O
Portal TORDESILHAS e o blog LITERATURA LIMITE (www.literaturalimite.blogspot.com.br)
trazem hoje o trabalho de crítica do escritor e professor Alberico Carneiro,
grande nome da literatura maranhense, sobre a minha trajetória poética que ele
sempre acompanhou, não apenas por ser meu amigo, nos conhecemos em 1962 no
Seminário de Santo Antônio, mas por comungar do pensamento de outros literatos
brasileiros, de que a minha poesia vale a pena (mesmo pequena, acrescento com
minha natural modéstia rsrs).
Este
artigo foi publicado primeiramente no Suplemento O Guesa, do Jornal Pequeno,
que o professor Alberico criou e a todos alimentou com a chama da sua paixão
pela literatura, pela escrita, pelos romances, pelas poesias, por tudo o que a
grande Arte tem de beleza e encantamento. E eis que o encontro agora num site
virtual o Oceano de Letras.
O
resto, como eu mesmo digo, é socar contra o muro da ignorância humana e da
sordidez política. Sejam bem vindos.
RAIMUNDO
FONTENELE (64 ANOS DE NASCIMENTO
42 ANOS
DE POEMAS)
Artigo
de Alberico Carneiro
Raimundo
Fontenele nasceu em Predeiras, MA. Em sua trajetória de mais de quatro décadas
de publicações, ele nos lega uma obra literária que é causa de orgulho a todos
quantos, dentre os maranhenses, levam a sério o reconhecimento do nome do
Maranhão como terra de excelentes artistas. E quando dizemos terra de artistas,
estamos falando em algo com letra maiúscula, para que o povo não confunda a
palavra artista com a mesma que se usa para designar pessoas que, com suas
atividades, promovem apenas distração, diversão ou entretenimento, o que, sem dúvida
já é alguma coisa, mas não é a mesma coisa. Assim, quando dizemos terra de
excelentes artistas, estamos nos referindo a uma São Luís que pode se orgulhar
de pessoas que aspiram a dar ao Maranhão um lugar de destaque, como o fazem
Ferreira Gullar ou Zeca Baleiro, por exemplo.
A
obra literária de Raimundo Fontenele não se constitui de inúmeros livros, mas o
conjunto de textos que ele assina o impõe como uma das mais expressivas
referências da poesia maranhense escrita a partir da década de 1970 aos dias
atuais.
Irreverente,
ousado, transgressor, não é um poeta de concessões, louvores, marca quase comum
de inúmeros escritores que tanto envergonham a classe, nesta província. A
mediocridade sempre carrega consigo esse estigma maldito.
A
poética de Raimundo Fontenele não se parece com os textos de ninguém de sua
geração. É um poeta marginal ou, conforme melhor se diz, maldito, desses cujos
poemas sempre causam estranhamento e espanto aos leitores acostumados com a
contemplação do cultivo de hortas, jardins e pomares paradisíacos, onde não
penetrou a insídia da conspiração, da obliquidade e do olhar que lê o amor e o
revela como a senda do prazer e da dor. Por isso, já os textos de Fontenele
selecionados para a antologia Antroponáutica, publicada pelo então Departamento
de Letras, de São Luís, em 1972, estavam marcados por aquela dicção de um poeta
que optava pelo desvio do lugar comum, ocupado por aqueles que preferem repetir
os passos seculares de uma tradição herdada e, não, de uma tradição marcada pela
rebeldia, própria de poucos que fizeram ou fazem o caminho sangrando as mãos,
os pés e as mentes.
Claro que a aparição desse poeta, em livro, já em 1970, com Chegada
Temporal, causou espécie, incomodou a crítica oficial, conquistou a indiferença
dos meios acadêmicos. Tratava-se de um poeta que, no mínimo, rompia com a linha
tradicional dos conteúdos poéticos, em se tratando essencialmente de uma
linguagem que procurava se impor, transgredindo, rompendo, negando. Sim, uma
linguagem que se permitia, metalinguisticamente, criticar a tradição, negar a
tradição, dizer que a poesia, em essência está além de cânones, estando muito
mais na beleza que se expressa melhor através do fluxo natural dos dados
imediatos do inconsciente, detonando os padrões de beleza clássica universal.
