10 de fev. de 2016

Síndrome de Michael Douglas





“Não sou homem de meio-dia com orvalhos”
Grande Sertão: Veredas


Casada deseja
Homem bem dotado, educado e sigiloso, para transar
na presença do marido. Ela: 38 anos, 1,66m, 57kg,
92cm de busto, 102cm de quadris; ele, 44 anos, 1,74m.
Realmente casados, com filhos, bom nível cultural, não
fumantes e nem adeptos de drogas, HM e SM. Cartas
somente com fotos. Kika/Celso. Caixa Postal, 38 –
CEP 91.333-022 – Porto Alegre/RS.

            Z.A. guardou o recorte no bolso traseiro da calça. Achara o anúncio em uma revista pornográfica comprada em uma banca de jornais pelo preço de R$ 5,00.
            A revista abria com uma seção de cartas dos leitores. A seguir, notícias sobre sexo, de várias partes do mundo. Uma espécie de caleidoscópio sexual, com tudo o que de mais escatológico e escabroso estava acontecendo por aí: sadomasoquismo, zoofilia, pedofilia, caras que gozavam comendo excrementos, a gorda que gostava de ser enrabada com dupla penetração, uma bicha famosa que levava os homens à loucura com sua chupada em 3D, enfim, classificados onde se podia escolher o que quisesse.
Havia também uma seção de contos eróticos, na verdade experiências sexuais reais e fictícias de leitores. Fotos de nudez e sexo explícito. Uma loura transando com um negro de pau descomunal. Uma mulher chupando o pau de um cavalo e uma magrela sendo chupada e depois enrabada por um cachorro da raça pastor alemão. E por aí afora.
Mais duas páginas dedicadas a fotos de sexo oral e anal, fotos desinibidas de leitoras e leitores. Um artigo pseudocientífico, sobre sexo anal, explicando com riquezas de detalhes como deve ser praticado, como o homem deve proceder, qual o lubrificante mais adequado, a forma de meter, etc., e o artigo termina lembrando a manteiga usada por Marlon Brando no filme O último tango em Paris em sua cena de anal com Maria Schneider.
Nas 4 páginas de classificados, vende-se de tudo em matéria de artefatos e acessórios sexuais. Você podia comprar: bolinhas orientais, tailandesas, pênis com ventosas e algemas metálicas; calcinhas de todos os tipos: em renda, com lacinho e abertura para a vagina; com porta-camisinha, com aromas e sabores de morango, pêssego, uva e maçã; tangas femininas com vibradores; pênis de todos os tipos e tamanhos; cremes, máscaras, chicotes, vaginas de silicone, bonecas infláveis, vibradores digitalizados...
Z.A. endereçou a carta com sua foto para a Caixa Postal de Kika e Celso, pôs no Correio e esperou resposta. Aguardou uma semana e recebeu uma carta com um número de telefone e fotos íntimas de Kika e Celso: ela, de quatro, nuazinha, os pelos crespos e negros de sua vagina aparecendo. Celso posava num nu frontal meia-bomba.
Z.A. discou aquele número de telefone e na terceira chamada a voz de Kika veio doce, rouca, sensual e inquietante.
― Alô?!
― Oi, é a Kika?
― Sim, sou sim e você...
― Eu sou o cara da carta, o Z.A.
― A, certo, você foi aprovado. A gente pode marcar um encontro em um barzinho, eu, você e o meu marido, o que você acha?
― Kika, sabe, na verdade eu fiquei mesmo interessado foi em você.
Mas Z.A. ficara interessado mesmo na bunda de Kika que, para dizer o mínimo, lhe pareceu fenomenal.
― Olha, gato, sinto muito, mas a condição número um é a presença do meu marido. Ele não participa do ato, mas está junto, olhando, se masturbando ― disse Kika, com um risinho malicioso, quase esfregando a língua nas palavras.
Ficaram mais de vinte minutos ao telefone acertando detalhes, parecia um negócio como outro qualquer em que se está comprando ou vendendo algo.
O Celso ia ficar do lado de fora do quarto, um perfeito voyeur que se contentaria em olhar por uma pequena fresta da porta que deixariam entreaberta. E o encontro fora marcado para as 10 horas da manhã de um dia 7 de setembro.
Z.A. foi recebido à porta do apartamento por Celso. Um cara de meia idade, moreno claro, grisalho, simpático até. Apertaram-se as mãos, entraram e sentaram no espaçoso sofá de couro marrom em forma de L, colocado junto a uma das janelas da imensa e bem decorada sala de estar.
Jarros com exuberantes plantas ornamentais, um autêntico Di Cavalcanti com aquela sua modelo predileta, a Marina Montini, uma mulata brasileira capaz de ferver o sangue do capeta, “que bunda!; meu Deus”, pensava Z.A.; estátuas, e uma estante com troféus, máscaras, duendes e um desses incensos rarekrisnianos queimando. Serviram-se de um uísque e logo Kika em pessoa apareceu na sala.
Kika era uma mulher pequena e redonda. Olhar pra ela lembrava um cu. Z.A., enquanto bebia, lembrou-se que estava ali para fodê-la, e ia fazer isso próximo à Igreja do Cristo Redentor, num feriado importante, e como era o dia 7 de setembro, tratava-se de uma justa homenagem ao Dia da Pátria.
Metida em uma calça vermelha justíssima, a bunda pareceu latir e ir ao encontro de Z.A.
