14 de abr. de 2016

QUATRO POEMAS DE DESAMOR E UMA CANÇÃO (DES) ESPERADA BY CARLOS SOARES




            Nesta nossa coluna das quartas-feiras vamos hoje de Carlos Soares, um poeta gaúcho de quatro costados. Bagual, maragato, e não um chimango desses que fazem versos de mulherzinha (sem ofendê-las, claro). A poesia do Soares possui essa estranheza que a torna única e original, tanto nos seus contornos metafóricos quanto conteudisticamente falando, ou pensando ou escrevendo. Pois, se é para sermos doidos sejamos doidos por inteiro e não pela metade como o faz a maioria dos homens. É contra o impeachment porque é a favor da democracia petista. É contra a corrupção mas gostaria de ver o Sergio Moro na cadeia. É a favor de que se prenda os ladrões mas quer ver o Lula ministro. De preferência, Ministro da Justiça pra acabar com a Lava Jato. São a favor de Deus mas acendem vela pro Diabo.
Com o poeta Carlos Soares não tem gre-gre pra dizer gregório, não se chama urubu de meu louro e se manda tudo que é vil, vão, nefasto pra PQP e para o lixo da história. O que é nobre e digno permanece. A humildade, a bem-aventurança, a solidariedade permanecem. E a sua poesia que é infinita e ímpar também permanece.
Paráfrase de Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada de Pablo Neruda, os poemas a seguir do poeta Soares, 4 Poemas de Desamor e Uma Canção ( Des) Esperada, é o nosso menu recheado de símbolos e mitos cristãos e humanos:
                                   
1
TARDE

esta tarde escorre pela boca
do homem separado em núpcias e venenos.

tarde-borboleta-de-segunda-feira.
ovo de horas e bacilos.
placa de mudez automotora.
tarde com seus dentes de afiar
no coração do homem separado.

esta tarde escorre pela muita ferocidade
que tem o homem (em cio?),
pela inorgânica fluidez de sua túnica:
sua única lucidez é não chorar.

esta tarde não existe no jornal
nem no café que todos fumam e defloram.
ela está no sangue do homem separado.

com ele caminha feito um verme automático.


2
ECLESIASTES COTIDIANO


o homem abriu um buraco em Deus
e deus entrou dentro do Homem
hoje elEs se confundem
mas nunca se fundem


3
COTIDIANO MUNICIPAL


o prefeito tocava saxofone numa banana
e piscava de meio em meio século

a secretária vestia mini-saia de papel
e coçava o nariz com dinamite

o porteiro ouvia música no revólver de ouvido

o poeta que ali passava
achou melhor não acender seu cigarro siamês


4
CRISTO BIZARRO

(ao catolicismo inoperante)


minha Missão na Terra é só ululo:
quem é que me adivinha a pregação?
cristo de barro que, de pulo em pulo,
não arrasta ninguém na multidão.
pregador irritado, sempre fulo,
mastigo peixes e defeco pão:
minha Mãe fecundada por um Mulo,
foi Virgem, sim, numa outra encarnação.
ninguém me crê: meu povo, convertido,
por profetas de rock e cocaína,
é pilatos, é judas, é o bandido.
meu discípulo fiz essa Menina
que fornicam ali, atrás da Igreja,
que construí quando vendi cerveja.


5
A CANÇÃO (DES) ESPERADA


morrer morrer morrer e ficar vivo
sempre, eternamente vivo, tatuado em flor,
sentir pelos cabelos o nascer de um mundo, 
de uma cidade, de uma planta sem fim, ozônica

viver no transparente, entre o bem e o mal
e não desperdiçar o último beijo nem a 1a. palavra
ou não tornar a ser sobre essas pétalas
o que ninguém sonhou, nem sonha mais 

viver mais que morrer, queimar em cheiros
soprar-se ao vento do hoje-amanhã,
cair na eternidade do pão verde de Deus
da deusa sem cabeça e olhos verdes

morrer mais que viver, aguar os dedos
com pérolas e olfatos e maçãs
e crer que cada dia é erva e luz
                 
viver viver e viver até que a vida me percorra
com seu focinho de lantejoula
e abra na noite um túnel só de giz


 Pesquisa e edição:


Raimundo Fontenele 

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