31 de mai. de 2016

O POETA MARANHÃO SOBRINHO DÁ ADEUS E VAI-SE EMBORA

       Encerrando hoje a homenagem mensal que prestamos a um grande nome da literatura e das artes maranhenses, voltamos com a parte final do trabalho da escritora, professora e pesquisadora Vanda Maria Sousa Rocha, com graduação em Letras pela Universidade Federal do Maranhão (1993) e mestrado em Ciências da Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2001, sobre a obra do poeta Maranhão Sobrinho, que tem por título A MEMÓRIA NA POESIA DE MARANHÃO SOBRINHOEsse Maranhão Sobrinho que, descobrimos aqui, ser uma espécie de rapaz folgado, como na música de Noel Rosa.            Tipo do boêmio e poeta romântico, entregue ao copo e à paixão incontida pelo verso, apaixonado pela deusa poesia, mas incapaz de ter vivido uma vida linear, certinha, como toda mãe e familiares esperam dos seus entes queridos.
         É como se Maranhão Sobrinho dissesse: “comigo não, violão” e toca-se a perambular entre São Luís, Belém e Manaus, com algumas e esparsas recaídas e visitas à cidade que lhe viu nascer, sua amada cidade de Barra do Corda, com seus rios Mearim e Corda que se cruzam, se misturam, criando águas e fonte onde o poeta Maranhão Sobrinho embriagou-se de inspiração, mas, também, de tédio (RF).

A MEMÓRIA NA POESIA DE MARANHÃO SOBRINHO
Vanda Maria Sousa Rocha
Parte 3: PAPÉIS VELHOS... ROÍDOS PELAS TRAÇAS DA MEMÓRIA (continuação)

No soneto Rosa Morta, tudo acontece: mulher que falece de tristeza, deixa também o mundo mudo, silencioso e a ausência que o poeta sente por essa figura de mulher, que se foi só é confortada pela saudade. A saudade funciona, nesse soneto, como possibilidade de transfiguração do real para a experiência virtual, poética.
Leiamos:
ROSA MORTA
Quando morreu meu bem, só de tristeza,
os ninhos se calaram, pelos galhos;
exhalarm-se os ramos, nas devezas,
e exhalaram-se os lírios dos atalhos...
Seus olhos, que eram humidas turquesas,
no candor eram límpidos orvalhos,
olhos bonitos de enciumar princezas...
olhos bonitos de enciumar serralhos!
Essa tristeza, que, em meus olhos, arde,
é como a que desce das nuvens de oiro desce
sobre os pombaes, e, lágrimas, de tarde!
Saudade, ó doce bem que me confortas!
perfuma para sempre minha prece
às almas brancas das roceiras mortas!

Numa primeira tentativa de ressignificação, Rosa Morta, título do soneto em estudo, sugere a ausência física de alguém muito próxima do poeta. De quem estaria falando? Nomear alguém por rosa, remete, indubitavelmente à uma figura feminina, um tanto singular, pois a intencionalidade poética dos românticos, garante à rosa uma simbologia ligada às imagens associadas ao amor, à morte e ao paraíso, em razão de sua transitoriedade, beleza e perfume.
A sinédoque de um dos sentidos, reiterados na 3ª e 4ª estrofes: Seus olhos/ [...] / olhos bonitos de enciumar princezas.../ olhos bonitos de enciumar serralhos!. A memória de uma civilização otomana distante (serralhos), a metáfora corriqueira dos pombais (pombaes) (o pombo é um signo sempre recorrente na poética de parnasianos e românticos), representando a pureza, a simplicidade, e, por fim, a saudade tratada como ele diz: Saudade, ó doce bem que me confortas!/ perfume sempre a minha prece/ às almas brancas das roceiras mortas! (p.39 – 40).
Maingueneau (2006) nos chama atenção para a importância da intertextualidade. Ela propõe tipologias das quais nos interessam a paratextualidade, a metatextualidade e a arquitextualidade. Ainda, sob a orientação de Maingueneau, a intertextualidade é um intertexto que possui um trânsito textual universal ou nacional, cujo exemplo mais simples é a citação ou referência de um modelo adotado como fonte de inspiração, de escolha. Um exemplo bem eloquente é o poema Canção de Exílio, de Gonçalves Dias, que como se sabe, proveio de Mignon, de Goethe. No caso de Maranhão Sobrinho, em Rosa Morta, os clichês culturais, literários e sociais são flagrantes, a exemplo de: “exhalaram-se os lírios dos atalhos/ humildes turquezas/ olhos bonitos de enciumar serralhos/ sobre os pombaes/ Saudade, ó doce bem que me confortas/ as almas brancas das roseiras mortas!” (p.39 – 40).
Como se observa esse modelo é um corriqueiro exemplo de um rompante agônico-romântico que busca evocar, trazer à tona, a memória de um passado (no caso decadentista, sempre doloroso).
Outro soneto possível de leitura que reflita sobre a saudade guardada pela memória é Evocações, Nele também há recorrência da saudade de um “sol que se esconde” anunciando o crepúsculo, em que todos os elementos da natureza daquele espaço rural, parecem atender ao convite de recolhimento “entre mugidos tristes” e” gemidos” de uma tarde que se esgota, cedendo lugar à noite, para abrigar os ouvidos do “pequenino”, com histórias de um Oriente misterioso e “encantado”, narrado pela voz da “irmã”, detentora de um olhar que parece “sagrado’, próprio de seres superiores, possíveis somente nos sonhos que, potencializados pela saudade do eu - poético, são presentificados pela memória.

