28 de jun. de 2019

FOLHETIM DA SEMANA


HORA DE GUARNICÊ, Ê MEU BOI! (final)



         O FOLHETIM DA SEMANA do nosso blog LITERATURA LIMITE (acesse-o no link www.literaturalimite.blogspot.com.br) pega carona nestes festejos juninos, para trazer aos leitores a esquecida coletânea HORA DE GUARNICÊ – Poesia Nova do Maranhão, edição promovida pela FUNDAÇÃO CULTURAL DO MARANHÃO, São Luís, 1975.
         Nesta última sequencia o final da apresentação de Josué Montello e os poemas de  Francisco Tribuzi, Luís Augusto Cassas, Raimundo Fontenele, Rossini Corrêa e Viriato Gaspar. (RF)

PRÓLOGO
Josué Montello

(continuação...)
         Jean Cocteau, ao receber o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Osford, teve a oportunidade de referir-se à experiência de um de seus amigos, o Professor Pobers, que foi enviado às Antilhas para estudar o papel da telepatia entre os naturais da terra. Para se comunicarem a grandes distâncias, dirigem-se estes a uma árvore, e o certo é, falando-lhe junto ao tronco, conseguem ser correspondidos nos seus recados e nas suas encomendas. Certo dia, ao ver uma mulher a se comunica por esse processo, o Professor Pobers perguntou-lhe por que motivo ela se dirigia a uma árvore.
         E ouviu sua resposta:
         – É porque eu sou pobre. Se fosse rica teria um telefone.
         É possível que o verso, para certos jovens, seja como a árvore da mulher antilhana: um instrumento de comunicação transitório, que a própria vida se encarrega de substituir, quando faz do moço um arquiteto, um aviador, um advogado, um professor, um médico, um jornalista. Mas, para esses, que mudaram de instrumento, para exprimir os seus instantes de sensibilidade ou de emoção, o verso não era o instrumento essencial. Para o poeta verdadeiro, nenhum outro poderá substituí-lo ou suplantá-lo. E é nessa coerência que está a confirmação da vocação poética.
         A geração de poetas jovens do Maranhão, representada por esta antologia, não tem posição polêmica, em relação à geração anterior, de que são magnas figuras, nos horizontes da província, Nauro Machado, Bandeira Tribuzi, José Chagas, e a que também pertencem, longe de São Luís, Ferreira Gullar, Lago Burnett e Tobias Pinheiro. Estou me lembrando também de Odylo Costa, filho e Manoel Caetano; mas estes pertencem a uma geração anterior, sobretudo o primeiro, que alcançou a glória da Academia, como sucessor de Guilherme de Almeida, na cadeira que tem por patrono Gonçalves Dias e foi fundada por Olavo Bilac.
         É certo, que entre a geração de Hora de Guarnicê e a de Nauro Machado, outro poetas existem na Província, fiéis ao verso e à verdadeira poesia. Serão vozes dispersas, sem a continuidade da criação essencial? É possível. A verdade é que, em muitos deles, se prolonga o legado de arte que vem da geração de Gonçalves Dias. Digo isto, não no sentido de antiguidade, mas da concordância dos valores líricos, que são eternos.
         Dos poetas aqui agrupados, muitos são modernos pelo tema; outros, pelo verso; outros mais, pelo verso e pelo tema. De qualquer modo, são todos eles expressões de nosso tempo, e do Maranhão. Um Maranhão que não é mais o mesmo de minha juventude. E que já buscando horizontes mais amplos, na linha das transformações radicais.

         Essa transformação, já refletida nos poemas de Hora de Guarnicê, tende a ampliar-se e aprofundar-se. Dela os poetas hão de ser as vozes necessárias, como espelho, concordância ou protesto.
         Há alguns anos, no Conselho Federal de Cultura, citei esta frase de Cocteau: “Eu sei que a poesia é indispensável, mas não sei para quê.” Cassiano Ricardo, que me ouvia, logo enristou o furabolos, protestando. E estendeu-se numa longa lição, que teve sobretudo o mérito de converter o convertido, visto que eu citara a frase do poeta francês para terminar reconhecendo que a poesia é essencial ao homem, como um dos instrumentos – e talvez o melhor e o mais fino – de penetração dos seus mistérios.                                                                                                                                                   
         Cada um dos poetas aqui reunidos traz uma mensagem de angústia, de indagação ou de intuição das horas advindas. Por ela somos conduzidos ao pequeno mundo de suas verdades interiores. E é para essa comunhão amiga – e fraterna – que todos eles nos convocam com este livro.
         JOSUÉ MONTELLO



FRANCISCO TRIBUZI
Francisco José Santos Pinheiro Gomes nasceu em São Luís do Maranhão, a 24 de janeiro de 1953. Filho do poeta Bandeira Tribuzi, foi buscar também em origens familiares a vocação para a pintura, tendo já participado de várias mostras de arte plástica.

         ÍNTIMO
Vivo no contido pessimismo
dos poemas de Nauro Machado:
existir de falso lirismo
e a dor contida no intocado.
Ninguém (mesmo) pode saber
porque viver é o medo de morrer
e o que mais se chora.
Sorrisos são atos contra a vontade;
Tristeza, sinônimo d eternidade.
Adeus é não ir embora.

