Viriato Gaspar, Raimundo Fontenele, Chagas Val, Valdelino Cécio, L.A Cassas |
Por Natan Castro
No inicio dos anos 1970 cinco jovens poetas
maranhenses resolveram propor uma ruptura com a tradição poético/literária do
estado. Já vivíamos a segunda metade do século XX e por aqui ainda eram perceptíveis
traços do simbolismo e parnasianismo nas obras de poesias que eram lançadas. Os
cinco propunham uma renovação urgente no fazer poético no Maranhão. Eram eles
Viriato Gaspar, Raimundo Fontenele, Chagas Val, Valdelino Cécio e Luis Augusto
Cassas, todos poetas genuínos que tinham como interesse maior renovar a poesia
no Estado do Maranhão, rompendo com as antigas escolas literárias do Século XIX
que tanto influenciaram as gerações passadas. Deles somente Raimundo Fontenele
possuía um livro lançado. O nome do movimento é uma homenagem ao poeta Bandeira
Tribuzzi, Antroponáutica é o nome de um
poema de sua autoria. O poeta inclusive era junto do grande Nauro Machado e
José Chagas, os únicos da geração anterior que os Antroponautas enalteciam e
citavam como influência.
Por volta de 1971 começaram os encontros num
bar no Canto da Viração no centro de São Luís, as reuniões eram regadas a
cerveja e muita discussão em torno dos caminhos futuros da poesia maranhense. A
principio o primeiro passo era chamar a atenção da elite literária da capital,
o que foi alcançado logo depois que nomes como João Mohana, Nascimento de Moraes,
Arlete Nogueira, Jomar Moraes e Nauro Machado perceberam a chegada dessa nova leva de jovens poetas que buscavam mudanças no meio
literário do Maranhão. O reconhecimento devido foi buscado ferrenhamente pelos
cinco, quase não havia espaço para publicação de seus artigos e poemas, como muita
luta começaram as publicações no Jornal do Dia (jornal comprado pelo Sarney
que veio a se tornar o Estado do Maranhão), o Jornal do Maranhão (da
Arquidiocese), que tinha um critico de cinema o José Frazão que também acolheu
muito bem as novas ideias do pessoal. Após tanto esforço, de fato o primeiro passo
havia sido alcançado, os Antroponautas haviam sido reconhecidos como novos
nomes da literatura maranhense. Logo em seguida saiu a famosa Antologia Poética do Movimento
Antroponáutica e logo depois foram convidados a integrar um projeto da
Fundação Cultural que publicou os cinco juntamente com outros novos poetas na Antologia Hora do Guarnicê.
O
lançamento do livro Às Mãos do Dia do Antroponauta Raimundo Fontelene
A seguir a narração detalhada do inusitado
lançamento nas dependências da Biblioteca Pública Benedito Leite, pelo próprio
Raimundo Fontenele, em entrevista dada a este que vos escreve.
Biblioteca Benedito Leite |
R - Vocês sabem. A história é feita de fatos, episódios, circunstâncias,
eventos, mil acontecimentos distantes um do outro, mas que por esta força
grandiosa que é a marcha da vida e da história se conjugam tudo e todos num
momento único para deflagrar a coisa, seja revolucionária ou evolucionária, de
reforma ou de acomodação. E por essa época aconteceu o lançamento do meu
segundo livro individual, o Às Mãos do Dia, que era para ser uma
coisa puramente pessoal, mas acabou transcendendo o particular e inseriu-se
nessa paisagem do instante que vivíamos: a ditadura militar em todo o seu
reinado e esplendor. Querendo fugir daquelas noites de autógrafos costumeiras,
que achávamos até enfadonhas, decidimos que o lançamento do meu livro seria
diferente. Aí a gente juntaria artes plásticas e música, e lembro do César
Teixeira, do Josias, do Sérgio Habibe, do Jesus Santos, do Ciro, Ambrósio
Amorim, Lobato, Tácito Borralho, tanta gente. E o lançamento aconteceu na Biblioteca
Pública Benedito Leite. Na noite anterior, após tomarmos algumas cervejas, eu,
Viriato, Valdelino e outros ficamos na escadaria da Biblioteca Pública
conversando e só, de sarro, planejando o lançamento, e cada um saía com a idéia
mais louca. Tipo: no lugar de cadeiras para as autoridades íamos colocar vasos
sanitários; colocaríamos uma árvore de natal com ratos pendurados, etc.; íamos
convocar mendigos, loucos, os despossuídos para tomarem as escadarias da
Biblioteca quando as autoridades e convidados fossem chegando. Ah, e no
coquetel no lugar de bebida alcoólica serviríamos leite, mas não em taças e sim
em penicos. Novos, claro. Naquele tempo a autoridade maior dos estados era
sempre o militar mais graduado, no nosso caso o Comandante do 24 BC. Alguém nos
ouviu falar aquelas bobagens e levou a sério. O certo é que o Governador foi
acordado pelo Comandante do 24 BC que lhe ordenou visse do que se tratava pois
algo de muito grave ia acontecer. Fui chamado às pressas no gabinete do
Secretário de Educação (que havia permitido que eu fizesse lá na Biblioteca,
órgão da SEC, o lançamento do livro), à época o saudoso Professor Luís Rêgo, um
homem boníssimo. Quando entrei em seu gabinete levei um susto, pois ao seu lado
estava um Major do Exército. Pálido e trêmulo, ali sentei e o professor Luís
Rêgo passou a me interrogar a cerca do lançamento e do que estava programado.
