Encerrando
hoje a homenagem mensal que prestamos a um grande nome da literatura e das
artes maranhenses, voltamos com a parte final do trabalho da escritora,
professora e pesquisadora Vanda Maria Sousa Rocha,
com graduação em Letras pela Universidade Federal do Maranhão
(1993) e mestrado em Ciências da Literatura pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro (2001, sobre a obra do poeta Maranhão Sobrinho, que tem por título A MEMÓRIA NA POESIA DE MARANHÃO SOBRINHO. Esse Maranhão Sobrinho que, descobrimos aqui, ser uma espécie de rapaz folgado, como na música de Noel
Rosa. Tipo do boêmio e poeta romântico, entregue ao copo e à paixão incontida
pelo verso, apaixonado pela deusa poesia, mas incapaz de ter vivido uma vida
linear, certinha, como toda mãe e familiares esperam dos seus entes queridos.
É como se Maranhão Sobrinho dissesse:
“comigo não, violão” e toca-se a perambular entre São Luís, Belém e Manaus, com
algumas e esparsas recaídas e visitas à cidade que lhe viu nascer, sua amada
cidade de Barra do Corda, com seus rios Mearim e Corda que se cruzam, se
misturam, criando águas e fonte onde o poeta Maranhão Sobrinho embriagou-se de
inspiração, mas, também, de tédio (RF).
A MEMÓRIA NA POESIA DE MARANHÃO SOBRINHO
Vanda Maria Sousa Rocha
Parte 3: PAPÉIS VELHOS... ROÍDOS PELAS
TRAÇAS DA MEMÓRIA (continuação)
No
soneto Rosa Morta, tudo acontece: mulher que falece de tristeza, deixa também o
mundo mudo, silencioso e a ausência que o poeta sente por essa figura de
mulher, que se foi só é confortada pela saudade. A saudade funciona, nesse soneto,
como possibilidade de transfiguração do real para a experiência virtual,
poética.
Leiamos:
ROSA MORTA
Quando
morreu meu bem, só de tristeza,
os ninhos
se calaram, pelos galhos;
exhalarm-se
os ramos, nas devezas,
e
exhalaram-se os lírios dos atalhos...
Seus olhos,
que eram humidas turquesas,
no candor
eram límpidos orvalhos,
olhos
bonitos de enciumar princezas...
olhos
bonitos de enciumar serralhos!
Essa
tristeza, que, em meus olhos, arde,
é como a
que desce das nuvens de oiro desce
sobre os
pombaes, e, lágrimas, de tarde!
Saudade, ó
doce bem que me confortas!
perfuma
para sempre minha prece
às almas
brancas das roceiras mortas!
Numa
primeira tentativa de ressignificação, Rosa Morta, título do soneto em estudo,
sugere a ausência física de alguém muito próxima do poeta. De quem estaria falando?
Nomear alguém por rosa, remete, indubitavelmente à uma figura feminina, um tanto
singular, pois a intencionalidade poética dos românticos, garante à rosa uma simbologia
ligada às imagens associadas ao amor, à morte e ao paraíso, em razão de sua transitoriedade,
beleza e perfume.
A
sinédoque de um dos sentidos, reiterados na 3ª e 4ª estrofes: Seus olhos/ [...]
/ olhos bonitos de enciumar princezas.../ olhos bonitos de enciumar serralhos!.
A memória de uma civilização otomana distante (serralhos), a metáfora
corriqueira dos pombais (pombaes) (o pombo é um signo sempre recorrente
na poética de parnasianos e românticos), representando a pureza, a
simplicidade, e, por fim, a saudade tratada como ele diz: Saudade, ó doce
bem que me confortas!/ perfume sempre a minha prece/ às almas brancas das
roceiras mortas! (p.39 – 40).