E como a tradição não aceita de graça quem ousa se desenraizar e
desfamiliarizar, escritores como Raimundo Fontenele sempre pagam um preço
doloroso pela autenticidade da produção de uma obra literária que se quer
afirmar sem o selo e a chancelaria de uma sintaxe normativa, já que a
finalidade primeira desse tipo de poeta é explodi-la.
Recebi
sempre com surpresa, entusiasmo e orgulho os livros que Raimundo Fontenele tem
publicado. Cada vez que ele quebrou uma telha, rasgou livros dos medíocres,
detonou um sobradão colonial, fez ajoelharem-se os políticos ladrões e
hipócritas e os sentenciou à pena de exílio do convívio social, lá eu me senti
em comunhão com ele, cúmplice do mesmo santo e abençoado crime que tanto nos
irmana, quando se trata de chutar, quebrar, destruir, eliminar todos, que são
poucos gatunos, quantos impedem a humanidade de partilhar dos bens e dons da
vida, conferidos a todos nós pelo Criador. Sim, a elite dos abomináveis eleitos
do Diabo, que aliena o público no particular.
Então, com imenso prazer releio Chegada Temporal, 1970; Às mãos do
dia, 1972; Venenos, 1994; Marginais, 2001, dentre outros.
Hoje, ele nos surpreende, entusiasma e enche de orgulho mais uma vez,
com o lançamento simultâneo de duas obras-primas – estes antológicos O
troglodita e Amores.
É como um coroamento de uma viagem do poeta em sua circunavegação por
São Luís e em exílio. Exílio porque quem verdadeiramente se pode tornar um
artista de nome, vivendo aqui nesta província? Meu Deus, raras e honrosas
exceções. Costumamos dizer, ficando aqui é melhor morar aqui, mas viver em
outros lugares, vivendo aqui. É possível esse milagre?
Certo é que, com os dois últimos livros, o poeta Raimundo Fontenele
confirma a conquista de uma poesia forte, humana, singularmente genial. Como
poucos ele vem sabendo se impor pelo bom uso do talento que recebeu ao nascer.
A maioria joga tudo fora, ou na primeira lixeira de bandalheiras que descobrem
nos cérebros.
Fontes:
Suplemento Cultural & Literário JP
Guesa Errante. Ano XI. Edição 269. 9 junho 2012.
Foto:
http://www.editoraalcance.com.br .
Poeta Raimundo Fontenele |
Filnalizo aqui,
deixando com vocês este poema do meu livro inédito DIURNIDADE – O LIVRO DAS
COISAS.
POEMA
DO AMOR DE LONGE
I
Arrancado
do pó e do hálito soprado
arrastei-me
para o silêncio na madrugada chuvosa,
gotas
dágua caíam de um céu pré-existente,
bem
antes que o mundo houvesse.
Vieste
a mim, por buscar-te
talvez
entre as copas das palmeiras,
onde o
pássaro cantava.
O amor.
Cego assim. Doído ou doido.
Isso e
as outras estrelas, tão sujas,
esteladas
ou estrelares,
e os
teus castanhos olhos, puros.
Fui. Um
parênteses. Um combo de coisas
novas,
conosco havidas,
assim
esta tua sombra a sorrir-me na luz.
II
Não se
maldiga da sorte, a morte é passageira,
outra
vida te espera muito mais verdadeira,
e de
onde nada esperas, eis tua fortaleza.
Eis tua
casa forte, teu amor esperado,
a
mulher que amaste num longínquo passado,
é a
flor que agora colhes no jardim ao lado.
A flor
que vira rosa e tem espinhos
que se
cravam na carne lentamente.
Não
somente na carne, mas também na alma,
e o
coração solfeja, num ritmo alucinante,
melodias
tristonhas de canções ardentes.
III
Amei a
tua boca e os pássaros,
e os
teus lábios de mil novecentos e
sessenta
e oito,
ou foi
depois?