Ficaram algum tempo bebendo e falando banalidades, e conversando, conversando, Z.A. dizendo que estava descasado há oito anos, mas estava procurando uma companheira, a velhice estava chegando, e ficava olhando como o traseiro da Kika era apetitoso e prometia muito. Kika retrucava explicando que fazia aquilo por insistência do marido, embora gostasse quando encontrava homens bem dotados, não só gostava como gozava horrores.
Celso tinha desaparecido da sala e Z.A. olhou para ela piscando o olho, Kika lhe sorriu com uma cara bem safada. Caminharam em direção ao quarto já abraçados e beijando-se. Sentados na cama iniciaram uma série de carinhos e amassos, chupadas, dedos e línguas trabalhando a todo vapor, cada vez mais forte e ânsias redobradas. Deitada com as quatro patas para cima, nua, uma barata-aranha descascada, os pelos curtos e negros da vagina, quase não tinha os grandes lábios, aquela vagina parecia mais um segundo cu, enquanto Z.A. executava uma espécie de balé mortal sobre aquela carne trêmula. Sabia que Celso estava vendo tudo e aquilo trazia pra dentro de si uma angústia nova e dilacerada. Quis correr, desejou sair dali, mas a voz de Kika chamou-o de volta àquela sua realidade:
― Tá vendo como sou enxuta, sequinha, não sou vagabunda, viu, não ando dando para qualquer um por aí.
Para Z.A. aquela linguagem de Kika não combinava muito com seu status, com aquela mansão, mas, tudo bem, quando ela gemeu forte e alto Z.A. já havia enterrado seu caralho de 26cm todinho no seu cu, com toda a força de que foi capaz. Um filete de sangue do ânus de Kika escorreu sobre a pica de Z.A. Um odor de merda, secreção vaginal, o suor de Z.A., o perfume de Kika, o cheiro de incenso, tudo isso misturado tinham o poder de uma droga alucinatória. Z.A. caiu de joelho sobre aquela bunda e segurou firme os seios de Kika urrando como um zurro.
Fizeram de tudo o que é possível fazer-se numa cama. Kika falando sem parar, Z.A. começando a angustiar-se sem conseguir gozar. Enquanto isso, Celso estava se acabando com sua própria mão, olhando por uma fresta da porta do quarto, até que esporrou-se todo e jogou-se no sofá da sala, aliviado.
Dentro do quarto acontecia uma tragédia: sem gozar, os dois agora estavam cheios de ódio e mágoa. Z.A. masturbou-a com força e velozmente com os três dedos da mão direita enterrados na boceta de Kika. Os dedos médio e indicador da mão esquerda enfiados no cu da mulher que o mordia no ombro com ferocidade. Não conseguiam chegar ao orgasmo, angústia e o suor aumentavam, temeram-se e odiaram-se e o tempo ficou suspenso, parado, como se fosse um quadro pregado na parede.
Todos os problemas, traumas e sequelas pessoais, as frustrações, as vilanias e as baixezas acontecidas ao longo de uma vida também estavam ali, e a falta de dinheiro dele e a opulência e luxúria dela, idem. O egoísmo de um e a avareza de outro; a cobiça e a inveja, a ira e a preguiça também estavam ali, embora disfarçadas de não-gozo, não-amor, não-vida.
Celso cochilava no sofá da sala. No quarto, Z.A. e Kika curtiam um 69 com fúria. O pau dele estava todo esfolado. Ela tinha marcas de dentes no pescoço, sangrava um pouco, a costa dele lanhada de unhas, a língua de Z.A. era uma serpente sinuosa percorrendo todos os orifícios dela, que de repente começou a gemer e a gozar, a gritar e a gozar, os dedos crispados, os dentes cravados no braço dele, Kika gozou como uma cadela. Z.A., no entanto, não gozara.
Nem viu quando a polícia o levou dali, algemado, em direção à viatura preta e amarela parada rente à calçada, as portas abertas. Também não viu o rosto de Kika após estrangulá-la com as próprias mãos. “Um cara que não goza é um cara que não vive”, foi o que pensou Z.A., caindo em si quando o empurraram pra dentro do carro da polícia, que saiu cantando pneus, sob os aplausos e vaias de uma pequena multidão que se formara, ávida por espetáculos.
Começou a cair uma chuva fininha naquele final de manhã de 7 de setembro. Quinze, vinte minutos depois a rua voltou a sua normalidade. Não se via mais nem um simples curioso por ali.

Pedaço de papel, sujo de sangue, escrito à mão, encontrado pela polícia no bolso de Z.A.: Sexo. Uma pitada de sexo. Talvez uma cena fortíssima. Um cara que tinha quase todos os desvios e taras sexuais. Além de sodomita, adorava que a mulher defecasse e urinasse em seus olhos, boca e ouvidos. Nessas horas gozava que urrava. Um completo animal enlouquecido. Praticava também a zoofilia, e mais de uma vez seviciou meninos e meninas numa faixa de idade entre os cinco e onze anos. A besta sabia que sangue e esperma eram bons. E deu-se por satisfeito com a sua Criação.   

Raimundo Fontenele
Do livro inédito Pedaços de Alberto Caronte (contos)  

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