Maingueneau
(2006) nos chama atenção para a importância da intertextualidade. Ela propõe
tipologias das quais nos interessam a paratextualidade, a metatextualidade e a
arquitextualidade. Ainda, sob a orientação de Maingueneau, a intertextualidade
é um intertexto que possui um trânsito textual universal ou nacional, cujo
exemplo mais simples é a citação ou referência de um modelo adotado como fonte de
inspiração, de escolha. Um exemplo bem eloquente é o poema Canção de Exílio, de
Gonçalves Dias, que como se sabe, proveio de Mignon, de Goethe. No caso
de Maranhão Sobrinho, em Rosa Morta, os clichês culturais, literários e sociais
são flagrantes, a exemplo de: “exhalaram-se os lírios dos atalhos/ humildes
turquezas/ olhos bonitos de enciumar serralhos/ sobre os pombaes/ Saudade, ó
doce bem que me confortas/ as almas brancas das roseiras mortas!” (p.39 –
40).
Como
se observa esse modelo é um corriqueiro exemplo de um rompante agônico-romântico
que busca evocar, trazer à tona, a memória de um passado (no caso decadentista,
sempre doloroso).
Outro
soneto possível de leitura que reflita sobre a saudade guardada pela memória é Evocações,
Nele também há recorrência da saudade de um “sol que se esconde” anunciando
o crepúsculo, em que todos os elementos da natureza daquele espaço rural,
parecem atender ao convite de recolhimento “entre mugidos tristes” e” gemidos”
de uma tarde que se esgota, cedendo lugar à noite, para abrigar os ouvidos
do “pequenino”, com histórias de um Oriente misterioso e “encantado”,
narrado pela voz da “irmã”, detentora de um olhar que parece “sagrado’, próprio
de seres superiores, possíveis somente nos sonhos que, potencializados pela
saudade do eu - poético, são presentificados pela memória.
EVOCAÇÕES
Saudade! O
sol a se esconder. O gado
descendo a
serra, longe, entre mugidos
tristes e a voz do corrego anilado
enchendo a
tarde branca de gemidos!
Saudade!
Eu pequenino. O olhar sagrado
de minha
irmã contando aos meus ouvidos
a historia
de algum Rei-Moiro encantado
à voz das rôlas dos sertões
perdidos...
O velho
alpendre à mansa claridade
do luar,
como em sonho, despontando
entre as
saudosas arvores! Saudade...
À
mãe-da-lúa as queixas desfiando
e minha
mãe, branquinha de piedade,
diante de altar do Bom Jesus
rezando.
Nele, um
poeta parnasiano sem qualquer desdouro poderia assinar como autor. Nesse
soneto, a saudade entra em cena, a civilização islâmica é solicitada numa intertextualidade
de que nos recorda até a luta de cristãos e sarracenos (os significantes rei e
moiro são exemplos eloquentes). O campo, a presença da honrada mãe velhinha, o altar,
a atuação da irmã e a infância constituem, mais uma vez, o estofo temático para
a expansão memorialista, remetendo a cenas de um cotidiano, quase
inapreensível, envolto por uma atmosfera nebulosa, crepuscular, em que tudo
referencia àquele tempo, escoa pela “claridade do luar/ como um sonho/ entre
as saudosas arvores! Saudades... (p. 187 – 188).
Vê-se
que o poeta tenta resgatar o que de há de mais significativo em sua vivência. E
a cena familiar se constitui tenra lembrança que guardou na memória, daquilo que
se constituiu de maior impacto em sua vida, ainda que seja um momento fugaz e
que jamais se repetirá: o olhar de minha irmã (...)/ a voz rôlas (...)/ o
luar pespontando entre as saudosas arvores! Saudades...
A
respeito dessa memória, Bérgson diz tratar-se da memória-fluxo de duração pessoal,
que nos faz guardar a lembrança de coisas, fatos, pessoas, lugares cujos significados
são importantes para nós, sejam do ponto de vista afetivo ou de nosso conhecimento.
A saudade e as reminiscências dolorosas se constituem o leitmotiv dos três
sonetos em estudo.