LUÍS AUGUSTO CASSAS
Luís Augusto Cassas de Araújo nasceu a 2 de março de 1953, em São Luís, onde cursa a Faculdade de Direito da Universidade do Maranhão. Participou das antologias Mirante, Poesia Maranhense Hoje e Antologia do Movimento Antropáutica. Aos 19 anos de idade foi agraciado pela Academia Maranhense de Letras com a Medalha Graça Aranha.

QUADRO COMPLETO DA NOITE
                   os postes                       procissão de sombras             
                   de cimento armado         socos no escuro
                   arqueados                      gatos homossexuais
                   sobre a rua (lua)             automóveis descansando
                   parecem                         choros de crianças
                   costelas de concreto      azulejos
                   asfixiando                      vagalumes
                   o pulmão canceroso       ladeiras
                   da madrugada                apitos

                   (um cachorro ladra)           (um galo canta)
no chão:
lágrimas hidráulicas
saltam
das órbitas dos esgotos
e levam
estrelas e ratos
pela sarjeta
(amanhece)

RAIMUNDO FONTENELE
Viriato, Fontenele, C.Val, Valdelino e Cassas
Raimundo Nonato Fontenele, maranhense do interior do Estado, tem 26 anos de idade. Funcionário público, foi assessor da Coordenação Estadual do MOBRAL. Um dos fundadores do Movimento Antroponáutica. Tem publicado Chegada Temporal e Às Mãos do Dia, ambos de poesia.

A CAUDA DA ESTRELA
vaporizante muda
onde este anseio cala fundo
e estende as mãos para tocar-te

doce lírio
cravo no madeiro que não sangra
sinal de uma espera irremovível
das penas de todos os pássaros

risca e rabisca o céu com a omoplata
risca-rabisca o mundo

junto a tarde com os dedos
e submerso entre cruzes rutilantes
toco-te a cauda caudal vagalume

junto a noite com os olhos
e de repente
ela se apaga e vai:
pombo cinzento cerrado de neblina!

O LEITO                  
o leito é o começar de outro rio
por onde a foz de tudo inunda tudo
e descreve na água círculo a círculo
um perene correr que nunca funde-se

o leito é o após-rio a antinoite
a varar profundos córregos cansados
o leito é o só pensar o acomodar-se
a ser o barco a fluir em outro barco

o leito é o demarcar do rio ao meio
de lado a lado céu a terra e
areia de lenço por onde a calma

é todo um despejar de veros sonhos
até depois da última lançada
onde começa o mar e o mar acaba


CABEÇA DE POEIRA
o que sobra das mãos
além das veias
e o gosto de sal
na praia abandonado?

o que sobra da roupa
entre gestos
do que por baixo foi roupa
e hoje é tempo?

o que sobra da fruta
senão polpa
do que por dentro erguemos
capturados?



ROSSINI CORRÊA
José Rossini Campos Corrêa nasceu em São Luís do Maranhão a 8 de setembro de 1955. Foi membro da Antiga e Mística Ordem Rosae Crucis-AMORC e ativo colaborador da Página Universitária, suplemento publicado pelo Jornal Pequeno.

VIETNÃO (fragmento)
                            “ele aspirava a tornar-se poeta, pintor
                            e compositor”
                                               bertrand russell
a) HANÓI: ceifado por frágil carnaval
         o carnaval de hipérboles,
                                                                  poeta Iro Yto.
Agradecemos a preferência, e
                                               BOA NOITE

Iro,
         por que sangrento
         e genocidado ser
         exposto ao pascer
         úmido e brutal
         que há na pomba
         azul, vítima da bomba
         de norte-excremento      
         ceifando sem digital?

Yto,
         por que não/jacaré
         sugando o pântano
         forçado a vil/dano
         de sorver o nu
         suco de napalm e
navegar por lama que
movimenta-o, marcha-ré,
a ti, pousada do urubu?
Iro Yto,
         necrosado
no relento do
         sepulcro, não há
flor, vida ou verso...
..............................................................................................................
Iro Yto,
         necrosado
no relento do
         sepulcro, não há
flor, vida ou verso...
a autenticar o brado
         que soou dobrado
som de sino na voz
         de quem lutou por nós
poeta e soldado
                            ,Iro Yto
liberdade... liberdade...

b) HANÓI: ceifado por frágil carnaval
         o carnaval de hipérboles,
                                                                  poeta Iro Yto.
Agradecemos a preferência, e
BOA NOITE

VIRIATO GASPAR
Viriato dos Santos Gaspar nasceu em São Luís, a 7 de março de 1952. Detentor de prêmios literários da Academia Maranhense de Letras, Prefeitura Municipal de São Luís e da Sociedade de Cultura Artística do Maranhão. Figura nas antologias Poesia Maranhense Hoje, Antologia do Movimento Antroponáutica e Esperando a Missa do Galo.

LENDA TRISTE
(fragmento de um poema)
“era uma vez um homem que sonhava
mudar o mundo numa humanidade,
onde a vida não fosse mera escrava
de um negócio chamado autoridade.

era uma vez um homem que lutava
por transformar o homem em claridade;
mudar a terra inteira (assim pensava)
numa clara manhã de liberdade.

era uma vez um homem que, tal Cristo,
pensou mudar o mundo, e porque nisto
empregou seu suor, seu tempo e fez

dessa razão, razão de sua vida,
sua esperança, sua bandeira erguida...,
era uma vez um homem, era uma vez...”


Texto final:
Raimundo Fontenele


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