Estamos aqui, de
novo, Com a coluna QUARTA FEIRA É DIA DE RF, neste nosso Blog LITERATURA LIMITE,
que graças aos amigos leitores está indo de vento em popa, Vamos pras cabeças.
Fiquem de olho. Depois de DE CARA SUJA, vem aí CRÔNICAS DO PUCUMÃ, histórias e
casos passados na cidade e no município de São Domingos do Maranhão, a partir
de sua emancipação nos anos 50. Aguardem!!!
Capítulo 5
(Resumo: Em
companhia de Neguinho Robert, ZL e Beto Reis, Carlos se mete num táxi e Robert
passa a narrar como arranjou tanto dinheiro que eles iam torrando com drogas e
bebidas e sabe-se lá mais o quê)
– É, cara. Só tem peixe. Peixe e coco da praia, não
dá pra ti. Teu caso não se dar bem com filha de fazendeiro? – disse ZL, em mais
uma de suas brincadeiras tão sem graça.
– E aí, Robert? Conta o resto, cara, conta logo...
– Beto Reis estava impaciente, agora.
– Peguei minha garrafa de cerveja e fui até a mesa
do “jacu”. Pedi licença, ele não só consentiu que eu sentasse na sua mesa, como
ficou todo faceiro. Afinal de contas, eu era um cara da cidade grande, da
capital, sentado ali de igual pra igual com ele, um coitado do interior, como o
pobre infeliz devia achar diante de mim – Neguinho Robert se dirigiu ao
taxista, que parecia sem saber que itinerário seguir: – Segue para a Ponta
d`Areia, meu chapa. Vamos comer um peixe frito com limão, ma praia, que é o
máximo.
E a gente ficou todo mundo com a boca cheia dágua,
esperando por aquele bendito peixe frito! Robert continuou falando:
– Quando eu disse que era sobrinho do Governador e
morava com ele no Palácio do Leões, o desgraçado não só acreditou como queria
porque queria beijar minha mão ali mesmo na mesa do bar. Tentou se ajoelhar aos
meus pés, apesar de se dizer o cara mais rico de Cedral, dono de não sei
quantos barcos pesqueiros e terra que não acabava mais. Pedi mais uma cerveja e
quando ele se descuidou coloquei uns comprimidos de Valium no copo do
Zé-da-Pesca, como ele fazia questão de ser chamado, pois foi com a pesca que
tinha ficado rico. Disse que seu nome era José Gonçalves Oliveira, mas não se
importava e até preferia ser chamado pelo apelido.
– É, esse negócio de nome é coisa complicada. O
Brequista também não gostava do nome dele – meio tímido, arrisquei abrir a
boca, o que quase nunca fazia.
– Cala a boca, Carlos, deixa o Brequista pra lá. Dá
até azar ficar falando em quem está numa pior. Sabe como é, cara, desgraça
atrai desgraça. Deixa o Robert falar – ZL e sua matraca não davam moleza pra
ninguém.
– Antes que o Valium começasse a fazer
efeito e o Zé-da-Pesca capotasse ali na mesa, paguei a conta e convidei o
idiota pra ir até minha casa. O cara saiu cambaleando, amparado por mim, todo
satisfeito da vida, pois estava certo de que ia apertar a mão do Governador.
Peguei um táxi, sentei com ele no banco traseiro, e fui depenando o pato,
enquanto ele ferrava no sono. A carteira recheada de dinheiro, relógio, cordão
de ouro, tudo mudou de dono numa fração de segundos. O motorista do táxi nem
notou nada.
Neguinho Robert acendeu um cigarro, deu uma tragada
e continuou:
– Quando chegamos na Avenida Magalhães de Almeida,
pedi parada. Desci e expliquei que aquele ali era um tio que morava no interior
e que bebera além da conta, caindo no sono. Dei um endereço fictício, inventado
na hora, no Bairro do João Paulo, pedindo que o motorista levasse meu tio até
lá. O motorista, antes de zarpar, ainda perguntou “E a conta”, ao que respondi
no ato “Quando chegar lá o tio paga”.
A essa altura nosso táxi estava chegando na Ponta
d´Areia e Neguinho Robert mandou que o taxista parasse num restaurante que
tinha o curioso e exótico nome de “Peixe Sem Nariz”.
Saltamos do táxi, Neguinho Robert pagou a corrida,
e sentamos bebendo cerveja à espera do peixe frito.
– E aí, Robert, quanto foi a grana que você
conseguiu do tal Zé-Pescado? – ZL queria mais detalhes.
– Zé-da-Pesca, ô mané, e por acaso tu é da Receita
Federal? – era o Beto rosnando.
– Fica na tua, Beto, e vê se não enche, tá?
Neguinho Robert teve de acalmar Beto e ZL que
discutiam sem nenhum motivo. Bastava o efeito das drogas ir passando para a
gente ficar tenso, nervoso, discutindo e, às vezes, até sair na porrada.
De repente, tudo ficou em paz. O garçom estava
trazendo o peixe numa travessa de porcelana, serviço de primeira. Aquele era um
restaurante, no mínimo, três estrelas. Passava das duas da tarde e a chuva se
fora. O céu, porém, era chumbo. A chuva ia voltar, com certeza.
– E a grana, Robert, quanto foi? V ZL voltou à
carga.