Maranhão
Sobrinho diferentemente de Elysio de Carvalho não reprova os badands,
fêtards e noceurs, mesmo porque não possuía os recursos
econômicofinanceiros como Elysio de Carvalho. O mundo raffiné não foi o tour
de force da arte de Maranhão Sobrinho. Até mesmo se apressaria dizer que o
modelo ornamental, o isolamento burguês elitista, a mulher Salomé, não passou
pelo constructo ficcional do escritor maranhense. O janota cosmopolita
inexistiu no autor de Papéis Velhos.
Papéis
Velhos,
Rosa Morta e Evocações lançam mão de uma porta que explora no
paradoxo da enunciação do eu – lírico de Maranhão Sobrinho, o mito memorialista
da saudade. Contudo é uma saudade ficcional. É o corolário do alter – ego de
Maranhão Sobrinho, na expansão do seu eu – existencial. Outrossim, não nos
parece, até aí, ocorrer a originalidade e o gênio que se esperariam de um
escritor. Os clichês continuam, aliás, típicos do estilo de época que militou o
autor de Papéis Velhos. Neste particular, não é preciso recorrer-se a Durkhein,
à Madame de Stäel, a Ratzel. Não. Os condicionamentos de Maranhão
Sobrinho nos três sonetos são explícitos e corriqueiros: campo, morte da amada,
modelo de mãe, saudade, etc., tudo isso é etiqueta dos três sonetos em análise.
Pedro
Nava, José Lins do Rego, Zélia Gatai e outros da atualidade tratam da mesma
temática, naturalmente com estilos diferentes, e na filosofia
estético-linguística do Pós-Moderno.
CONCLUSÃO
O
poeta Maranhão Sobrinho deixa-nos a tríade Papéis Velhos (1908), Estatuetas
(1909) e Vitórias-Régias (1911), e inúmeros poemas publicados em revistas da época
e em livros, que poderão ser encontrados em São Luís, Belém e Manaus, e uma razão
para seus biógrafos e pesquisadores se apressarem em volver o passado de poucos
registros, pois ainda é pouco o que se sabe sobre esse poeta, embora alguns
estudos nessa direção já estejam ocorrendo no meio acadêmico. Pois, as raras e
exíguas informações a seu respeito são, muitas vezes, capitaneadas por
populares. Conta-se que o poeta veio para São Luís em 1899, matriculando-se na
Escola Normal e passa a perceber uma “pensão” para custear seus estudos.
Aqui,
em São Luis, o poeta em tela, passa a se refugiar em bares, cafés, boticas da
época, onde costumava escrever suas poesias e ali mesmo as abandonava, o que
dificulta os estudiosos a encontrarem todas as poesias por ele deixadas e a ter
uma biografia fixa acerca desse autor. A convivência com a alta boemia
favoreceu sobremaneira no processo de produção de sua obra, à medida que
falavam sobre tudo e, em particular, acerca da literatura francesa, pois recebiam,
via marítima, actualités de France, na área da literatura, permitindo,
dessa forma, a criação de um mundo próprio, desenvolvendo uma forma muito
particular e elegante de dizer sobre as coisas do mundo.
É
tateando nessa atmosfera que a presente pesquisa tentou apreender, em algum
grau, nuance de descontentamento de Maranhão Sobrinho com o mundo capitalista,
vasculhando o passado, a memória poeirenta e indefinida de uma existência potencializada
pela poesia.
Discutir
marcas de reminiscências deixadas por Maranhão Sobrinho em seus sonetos Papéis
Velho, Rosa Morta e Evocações implica numa discussão voltada para outras
questões que extrapolam a natureza do estético, matéria apropriada para futuras
pesquisas, pois, somente dessa forma, conseguiremos descortinar o passado desse
emblemático homem: Maranhão Sobrinho.
Pesquisa
e texto final:
Raimundo
Fontenele
Nenhum comentário:
Postar um comentário