Frutas
no prato. E a tua mesa,
unhas e
medos, tudo junto.
Foi-se
o domingo e a tarde,
que
prometiam tanto.
IV
conchas
de cristais
em tua
mão de ouro.
contido
zelo em
penumbras
de aço.
juntar-me
a ti, após,
num só
abraço.
os
lábios sinto
sem as
palavras.
o mundo
estranho
mudo.
só muros
recortando
corpo e alma.
corpo e alma.
ervas
para o chá,
hortelã.
e gozo
as
primícias do dia.
fugiu
de mim a Musa
ardente.
oh, noite
temo o
seguinte.
nutrir
o amor com quê?
sílabas
anônimas,
palavras
incompletas?
Musa,
vê-me o aflito
palpitar
do pulso:
é o que
ouso. e posso.
os
passarinhos, lá fora,
despertam
a manhã
como
podem. com o
canto.
eu, não. a cama
não
suporta o que grito:
teu nome em chamas.
teu nome em chamas.
Eloi,
Eloi, Lamá
Sabactani?
V
a
dúvida é duvidar se houve ou há
o mesmo
amor de antes, ou se já
tudo
passou, se foi ao Deus dará.
sem
rima ou remo, só a inominável
dor,
lição de versos mudos, onde a
palavra
calou todas as falas. pois,
para
além do silêncio, tudo acaba
e nada
ao tempo resiste, só a fala
tateia
entre dentes. a língua? cala.
mas o
olho a si mesmo se vê no
vão da
sala, onde o espelho me vê.
VI
que
maravilha, esse amor. e sete
vidas
de gatos, de Jacó, Raquel
e Lia,
eu também as daria
em
torno a ti. voo de pombas
sobre a
relva verde. ervas
medicinais
que a tudo curam.
a lua,
então, fulgura. pálida
de
neve, e de amargura
faço as
minhas preces
subirem até
o sol de junho.
ali te enxergo
e vejo
o que
espero cumprir-se
qual
promessas de amor:
aqueles
dias idos de agosto.
VII
onde
andará aquela que amei?
no
bosque ou na avenida se
derramam
seus passos
até as
estrelas. posso vê-la,
sozinha,
e posso tê-la
em meus
tristes sonhos.
onde
andará aquela que amei?
branca
sereia, e eu num barco torpe
não fui
a lugar nenhum
a
procurá-la. e agora a solidão
cai
como pedra, ou treva
ou como
terra que já não se vê.
onde
andará aquela que amei?
quanto
a mim, descubro
telhados.
pulo de aviões
sem
paraquedas, avanço
aos
trancos e barrancos
da doce
juventude.
aquela
que amei, está aqui.
dentro
de mim, colada à
minha
pele. tempestuoso
amor
que bate-bate. voo
de
pássaros às cegas, e sei
o
quanto dói o que me negas.
VIII
parte-se-me
o coração
como
nuvens, aos pedaços.
inquietude
bebe sombras,
leva
borrões, manchas
do que
ficou e findou-se.
o poema
é coisa viva,
rasteja,
se mexe feito cobra
e vibra
silente. armadura
para
conter a lágrima,
e viver
o que ainda existe.
IX
estranhei na madrugada as batidas do
coração. loucamente apaixonado, e aí eu podia, tinha só 20 anos e ela estava
bela, o domingo que veio dela me encharcou de luz. os dias adivinhavam o
que eu queria, as noites sabiam o que eu não sabia, e é que ficaria
sozinho, com as estrelas desgarradas e meu mundo desmoronando. chutei tudo que
aparecia pela frente: pedra, lembrança, soluços.
atormentado pelo poder do amor,
me perguntava porque ela saiu assim de mim, arrancando as palavras
da minha boca, deixando que, caído, eu arrastasse a cara na poeira do chão e
mergulhasse de vez numa sofreguidão de copos, cigarros e drogas pesadas. o
sangue vermelho das veias misturado com o branco das anfetaminas. as pupilas
dilatadas dos olhos fitando o colorido violento dos quadros de grandes artistas
fixados nas paredes da imaginação. os cogumelos colhidos no campo me levando
para viagens de cartões postais e angústias do fim do mundo.
