“Não
sou homem de meio-dia com orvalhos”
Grande
Sertão: Veredas
Casada
deseja
Homem bem
dotado, educado e sigiloso, para transar
na
presença do marido. Ela: 38 anos, 1,66m, 57kg,
92cm de
busto, 102cm de quadris; ele, 44 anos, 1,74m.
Realmente
casados, com filhos, bom nível cultural, não
fumantes e
nem adeptos de drogas, HM e SM. Cartas
somente
com fotos. Kika/Celso. Caixa Postal, 38 –
CEP
91.333-022 – Porto Alegre/RS.
Z.A. guardou o recorte no bolso
traseiro da calça. Achara o anúncio em uma revista pornográfica comprada em uma
banca de jornais pelo preço de R$ 5,00.
A revista abria com uma seção de
cartas dos leitores. A seguir, notícias sobre sexo, de várias partes do mundo.
Uma espécie de caleidoscópio sexual, com tudo o que de mais escatológico e
escabroso estava acontecendo por aí: sadomasoquismo, zoofilia, pedofilia, caras
que gozavam comendo excrementos, a gorda que gostava de ser enrabada com dupla
penetração, uma bicha famosa que levava os homens à loucura com sua chupada em
3D, enfim, classificados onde se podia escolher o que quisesse.
Havia também uma seção de
contos eróticos, na verdade experiências sexuais reais e fictícias de leitores.
Fotos de nudez e sexo explícito. Uma loura transando com um negro de pau
descomunal. Uma mulher chupando o pau de um cavalo e uma magrela sendo chupada
e depois enrabada por um cachorro da raça pastor alemão. E por aí afora.
Mais duas páginas dedicadas
a fotos de sexo oral e anal, fotos desinibidas de leitoras e leitores. Um
artigo pseudocientífico, sobre sexo anal, explicando com riquezas de detalhes
como deve ser praticado, como o homem deve proceder, qual o lubrificante mais
adequado, a forma de meter, etc., e o artigo termina lembrando a manteiga usada
por Marlon Brando no filme O último tango
em Paris em sua cena de anal com Maria Schneider.
Nas 4 páginas de
classificados, vende-se de tudo em matéria de artefatos e acessórios sexuais.
Você podia comprar: bolinhas orientais, tailandesas, pênis com ventosas e
algemas metálicas; calcinhas de todos os tipos: em renda, com lacinho e
abertura para a vagina; com porta-camisinha, com aromas e sabores de morango,
pêssego, uva e maçã; tangas femininas com vibradores; pênis de todos os tipos e
tamanhos; cremes, máscaras, chicotes, vaginas de silicone, bonecas infláveis,
vibradores digitalizados...
Z.A. endereçou a carta com
sua foto para a Caixa Postal de Kika e Celso, pôs no Correio e esperou
resposta. Aguardou uma semana e recebeu uma carta com um número de telefone e
fotos íntimas de Kika e Celso: ela, de quatro, nuazinha, os pelos crespos e
negros de sua vagina aparecendo. Celso posava num nu frontal meia-bomba.
Z.A. discou aquele número
de telefone e na terceira chamada a voz de Kika veio doce, rouca, sensual e
inquietante.
― Alô?!
― Oi, é a Kika?
― Sim, sou sim e você...
― Eu sou o cara da carta, o
Z.A.
― A, certo, você foi
aprovado. A gente pode marcar um encontro em um barzinho, eu, você e o meu
marido, o que você acha?
― Kika, sabe, na verdade eu
fiquei mesmo interessado foi em você.
Mas Z.A. ficara interessado
mesmo na bunda de Kika que, para dizer o mínimo, lhe pareceu fenomenal.
― Olha, gato, sinto muito,
mas a condição número um é a presença do meu marido. Ele não participa do ato,
mas está junto, olhando, se masturbando ― disse Kika, com um risinho malicioso,
quase esfregando a língua nas palavras.
Ficaram mais de vinte
minutos ao telefone acertando detalhes, parecia um negócio como outro qualquer
em que se está comprando ou vendendo algo.
O Celso ia ficar do lado de
fora do quarto, um perfeito voyeur que se contentaria em olhar por uma pequena
fresta da porta que deixariam entreaberta. E o encontro fora marcado para as 10
horas da manhã de um dia 7 de setembro.
Z.A. foi recebido à porta
do apartamento por Celso. Um cara de meia idade, moreno claro, grisalho,
simpático até. Apertaram-se as mãos, entraram e sentaram no espaçoso sofá de
couro marrom em forma de L, colocado junto a uma das janelas da imensa e bem
decorada sala de estar.
Jarros com exuberantes
plantas ornamentais, um autêntico Di Cavalcanti com aquela sua modelo
predileta, a Marina Montini, uma mulata brasileira capaz de ferver o sangue do
capeta, “que bunda!; meu Deus”, pensava Z.A.; estátuas, e uma estante com
troféus, máscaras, duendes e um desses incensos rarekrisnianos queimando.
Serviram-se de um uísque e logo Kika em pessoa apareceu na sala.
Kika era uma mulher pequena
e redonda. Olhar pra ela lembrava um cu. Z.A., enquanto bebia, lembrou-se que
estava ali para fodê-la, e ia fazer isso próximo à Igreja do Cristo Redentor,
num feriado importante, e como era o dia 7 de setembro, tratava-se de uma justa
homenagem ao Dia da Pátria.
