8 de set. de 2016

Literatura Maranhense - Dez Grandes Poemas




CANÇÃO DO EXÍLIO

Kennst du das Land, wo die Citronen blühen,
Im dunkeln die Gold-Orangen glühen,
Kennst du es wohl? - Dahin, dahin!
Möcht ich... ziehn.
— Goethe

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas tem mais flores,
Nossos bosques tem mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

(Gonçalves Dias)
Coimbra - Julho 1843.

MAL SECRETO

Se a cólera que espuma, a dor que mora
N´alma e destróe cada illusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse o espírito que chora,
Ver através a mascara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, comsigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisivel chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez, existe
Cuja ventura unica consiste,
Em parecer aos outros venturosa!

(Raimundo Correia)

TELA DO NORTE

No estirão, percutindo os chifres, a boiada
monótona desliza; ondulando, a poeira,
em fulvas espirais, cobre toda a chapada
em cujos poentes o sol põe uns tons de fogueira.

Baba de sede e muge a leva; triturada
sob as patas dos bois a relva toda cheira!
Boiando, corta o ar a mórbida toada
do guia que, de pé, palmilha à cabeceira...

Nos flancos da boiada, aos recurvos galões
as éguas, vão tocando a reses fugitivas
o vaqueiros, com o sol nas pontas dos ferrões...

E, do gado o tropel, com as asas derreadas
quase riscando o chão, que o sol calcina, esquivas,
arrancam coleando as emas assustadas...

(Maranhão Sobrinho)


PAISAGEM

Eis aqui um cão
e defronte um homem:
ambos o pão
da fome comem.
Olha o cão a vida
triste das pedras
(coitado do cão
que não pasta ervas)
e por fim já morde
o osso das trevas.

Olha a vida o homem
com saudade amarga.
Os olhos do homem
já não olham nada.
Só, em seus ouvidos
de carne fanada,
teimam os latidos
da morte e do nada.

(Bandeira Tribuzzi)
 
HOJE MANHÃ

Todo hoje tem amanhã, como o eu o objeto,
Tudo o que é será o seu futuro
A pedra o sangue o Iodo o lírio o afeto
flor humana que nasce de monturo

As estrelas brilhando em céu dileto
refervilhavam em caos prematuro
o irradiante clarão provém direto
da dor da fricção do ventre escuro

Sendo eu o que serei serei  já sendo
inelutavelmente condenado
a meu próprio amanhã e ao de tudo

então se cumpra logo o ciclo horrendo
sendo eu o meu porvir mas apagado
no vivo mar desafogado mudo

(Manoel Caetano Bandeira de Mello)

FLORES LUXEMBURGUESAS

     Não é, não e alegria,
         Nem é tristeza sombria
         Que sinto me atravessar.
         Grato, grato sentimento
         De um passado encantamento —
         Por toda parte a lembrar!

     Eram as roxas florestas,
         As sagradas sombras mestas
         Nossos berços da soidão:
         Se deles tendes as flores, —
         A saudade dos amores
         Em vós reconheço estão.

(Sousândrade)

PAISAGEM DE INVERNO

tédio das coisas pétreas e cinzentas
há pássaros morrendo de silêncio
por cima da tristeza dos telhados
o vento em ponto morto no ar parado
o frio cai com gosto de abandono
longe do mar amar turvado turvo
passa um menino carregando fome
o anjo da solidão assiste mudo
e de repente chora
está chovendo


(Viriato Gaspar)

VIVER É SE APROFUNDAR NA LOUCURA DOS OUTROS

Domingo é um dia tranqüilo,
dia da maçã morder o próprio ventre,
enquanto cabras venenosas me pastoreiam.

Subi uma montanha de pedras
e lá no alto, luz azul
incide sobre sonhos, e incendeia-me

Quase apaguei do meu nome
(farol, sentinela, carne viva)
o brilho de uma estrela vagabunda
que me faz rastejar tão perto dos esgotos.

Se as chuvas viessem (e se chovesse)
um olho brilharia ao sol e o outro
se banharia novamente em lágrimas.

(Raimundo Fontenele)

Ofício
Ocupo o espaço que não é meu, mas do universo.
Espaço do tamanho do meu corpo aqui,
enchendo inúteis quilos de um metro e setenta
e dois centímetros, o humano de quebra.
Vozes me dizem: eh, tu aí! E me mandam bater
serviços de excrementos em papéis caídos
numa máquina Remington, ou outra qualquer.
E me mandam pro inferno, se inferno houvesse
pior que este inumano existir burocrático.
E depois há o escárnio da minha província.
E a minha vida para cima e para baixo,
para baixo sem cima, ponte umbilical
partida, raiz viva de morta inocência.
Estranhos uns aos outros, que faço eu aqui?
E depois ninguém sabe mesmo do espaço
que ocupo, desnecessário espaço de pernas
e de braços preenchendo o vazio que eu sou.
E o mundo, triste bronze de um sino rachado,
o mundo restará o mesmo sem minha quota
de angústia e sem minha parcela de nada.

(Nauro Machado)

Cantada

Você é mais bonita que uma bola prateada
de papel de cigarro
Você é mais bonita que uma poça dágua
límpida
num lugar escondido
Você é mais bonita que uma zebra
que um filhote de onça
que um Boeing 707 em pleno ar
Você é mais bonita que um jardim florido
em frente ao mar em Ipanema
Você é mais bonita que uma refinaria da Petrobrás
de noite
mais bonita que Ursula Andress
que o Palácio da Alvorada
mais bonita que a alvorada
que o mar azul-safira
da República Dominicana
Olha,
você é tão bonita quanto o Rio de Janeiro
em maio
e quase tão bonita
quanto a Revolução Cubana

 (Ferreira Gullar)

Nenhum comentário:

Postar um comentário