mas antes, muito antes, eu senti seu
perfume adocicado de beija-flor, toca seus cabelos como quem segura liames que
nos ligam ao céu e a beijei com desmaios e devaneios, respirei dentro de sua
respiração ofegante, morto de desejo e de silêncios, a vida se partindo como
vidros quebrados. e ela ali, comigo e longe, afastando-se. e ela ali,
comigo e distante, com a brancura do seu corpo deixando-me sozinho na
encruzilhada da perdição. e ela ali, comigo e sumindo para sempre.
X
Desgarrado,
sem pátria e sem amor
ainda
chamo seu nome vez em quando.
Mas
lembro: movia-me nas pedras,
melancólico
e só, quando sorria.
Sem
ela, por onde andei e o que fiz
foi um
plantio do inútil, um não viver
com
máscaras no rosto, ondas do mar
que vi,
ao longe, vida de espuma.
Ave,
Maria, mãe dos esquecidos do tempo.
Ave,
Maria, mãe dos perdidos nas trevas.
Ave,
Maria, mãe dos iludidos na terra.
Ave,
Maria, mãe, só penso nela.
Ó
Senhor, pai dos amantes abandonados.
Ó
Senhor, pai dos desesperados.
Ó
Senhor, pai dos ludibriados.
Ó
Senhor, pai, perdi-me dela.
Agora
digo adeus ao sonho que se vai,
ela
quebrou meu coração com pedra,
afogo
as mágoas no rio Uruguai,
até
queimar meu coração de luz.
Viver
de amor, sofrer, morrer de amar.
Viver
de amor, assim vou me acabar.
Longe
de mim, ela se fez de surda
e muda.
E a minha vida mudou: infinda.
a
poesia enlouquece.
cava
nos dentes rombos de palavras.
percebe
na relva os orifícios da dor,
por
isso escrevo o proscrito,
o que
não é amor,
o que
geme sozinho.
a
poesia o amor o proscrito,
a dor
os orifícios os dentes:
percebo
na relva
que
quem geme sozinho
perdeu-se
pelo amor
de uma mulher.
Meu Poeta Raimundo Fontenele, esse poema seu, e auto-biografico de alma e. eu que vivi parte desta entao, necessaria loucura. Esse poema me joga, em imagens do Poeta Raimundo Fontenele, no telhado de sua casa, no topo, caminhando de um lado para o outro e a gente dizendo aqui debaixo Fontenele, Poeta, desce dai e conversa com ela! Isso era o que? 1969?, 1970? ou 1971? O preco da vida, que a poesia impoe, para fertilizar o poeta, deve ser maldito aos olhos do homem comum. O peta que paga o preco, que nehum Banco ou Dividendos pode ressarcir-lhe, tambem nao recebe mais, talvez como antigamente, comendas de Presidentes eleitos mas certamente, seus poemas, de pura vida e dor, desmantelam a hegemonia meio amados, por serem meio amados por nao se jogarem de corpo e alma no amor qualquer que lhes veio cheio de intimidades e de intimidades os meio amados tem um medo desgracado de serem agarrados de amor e voce meu parceiro envieisou, pelas ruelas das doidices do que ama sem redias e se fez vulneravel e puro que para os de fora e meio amados lhes parecem que um que ama e assim tao sem plhos e mente e louco. E isso me faz lembrar do irmao, o Cesar Teixeira, que em 1971 ou 1973, para a contra capa do meu livro Entre Quatro Paredes, Fotografia do Murilo Santos, escreveu: " -Nao ha janelas no oco da loucura, e preciso sentir a paisagem dentro dos olhos..." Poeta Raimundo Fontenele, meu irmao, o seu poema POEMA DO AMOR DE LONGE, faz a gente viajar e resgatar lugares e cheiros da nossa juventude na nossa Sao Luis do Maranhao.
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