Estação Ferroviária - São Luís-Ma |
A
primeira vez que ouvi falar em SOUSÂNDRADE foi de um jeito que usamos para
depreciar, ou para enaltecer, ou para confundir, ou para explicar a coisa, o
homem. “Terminou a vida comendo pedras”.
Aí, a explicação a seguir: dizem que o poeta Joaquim de Sousa Andrade,
um cidadão do mundo, numa de suas voltas ao Maranhão alforriou escravos antes
mesmo da Lei Áurea (nasceu em 1833 e faleceu em 1902), tomou atitudes
totalmente liberais e revolucionárias, numa época em que a escravidão era uma
norma culta. Coisa da “zelite” branca (ah ah ah) da época.
E essas atitudes, de certa forma, o
empobreceram e ele se viu obrigado a vender a sua famosa Quinta da Vitória,
tipo assim, vender pedras para subsistir. Possui o poeta, atualmente, uma rica
fonte de referências, tantas foram as publicações a seu respeito em forma de
livros, artigos, resenhas e críticas. Mas a sua vida pessoal permanece na
sombra, tantos são os buracos, lacunas, e inverdades que se levantam sobre esta
personalidade singular, poeta inventivo, criador de neologismos, inventor de
caminhos poéticos inovadores, como publicar notícias de jornais novaiorquinos
dentro do poema, não é gratuito que tenha sido tão reverenciado por
concretistas e tropicalistas a partir dos anos 60. Era um poeta do romantismo
vivendo o seu tempo neopósconcretotropicalista, “gil engendra em gil rouxinol”
(na canção caetanália).
Contribuições
para uma biografia de Sousândrade II — As errâncias e os pousos do Guesa, de Carlos Torres-Marchal,
um estudioso e apaixonado pela escrita sousandradiana, investiga vida e obra do
poeta Joaquim e aqui registramos o que
escreve e pensa o autor das Contribuições
nomeadas acima:
“A
primeira dificuldade na pesquisa biográfica sobre Joaquim de Souza Andrade é a
existência de homônimos (ou quase homônimos) cujos feitos podem ser confundidos
com os do poeta. Um quase-homônimo que brilha com luz própria é Joaquim Gomes
de Souza, o Souzinha, (1829-1864) brilhante matemático maranhense, que
morou em Paris na mesma época que Sousândrade. Joaquim de Souza é o nome de um
potentado maranhense, cujo sobrado em Alcântara, situava-se próximo ao dos
Andrades, antepassados do poeta. Outro nome que pode ter originado confusões
com Sousândrade, é Joaquim Bento de Souza Andrade, médico cearense, doutorado
na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1858, na mesma época que
Sousândrade lá teria estudado. Foi deputado pelo Ceará e cunhado do escritor
José de Alencar. No Rio de Janeiro também encontramos outro Souza Andrade,
comprovinciano do poeta: trata-se de Aristides Mendo de Souza Andrade, músico
com estudos na Itália. Um obscuro Joaquim de Souza Andrade pode ter contribuído
para dar visos de verdade às estórias de Sousândrade sendo apedrejado e apupado
nas ruas de São Luís pela molecagem.
Um suelto
publicado na imprensa de São Luís relata que “o indivíduo Joaquim de Souza
Andrade... divertia-se armado de um pau, esbordoando a quem se lhe aproximava”,
motivo pelo qual “foi dar com os costados à cadeia”. Talvez trata-se de
Apolinário Joaquim de Sousandrade [sic], preso pela polícia dois anos depois
“por distúrbios”16 Lembramos que estas notícias foram publicadas em datas
próximas ao período em que Sousândrade atuou como Presidente de Intendência de
São Luís, no início da República. Sendo uma personalidade na sociedade
são-luisense, é altamente improvável que o poeta fosse tratado na imprensa como
“o indivíduo Joaquim de Souza Andrade,” motivo pelo qual supomos tratar-se de
um homônimo”.
As viagens
de Sousândrade
O mesmo escritor Carlos
Torres-Marchal relata algumas das viagens de Sousândrade:
“Como
primeiro critério de verossimilhança das informações aqui relatadas, procuramos
a existência de informações independentes que corroborem, mesmo que parcialmente,
os fatos relatados. Alguns destes fatos de apoio incluem a coincidência de
datas (p. ex. a presença já confirmada de Sousândrade em Manaus em 1858), a menção
de atividades literárias, ou da Quinta da Vitória ou mesmo de Alcântara, onde o
poeta teria morado na sua juventude. Também foram utilizadas referências no
corpus sousandradino, que permitem identificar datas ou locais.
Primeira
viagem a Europa (1854 – 1856)
Paris - Séc. XIX |
O roteiro
da viagem de ida já foi registrado numa contribuição anterior: Sousândrade
viajou no vapor l’Avenir, embarcando no Rio em 15 de março de 1854, chegando
em Marselha em 16 de maio, após fazer escala em Bahia, Pernambuco, Gorea,
Tenerife e Lisboa.
O roteiro
de retorno é sugerido no poema Fragmentos do Mar das Harpas Selvagens
(1857): Golfo de Biscaia, Serras de Cintra, Tejo, São Vicente (Cabo Verde),
Rio de Janeiro, Bahia (Salvador), Maranhão (São Luís).