– Contar dinheiro pra quê, rapaz? O meu negócio é gastar
até acabar. Nem quero saber quanto é. Olha aqui – e Neguinho Robert est5endeu a
mão direita, mostrando um maço enorme de dinheiro, só de cédulas graúdas.
Os olhos de ZL brilharam rápidos e instantâneos,
iguais ao Cometa Haley. Nenhum de nós ali, com exceção do Robert, tinha chegado
perto de tanta grana. Era justo que aquele dinheiro gerasse em nós alguma
emoção mais forte e violenta.
Estávamos naquele sábado sem um centavo, abrigados
da chuva nas escadarias da Biblioteca e, de repente, pimba!, caiu um otário do
céu por descuido e logo bem nas nossas cabeças. Era justo, era honesto, era
verdadeiro o que Robert fizera? Isso a gente não queria saber. O que nos
importava era a ilusão da coisa fácil e o sabor daquela tainha assada na brasa.
Agora estávamos
posando de milionários no “Peixe sem Nariz”, um dos restaurantes mais chiques e
caros da cidade. Durante dois ou três dias a gente ia chacoalhar de táxi para
cima e para baixo. Bebida, drogas, muçheres, comida, o que a gente quisesse ia
ter com toda a facilidade que o dinheiro permite.
Quando o dinheiro acabasse e passasse o efeito
maluco dos muitos coquetéis de drogas que a gente tivesse tomado, Cai-se no
poço profundo da depressão total. Voltava-se ao fuminho nosso de cada dia,
nosso tediozinho diário e à nossa monumental preguiça. À nossa incapacidade de
fazer outra coisa que não fosse arrastar-nos da Praça Deodoro para a Gonçalves
Dias e vice-versa.
Dei uma desculpa esfarrapada qualquer e deixei-os
ali mesmo na praia. Eles iam virar a tarde e a noite bebendo e se picando e eu
não estava a fim disso. Caminhei até a parada de ônibus aspirando aquele cheiro
bom de maresia. Como dizem, amanhã é outro dia.
Mas, Neguinho Robert
está mortinho da silva e essa foi a única vez em que estive em uma farra com
ele. Era um cara alegre, brincalhão, mesmo que a gente soubesse que tudo aquilo
era um disfarce para esconder sua verdadeira natureza. Robert era um revoltado
por causa de sua condição de filho bastardo. Não só por isso, mas sobretudo
porque nunca teve amor ou afeto. E esses são sentimentos que quando faltam,
faltam para sempre.
Não sei se foi coincidência, ou se mãe tem mesmo
uma espécie de premonição e é adivinha. O certo é que por aqueles dias que eu
estava quase a ponto de fazer minha estreia nas drogas pesadas, recebi uma
carta da minha mãe.
Uma carta comum, igual às outras que ela mandava
uma vez por mês. As mesmas apreensões, os mesmos cuidados, os mesmos conselhos.
Só que nesta última veio uma folhinha daquelas que se arrancava dos antigos
calendários anuais, com dia mês e ano, e um pensamento. No caso, um pensamento
de Vitor Hugo: “A virtude tem um véu, o vício tem uma máscara”. Não sei ela
sabia que eu estava metido com drogas, acredito que não, mas foi uma forma
original de manifestar-se, premonitoriamente.
A sentença me atingiu como um raio. Foi um
verdadeiro soco no estômago. Senti que estava entrando por um caminho quase
sempre sem volta. Brequista e Robert não eram provas mais que suficientes?
O ano estava no fim e eu estava reprovado mais uma
vez. O pior era no emprego, onde eu quase não aparecia. Falta em cima de falta.
Já fora suspenso duas vezes e não contava mais as em que havia sido advertido
verbalmente pelo mesmo motivo.
O que me salvava a pele é que o deputado Ulis Aroch
tinha interesse nos votos da região em que vivia minha família, que era
numerosa. E, assim, enquanto o deputado fosse sendo bem votado na cidade em que
meus pais viviam, meu empreguinho estava sendo garantido.
Por isso, podia faltar à vontade, desde que estas
faltas não ultrapassassem o número de trinta, quando seria considerado abandono
de emprego.
Mas, pensando bem, não posso ser injusto com este
deputado e atribuir-lhe, no caso de minhas faltas, mero interesse eleitoreiro.
Ele tinha amizade e afeto por mim, de forma verdadeira, o que eu viria a
comprovar muitos anos depois destes acontecimentos que agora descrevo.
Na pensão de tia Júlia eu era um verdadeiro
hóspede-fantasma. Saía cedinho e retornava por volta da meia-noite. Eu podia ir
no fogão e servir-me, caso estivesse com fome, pois sempre deixavam as
refeições para mim.
Sábados e domingos eu sumia. Dormia na casa de
colegas. Ou então passava a noite nas festas e amanhecia na praia. Ou dormindo
num banco de praça. Uma vida desregrada, sem nenhum controle, nada de
disciplina. Uma liberdade dessas é perigosa, porque acaba se voltando contra a
gente. E nos prendendo em suas malhas de chumbo, que nos arrastam para o fundo.
E foi o que aconteceu. A primeira picada a gente
nunca esquece.
(NA PRÓXIMA SEMANA,
O NARRADOR CARLOS SUCUMBE ÀS DROGAS PESADAS, ADOECE, E VAI SE CURAR NA CASA DOS PAIS, NO INTERIOR, DISPOSTO A
LARGAR PRA SEMPRE AQUELA VIDA)
Raimundo Fontenele
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