick Süssekind na vulvinha virgem da próxima vítima
engolindo insetos e
aspirando o hálito ainda quente de um
perfume
desconhecido
Há
flores que nascem no estrume das feiras livres de Paris
Mas
não exagere em arte conceitual, chá de papoula é
natureza morta
pintada
de amarelo
O
FENÔMENO
pôs
plaqueta de closed
no
seu cul-de-sac
e
voltou ao Nada
CADEIRA DE BALAÇO
Os bichanos vêm aprender comigo
o conceito de falta de dinheiro
eles ficam ali sobre a velha
cadeira
e se espicham, até dormirem
entediados
com o que tenho a dizer
tosse,
tosse
e
cuspe
O PRISIONEIRO
Preso, Bob não pode
defender sua ração dos ratos. Bob esgota sua paciência e não fode mais cadelas
há muito tempo. Apenas se lambe furtivo e ganido, na solitude amarga das
pulgas. Os gatos vêm rir de Bob: de dia, tomam sol e se lambem no telhado baixo
para o qual Bob salta raivoso, sem os alcançar para o estraçalho; de noite se
lambem no telhado de Bob, e Bob apenas pressente a rinha malévola. Olham Bob e
se espicham, fingem que se armam, que caçam os ratos que roubam a ração de Bob.
“Bob, velho cão sonolento, puah”. Bob não lê livros ou revistas, não assiste a
televisão, não canta, não toma sol. Bob não é um cão depressivo, mas se
pergunta o que é tão mais importante que um pedaço de carne, o que poderia ser
tão mais importante que a liberdade, que foder, por exemplo (claro que ele é um
animal e só conhece esta palavra. Também lembra das velhas revistas em inglês fuck yes); o que seria mais importante
que até mesmo brincar como as crianças fazem se espojando na areia. Bob
provavelmente morrerá dentro de alguns dias enquanto alguns homens
argumentariam e contra-argumentariam sobre a condição de Bob de ser Cão.
Enquanto Cão geral, claro, sobre sua possível existência ou inexistência no
universo empírico, ou enquanto “objeto teórico formalmente situado”, e sua
possível formulação. A tese: “Bob, cão sem fronteiras”.
Pesquisa e texto final:
Raimundo Fontenele
Poesia sempre, como forma de experiencia do mundo e de mundo, os mundos com suas portas e janelas que está em nossas mãos criar com as palavras, para que quem chegue possa habitar em nossa casa da linguagem. Grato ao poeta Raimundo Fontenele por sua preciosa divulgação de minha poesia.
ResponderExcluirP.S. Caro poeta comecei a publicar na década de 1990, com Ricardo Leão, Bioque Mesito, Dyl Pires, Hagamenon de Jesus, Jorgeana Braga, Rosemary Rego... Mas que importa a data, não é mesmo. Orgulho de pertencer a todas. Abração