EVOCAÇÕES

Saudade! O sol a se esconder. O gado
descendo a serra, longe, entre mugidos
tristes e a voz do corrego anilado
enchendo a tarde branca de gemidos!
Saudade! Eu pequenino. O olhar sagrado
de minha irmã contando aos meus ouvidos
a historia de algum Rei-Moiro encantado
à voz das rôlas dos sertões perdidos...
O velho alpendre à mansa claridade
do luar, como em sonho, despontando
entre as saudosas arvores! Saudade...
À mãe-da-lúa as queixas desfiando
e minha mãe, branquinha de piedade,
diante de altar do Bom Jesus rezando.
Nele, um poeta parnasiano sem qualquer desdouro poderia assinar como autor. Nesse soneto, a saudade entra em cena, a civilização islâmica é solicitada numa intertextualidade de que nos recorda até a luta de cristãos e sarracenos (os significantes rei e moiro são exemplos eloquentes). O campo, a presença da honrada mãe velhinha, o altar, a atuação da irmã e a infância constituem, mais uma vez, o estofo temático para a expansão memorialista, remetendo a cenas de um cotidiano, quase inapreensível, envolto por uma atmosfera nebulosa, crepuscular, em que tudo referencia àquele tempo, escoa pela “claridade do luar/ como um sonho/ entre as saudosas arvores! Saudades... (p. 187 – 188).
Vê-se que o poeta tenta resgatar o que de há de mais significativo em sua vivência. E a cena familiar se constitui tenra lembrança que guardou na memória, daquilo que se constituiu de maior impacto em sua vida, ainda que seja um momento fugaz e que jamais se repetirá: o olhar de minha irmã (...)/ a voz rôlas (...)/ o luar pespontando entre as saudosas arvores! Saudades...
A respeito dessa memória, Bérgson diz tratar-se da memória-fluxo de duração pessoal, que nos faz guardar a lembrança de coisas, fatos, pessoas, lugares cujos significados são importantes para nós, sejam do ponto de vista afetivo ou de nosso conhecimento. A saudade e as reminiscências dolorosas se constituem o leitmotiv dos três sonetos em estudo.
Maranhão Sobrinho diferentemente de Elysio de Carvalho não reprova os badands, fêtards e noceurs, mesmo porque não possuía os recursos econômicofinanceiros como Elysio de Carvalho. O mundo raffiné não foi o tour de force da arte de Maranhão Sobrinho. Até mesmo se apressaria dizer que o modelo ornamental, o isolamento burguês elitista, a mulher Salomé, não passou pelo constructo ficcional do escritor maranhense. O janota cosmopolita inexistiu no autor de Papéis Velhos.
Papéis Velhos, Rosa Morta e Evocações lançam mão de uma porta que explora no paradoxo da enunciação do eu – lírico de Maranhão Sobrinho, o mito memorialista da saudade. Contudo é uma saudade ficcional. É o corolário do alter – ego de Maranhão Sobrinho, na expansão do seu eu – existencial. Outrossim, não nos parece, até aí, ocorrer a originalidade e o gênio que se esperariam de um escritor. Os clichês continuam, aliás, típicos do estilo de época que militou o autor de Papéis Velhos. Neste particular, não é preciso recorrer-se a Durkhein, à Madame de Stäel, a Ratzel. Não. Os condicionamentos de Maranhão Sobrinho nos três sonetos são explícitos e corriqueiros: campo, morte da amada, modelo de mãe, saudade, etc., tudo isso é etiqueta dos três sonetos em análise.
Pedro Nava, José Lins do Rego, Zélia Gatai e outros da atualidade tratam da mesma temática, naturalmente com estilos diferentes, e na filosofia estético-linguística do Pós-Moderno.


CONCLUSÃO

O poeta Maranhão Sobrinho deixa-nos a tríade Papéis Velhos (1908), Estatuetas (1909) e Vitórias-Régias (1911), e inúmeros poemas publicados em revistas da época e em livros, que poderão ser encontrados em São Luís, Belém e Manaus, e uma razão para seus biógrafos e pesquisadores se apressarem em volver o passado de poucos registros, pois ainda é pouco o que se sabe sobre esse poeta, embora alguns estudos nessa direção já estejam ocorrendo no meio acadêmico. Pois, as raras e exíguas informações a seu respeito são, muitas vezes, capitaneadas por populares. Conta-se que o poeta veio para São Luís em 1899, matriculando-se na Escola Normal e passa a perceber uma “pensão” para custear seus estudos.
Aqui, em São Luis, o poeta em tela, passa a se refugiar em bares, cafés, boticas da época, onde costumava escrever suas poesias e ali mesmo as abandonava, o que dificulta os estudiosos a encontrarem todas as poesias por ele deixadas e a ter uma biografia fixa acerca desse autor. A convivência com a alta boemia favoreceu sobremaneira no processo de produção de sua obra, à medida que falavam sobre tudo e, em particular, acerca da literatura francesa, pois recebiam, via marítima, actualités de France, na área da literatura, permitindo, dessa forma, a criação de um mundo próprio, desenvolvendo uma forma muito particular e elegante de dizer sobre as coisas do mundo.
É tateando nessa atmosfera que a presente pesquisa tentou apreender, em algum grau, nuance de descontentamento de Maranhão Sobrinho com o mundo capitalista, vasculhando o passado, a memória poeirenta e indefinida de uma existência potencializada pela poesia.
Discutir marcas de reminiscências deixadas por Maranhão Sobrinho em seus sonetos Papéis Velho, Rosa Morta e Evocações implica numa discussão voltada para outras questões que extrapolam a natureza do estético, matéria apropriada para futuras pesquisas, pois, somente dessa forma, conseguiremos descortinar o passado desse emblemático homem: Maranhão Sobrinho.


Pesquisa e texto final:


Raimundo Fontenele


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