Metida em uma calça
vermelha justíssima, a bunda pareceu latir e ir ao encontro de Z.A.
Ficaram algum tempo bebendo
e falando banalidades, e conversando, conversando, Z.A. dizendo que estava
descasado há oito anos, mas estava procurando uma companheira, a velhice estava
chegando, e ficava olhando como o traseiro da Kika era apetitoso e prometia muito.
Kika retrucava explicando que fazia aquilo por insistência do marido, embora
gostasse quando encontrava homens bem dotados, não só gostava como gozava
horrores.
Celso tinha desaparecido da
sala e Z.A. olhou para ela piscando o olho, Kika lhe sorriu com uma cara bem
safada. Caminharam em direção ao quarto já abraçados e beijando-se. Sentados na
cama iniciaram uma série de carinhos e amassos, chupadas, dedos e línguas
trabalhando a todo vapor, cada vez mais forte e ânsias redobradas. Deitada com
as quatro patas para cima, nua, uma barata-aranha descascada, os pelos curtos e
negros da vagina, quase não tinha os grandes lábios, aquela vagina parecia mais
um segundo cu, enquanto Z.A. executava uma espécie de balé mortal sobre aquela
carne trêmula. Sabia que Celso estava vendo tudo e aquilo trazia pra dentro de
si uma angústia nova e dilacerada. Quis correr, desejou sair dali, mas a voz de
Kika chamou-o de volta àquela sua realidade:
― Tá vendo como sou enxuta,
sequinha, não sou vagabunda, viu, não ando dando para qualquer um por aí.
Para Z.A. aquela linguagem
de Kika não combinava muito com seu status, com aquela mansão, mas, tudo bem,
quando ela gemeu forte e alto Z.A. já havia enterrado seu caralho de 26cm
todinho no seu cu, com toda a força de que foi capaz. Um filete de sangue do
ânus de Kika escorreu sobre a pica de Z.A. Um odor de merda, secreção vaginal,
o suor de Z.A., o perfume de Kika, o cheiro de incenso, tudo isso misturado
tinham o poder de uma droga alucinatória. Z.A. caiu de joelho sobre aquela
bunda e segurou firme os seios de Kika urrando como um zurro.
Fizeram de tudo o que é
possível fazer-se numa cama. Kika falando sem parar, Z.A. começando a
angustiar-se sem conseguir gozar. Enquanto isso, Celso estava se acabando com
sua própria mão, olhando por uma fresta da porta do quarto, até que esporrou-se
todo e jogou-se no sofá da sala, aliviado.
Dentro do quarto acontecia
uma tragédia: sem gozar, os dois agora estavam cheios de ódio e mágoa. Z.A.
masturbou-a com força e velozmente com os três dedos da mão direita enterrados
na boceta de Kika. Os dedos médio e indicador da mão esquerda enfiados no cu da
mulher que o mordia no ombro com ferocidade. Não conseguiam chegar ao orgasmo,
angústia e o suor aumentavam, temeram-se e odiaram-se e o tempo ficou suspenso,
parado, como se fosse um quadro pregado na parede.
Todos os problemas, traumas
e sequelas pessoais, as frustrações, as vilanias e as baixezas acontecidas ao
longo de uma vida também estavam ali, e a falta de dinheiro dele e a opulência
e luxúria dela, idem. O egoísmo de um e a avareza de outro; a cobiça e a
inveja, a ira e a preguiça também estavam ali, embora disfarçadas de não-gozo,
não-amor, não-vida.
Celso cochilava no sofá da
sala. No quarto, Z.A. e Kika curtiam um 69 com fúria. O pau dele estava todo
esfolado. Ela tinha marcas de dentes no pescoço, sangrava um pouco, a costa
dele lanhada de unhas, a língua de Z.A. era uma serpente sinuosa percorrendo
todos os orifícios dela, que de repente começou a gemer e a gozar, a gritar e a
gozar, os dedos crispados, os dentes cravados no braço dele, Kika gozou como
uma cadela. Z.A., no entanto, não gozara.
Nem viu quando a polícia o
levou dali, algemado, em direção à viatura preta e amarela parada rente à
calçada, as portas abertas. Também não viu o rosto de Kika após estrangulá-la
com as próprias mãos. “Um cara que não goza é um cara que não vive”, foi o que
pensou Z.A., caindo em si quando o empurraram pra dentro do carro da polícia,
que saiu cantando pneus, sob os aplausos e vaias de uma pequena multidão que se
formara, ávida por espetáculos.
Começou a cair uma chuva
fininha naquele final de manhã de 7 de setembro. Quinze, vinte minutos depois a
rua voltou a sua normalidade. Não se via mais nem um simples curioso por ali.
Pedaço
de papel, sujo de sangue, escrito à mão, encontrado pela polícia no bolso de
Z.A.: Sexo. Uma pitada de sexo. Talvez
uma cena fortíssima. Um cara que tinha quase todos os desvios e taras sexuais.
Além de sodomita, adorava que a mulher defecasse e urinasse em seus olhos, boca
e ouvidos. Nessas horas gozava que urrava. Um completo animal enlouquecido.
Praticava também a zoofilia, e mais de uma vez seviciou meninos e meninas numa
faixa de idade entre os cinco e onze anos. A besta sabia que sangue e esperma
eram bons. E deu-se por satisfeito com a sua Criação.
Raimundo Fontenele
Do livro inédito Pedaços de Alberto Caronte (contos)
Nenhum comentário:
Postar um comentário