Neguei tudo. Disse que era mentira. Jamais faríamos uma coisa daquelas e tal.
Despachou-me dali, mas me recomendando prudência, e cuidado com o que ia
acontecer, pois estavam de olho. Pela cara do oficial do exército nem precisava
de me dizer mais nada. Pois, mais tarde enquanto estava na Biblioteca em
companhia do poeta Viriato Gaspar, ultimando os preparativos do lançamento,,
eis que nos aparece um agente da Polícia Federal. E dirigindo-se a mim diz que
estava a minha procura, e porque nada mandara o livro para a Censura, e cadê o
livro e tal e coisa, e nos colocou em sua viatura fomos até onde eu residia,
pegamos um livro, e enquanto eu lia, o motorista nos levou até a sede da
Polícia Federal, naquela época ali na Rua Grande na altura do Ginásio Costa
Rodrigues. Novo interrogatório pelo delegado de plantão. O Viriato saiu-se bem
nas respostas. E quando o delegado quis saber dos mendigos (olha a subversão)
que íamos levar, o Viriato disse que não tinha nada a ver, aquilo era uma peça
de teatro que estávamos escrevendo e tão logo ficasse pronta levaríamos lá no
Serviço de Censura. O certo é que à noite a Biblioteca lotou. Talvez até
curiosos, além de meus convidados, muitas autoridades se fizeram presentes.
Secretário de Educação, o Prefeito Haroldo Tavares, e lá atrás de uma daquelas
colunas reconheci o agente da PF de nome Mateus, esperando que eu saísse da
linha no meu discurso para me grampear. Mas o resultado prático da repressão,
que é o cerne desta pergunta, é que nós, os jovens (falo dos jovens em geral e
não especificamente do nosso grupo), tomamos rumos diferentes: uns foram para o
comodismo da vida privada, outros foram para luta armada, e no meu caso, no
primeiro momento, abandonei tudo e embarquei numa carona com os hippies e
fiquei vagando pelo país uns três a quatro meses, metido no universo da
Contracultura, cujo estímulos vinham da geração beat, e era uma época rica e
enriquecedora, chegávamos ao desregramento de todos os sentidos, na vida e na
arte, aquilo que o poeta Arthur Rimbaud profetizara um século antes. E a nossa
geração foi importante porque abriu caminho pra todos vocês que vieram depois
de nós. É o ciclo da vida, quer reconheçamos ou não. Ele existe. Ele é.
O Maranhão desde Gonçalves Dias deu inicio a
uma tradição literária que continua até os dias atuais, do Romantismo para cá
apresentamos ao país e ao restante do mundo, uma quantidade satisfatória de
grandes literatos, para não citar outros gêneros da arte. A geração da
Antroponáutica que hoje nos parece quase esquecida pelos tais entes da cultura
do Estado, possui um papel relevante, quando o assunto é a renovação dessa
brilhante tradição. Os cinco jovens poetas buscaram espaço devido, sonharam com
as mudanças e ao conseguir colocaram heroicamente seus nomes na história da
arte e da cultura do Maranhão. Tudo isso num período onde a náusea artística
era vista como algo peçonhento e altamente prejudicial ao poder estabelecido.
!!!!!!!!!!!!!!Valeu!
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