Na época da minha quase infância em São Domingos do
Maranhão vários fatos marcaram a minha existência, a minha lembrança, as minhas
memórias. Um desses fatos era a presença, na Praça Getúlio Vargas, de duas
famílias com algo em comum. Ambas tinham entre os seus varões descendentes dois
Dudus. E vejam como o povo é inventivo e original: um era o Dudu Zezinho, irmão
do Bento, do Raimundo, do Belchior, da Didi, esse ramo familiar que ainda hoje
vive no mesmo local onde cuidam de uma agência de ônibus. Quer dizer, uma das
herdeiras, a Luíza, cuida.
O
outro era o Dudu Três Irmãos. Na verdade era pra ser chamado Dudu dos Três
Irmãos, mas se engolia o dos e
pronto, estava feito o carreto: era Dudu Três Irmãos, e é dele que vou falar
mais demoradamente aqui, e é pra ele uma espécie de homenagem tardia que lhe
faço, estes escritos, como alguém que foi seu amigo, e esteve, por circunstâncias
políticas, muito perto de si em determinado tempo de suas vidas (a minha e a
dele).
Chamava-se Doroteu Dias
da Silva, nascido a 22 de setembro de 1922, e estaria fazendo 94 anos no
próximo setembro, não tivesse ele falecido na madrugada de hoje, dia 19 de
julho de 2016. Só haver chegado bem
perto dos cem anos mostra como ele era um homem precioso para o Pai Eterno,
pois a vida é uma dádiva maravilhosa e quanto mais a vivemos, mais a merecemos.
Mas, nada de lamúrias.
Vamos ao fatos. Seus dois irmãos era o senhor Militão Dias da Silva e o senhor
Domingos Dias da Silva, lembro bem de sua mãe, dona Izabel. O Sr. Militão é pai
dos nossos amigos de infância Armando, Ana Cleide, Eliana. E o senhor Domingos,
assim como o Doroteu nunca quiseram casar, mas tinham lá, por baixo dos panos
seus amores não tão secretos assim.
Pois na virada, e diria
mesmo, na pequena e grande revolução política que aconteceu em São Domingos,
nos anos 60, que foi a eleição do Padre Manoel da Penha Oliveira, para prefeito
municipal, encerrando um ciclo de domínio exclusivo da família Torres do poder
local, o nosso amigo Doroteu foi figura de proa daquele momento histórico que
viveu nosso município.
Várias vezes eleito
Vereador, Doroteu era o que chamamos hoje de pequeno empresário, mas naquele
município pequeno, de coisas miúdas, ele era considerado um grande empresário,
comerciante, dono de terras, gado, fartura.
Embora tivesse militado
politicamente, por vários anos, ao lado dos Torres, em 1966, após a eleição de
Padre Manoel em 1965, vamos encontrá-lo candidato a Vereador mais uma vez,
fazendo aquilo que ele gostava e à qual dedicou toda a sua vida: a política.
Imbuído de um sentimento verdadeiro de lutar pelo bem comum.
Ele pensava
nos pobres, no povo humilde. Lembro bem de seus discursos, e do conteúdo de sua
oratória e fala, todo ele voltado contra as injustiças, as perseguições, a
polícia usada como braço armado do poder para amedrontar, oprimir e perseguir
adversários e inimigos políticos.
Era assim o mundo da política naqueles tempos. O
Maranhão estava recém saindo do Vitorinismo, como ficou conhecido o período em
que o Maranhão foi governado com mão de fero e taca pelo cacique Vitorino
Freire. Era “escreveu, não leu, o pau comeu”.
Muito ligado ao Padre Manoel eu era uma espécie de
faz tudo: sacristão ou coroinha como se chamava, ajudando-o nos ofícios
religiosos, e fazendo o serviço burocrático do partido, e discursos nos
comícios quando o Padre resolveu candidatar-se.
O Padre Manoel, em 1966, morava ali na Praça
Getúlio Vargas, na casa que foi de Dona Nila, a última vez que fui lá
funcionava uma ótica, ali naquela esquina próxima à casa do Pedro Odorico. E o
Doroteu residia ali, perto da casa do Padre Manoel, parede e meia, assim se
dizia.
Nunca esqueço daquele ano de 1966, que foi o ano da
eleição dos nossos representantes nas casa legislativas. Deputado Federal,
Zequinha Marão, que rima com uma decepção, Luís Rocha, Deputado Estadual, e
nossos Vereadores, entre eles, o personagem desta crônica: Doroteu Dias da
Silva, o Dudu Três Irmãos.
Eram motivos de graça, risos, alegria mesmo que
fazia parte dos comícios, os discursos do senhor Antônio Sudário que dizia: “vote
nos nossos candidatos, Camarão Filho e Luís Arrocha” ah ah ah e também os
discursos do Doroteu, mas por outra particularidade.
Eu era o animador do comício, quem anunciava os
oradores, controlava a cena junto com o José Alves Feitosa, o Zé Queimado. E
quando o Dudu pegava o microfone e começava a falar era um discurso sem fim. Eu
ficava sem saber porque ele encerrava o discurso e recomeçava de novo, e eu
ficava de mão estendida esperando um microfone que não vinha.
Sintam a coisa. O Doroteu, depois de falar e falar,
se saía com esta pérola: “Pois, meu amigos, agora vou encerrar, muito obrigado,
e aqui tenho dito” (nessa hora eu levava a mão em sua direção pra pegar o
microfone e ele) “Um dia desse eu cheguei no povoado Lagoa Nova e perguntei,
tem algum professor aqui, e me responderam não, mas tem polícia. Polícia, meus
amigos, pra perseguir o povo...”.
Isto se repetia duas três vezes e nada de encerrar
aí eu chegava junto e com diplomacia conseguia o microfone para prosseguir o
comício.
Fiquei numa dúvida: achava que ele não sabia
terminar o discurso ou o que acontecia. Mas acredito hoje que esta dúvida se
dissipou. É que ele sempre lembrava de algo do interesse da coletividade, era
como se não parando de falar as coisas realmente pudessem acontecer, se desse o
milagre que o povo sofrido tanto aguardava: o pão na mesa, os filhos na escola,
os homens e mulheres no emprego e no trabalho, a paz no coração e nos olhos o
brilho da felicidade.
Esse era o grande amigo e muitas vezes benfeitor em
São Domingos do Maranhão, o grande e inesquecível homem público Doroteu Dias da
Silva, mas pode lhe chamar de Dudu Três Irmãos, que o seu sorriso será sempre o
mesmo: o riso verdadeiro de um verdadeiro Homem.
(Do livro inédito CRÔNICAS DO PUCUMÃ)
Raimundo
Fontenele
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