10 de abr. de 2016

SOUSÂNDRADE, O AUDACIOSO POETA E ANDARILHO

            Mais Sousândrade, o homenageado do mês pelo nosso Blog Literatura Limite. O poeta andarilho, audacioso, inconformado com a sua época, à frente da maioria, abrindo caminhos de poesia e vida, com sua coragem e sofreguidão. Alguns aspectos de sua vida e dois poemas carregados de lirismo e artesanalmente perfeitos é o que vem a seguir:

           




Dados biográficos

Durante a segunda fase romântica, no Brasil, Joaquim de Sousa Andrade ou Sousândrade, como preferia que fosse chamado, despontou como um poeta pouco conhecido entre seus contemporâneos. Segundo Haroldo de Campos, dotado de um estilo irreverente e ousado, o citado autor acentua tal característica por meio, dentre outras coisas, da bizarria de seu próprio nome, que consiste na aglutinação de seu nome de família.
Estudos sobre sua biografia retratam que Sousândrade nasceu na fazenda Nossa Senhora da Vitória, próxima ao rio Pericumã, município de Guimarães, no estado do Maranhão, a nove de julho de 1832, vindo a falecer em São Luiz, a 21 de abril de 1902, levando consigo uma vida repleta de aventuras e de diversas peregrinações por todo o mundo. Filho de José Joaquim de Sousa Andrade e de Maria Bárbara Cardoso, importantes fazendeiros pertencentes à elite nobre de Alcântara, muito precocemente, o poeta e sua irmã Ana ficaram órfãos de pai e mãe, desencadeando a desestrutura familiar e a ruína da fortuna herdada.
Nas palavras de Campos, tais acontecimentos foram explorados anos depois pelo poeta, na obra “O Guesa”, em que é evocada sua infância feliz e exposto todo seu inconformismo provocado pela falência da fazenda Vitória. A estes dados a respeito de sua vida familiar, tais estudos biográficos revelam a fase errante que marcou a vida de Sousândrade. Campos cita viagens deste poeta pela Europa, Amazonas, Estados Unidos e por vários países da América Latina, destacando que,durante sua permanência no país norte-americano, o poeta maranhense trabalhou incansavelmente partes do longo poema “O Guesa”, cujas primeiras datações remontam o ano de 1858.
Dado seu contato com as mais diversificadas culturas, povos e realidades sociais, Sousândrade vivenciou de forma muito próxima as mazelas humanas e sociais. Campos revela que a experiência deste autor com os diversos estilos de vida, característicos de diferentes povos, contribuiu para acender seu fervoroso espírito abolicionista e republicano, o que é comprovado pela sua atuação como um desprendido cidadão e patriota de seu tempo. Lutou com muita veemência pela abolição da escravatura, pela proclamação da República, pela reforma de desenvolvimento da educação, bem como pela moralização dos costumes (in Poeteiro Editor Digital, São Paulo, 2014).


CARMEN

                                            Nons voguions en silence.
                                                                    LAMARTINK
E pois que me ouves, cala
A tanta dor amarga,
Que prende, morde e larga
Nossa alma no deserto.
Aqui, perdido, incerto,
A vida se me exala
Como este mar, que estala
Na proa do escaler:
Mas, como as ondas correm.
Se os dias vão-se e morrem,
Escuta e crê, mulher:
Não choro as lindas luas
Do Rio-de-Janeiro
Nas sombras alvas, nuas
Nos vales e no outeiro...
Oh! como eram suaves
Ali nas espessuras
O doce amor das aves,
A flor das ervas puras,
E o vento os meus cabelos
Volvendo aos vôos belos!
Um dia em Guanabara
Cismando, em meu rochedo,
A noite muito cedo
Em mim se repassara...
Oh! meus amores!... Quando
As luzes cintilando
Vieram do nascente,
Em vão, passasse a gente,
Que a sombra não achara.
Deixei as minhas rosas
E as praias arenosas,
Té hoje por aqui —
E lembram-me essas cousas,
Como alvas mariposas
Voassem dentro em mim.


DESERTO
                                                             
                                                              Na balança de ouro dos destinos o dia
                                                               fatal de Hector pendeu para os infernos,
                                          e Febo-Apolo o abandonou.
                                                                                                 ILÍADA
Se és, ó beija-flor,
O gênio dos lugares
Por onde amei de amor —
Voa aos mimosos ares!

Deus salve! as brisas belas
Somente hoje ficaram,
E as flores amarelas
Que o leito nos formaram:

E as calmas do deserto,
E a triste solidão,
Onde de dor aberto
Sente-se o coração.

Estavam ali as testas
E a voz do meu amor;
Agora as mudas sestas
De um sol desolador.

A alma o pressentia
Quando, na luz brilhante,
A fronte entristecia
Ao doce olhar da amante:

Porque meiga tristeza
Esta no amor profundo,
Na luz da natureza,
No florescer do mundo.

Oh! não desprezes nunca
As ruínas do passado!
— Esta corrente adunca,
Este casal deixado,

Onde o vago rumor,
Onde as saudades choram,
Já o paraíso foram,
Foram o primeiro amor.


Pesquisa e texto final

Raimundo Fontenele

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