Os jornais
do Rio de Janeiro registram a chegada de Joaquim de Souza Andrade no vapor Tay
no dia 2 de junho de 1856. A viagem originou-se 23 dias antes em
Southampton, no sul da Inglaterra, tendo o Tay feito escalas em Lisboa, Madeira,
Tenerife, São Vicente (Cabo Verde), Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, antes
de continuar para Montevidéu e Buenos Aires. Não foi possível confirmar o porto
de embarque do poeta. Provavelmente embarcou no Tay em Lisboa, após uma travessia
desde Burdeos, o que justificaria a referência ao Golfo de Biscaia, que não seria
atravessado no caso de um embarque em Southampton ou no Havre.
Em junho
de 1856, Sousândrade estava de volta ao Maranhão, como indica a data da sua
carta a Antonio Carvalho, irmão de um amigo do poeta em Paris.
Viagem
a Amazônia (1858)
Manaus |
Sousândrade
registra a sua passagem por Belém, Manaus e Tabatinga (sobre o rio Solimões,
então fronteira com o Peru) nos Cantos I a IV, datados em 1858. O Canto
Terceiro traz a seguinte dedicatória: “Tributo de gratidão ao presidente do Amazonas
Dr. F. J. Furtado”. Trata-se de Francisco José Furtado (1818 – 1870), juiz e político
piauiense. Além de presidente do Amazonas (1857 – 1860), Furtado foi Ministro
da Justiça (1862, 1864 – 1865) e Primeiro-Ministro do Brasil (1864-1865). Morou
na juventude no Maranhão, onde foi presidente da Câmara Municipal de Caxias,
membro da assembleia provincial e deputado à assembleia geral legislativa em
1848.
Além da
dedicatória ao presidente do Amazonas, chama a atenção a seguinte estrofe no
Canto III d’O Guesa:
Nobre
sois. Não lembrastes meus deveres,
E estou
lembrando tudo ao coração ;
Ao meu
posto faltei, pelos lazeres
Do errar
virgiliano da soidão.
que sugere que Sousândrade
trabalhou para o governo do Amazonas.
Esta
suposição é reforçada por um relato anedótico de Godofredo Viana:
“Uma vez, no Amazonas, o então
presidente dessa remota província, onde se encontrava o poeta, convidou-o para
oficial (ou outro emprego equivalente), da Secretaria do Governo. Foi aceito o
convite e lavrada a nomeação. No outro dia, Sousa Andrade apresentou-se à repartição,
já ao fechar do expediente. Deram-lhe, à última hora, uma portaria qualquer a
redigir, a fim de ser assinada na manhã seguinte pelo presidente. Sousa Andrade
fez o que lhe mandaram. O papel, entretanto, ficou em cima de sua mesa.
No dia seguinte, mal aberta a
repartição, corre à sua carteira e faz em pedaços a portaria. Daí foi direto ao
presidente, para lhe solicitar, irrevogavelmente, demissão do cargo. É que, conforme
explicou ao governante, e mais tarde repetia a meu pai, sua mãe, falecida havia
alguns anos, lhe apareceu em sonho e lhe exprobara, com palavras tristes mas
enérgicas, o ter recebido, ele republicano de convicção, um emprego da
monarquia.
Acrescentava meu pai que esse
episódio o poeta o referira veladamente no Guesa.”
Num ofício
da Secretaria do Governo do Estado do Amazonas endereçado ao administrador da
Fazenda provincial, com data de 1º de setembro de 1858, Joaquim de Sousa
Andrade é nomeado “para interinamente servir o lugar de oficial desta Secretaria,
[tendo prestado] juramento e [entrado] hoje em exercício do referido cargo.” O
Secretário do Governo da Província do Amazonas à época, era o maranhense Carlos
Fernando Ribeiro.
Sabemos
também que Sousândrade viajou duas semanas depois, no dia 13 de setembro, para
Tabatinga, voltando no mesmo navio, o que indica que não demorou, nem no
emprego, nem no Solimões. As passagens foram fornecidas pelo Governo da
província, como pode ser visto na transcrição dos ofícios da Secretaria de Governo
para o Agente da Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas. É possível que
a nomeação, em caráter de interinidade, fosse só um artifício para justificar o
pedido de passagens oficiais para Sousândrade até Tabatinga. Poucos dias após o
seu retorno a Manaus, Sousândrade seguiu para Belém, embarcando logo para São
Luís, aonde chegou em 1º de novembro de 1858.”
Uma
vida de idas e vindas, um poeta andarilho que não se adaptava àquela rotina de
burocracia em empregos públicos, isso demonstrado nas suas constantes viagens,
espécies de fuga ou busca de uma vida mais verdadeira e de verdades mais
eternas. Para encerrarmos este post de hoje, apreciemos este relato feito pelo
autor do texto Contribuições para uma biografia
de Sousândrade que apreciamos anteriormente:
“A anedota afirmando que
Sousândrade aglutinou seus sobrenomes para ter o mesmo número de letras (11)
que Shakespeare é muito provavelmente apócrifa. Mesmo assim Sousândrade
reconhece Shakespeare como uma influência fundamental em seu trabalho: o corpus
sousandradino contém citações ou referências a, pelo menos, seis peças de Shakespeare.
Também são apresentados comentários sobre a influência de Shakespeare na
literatura brasileira do século XIX, e comentadas características do estilo
sousandradino possivelmente inspiradas por Shakespeare” (Carlos
Torres-Marchal).
Pesquisa e
texto final
Raimundo
Fontenele
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