Naquela
tarde de quinta feira nuvens carregadas pairavam o céu do meu bairro, não
demorou muito até que alguns curtos filetes de água caíssem do céu. Acomodei-me
embaixo do teto de ferro da parada de ônibus, naquele instante uma reflexão saltou
entre meus neurônios, já havia uns quinze anos que frequentava aquela parada de
ônibus e juntando com o período onde andava sempre acompanhado de minha mãe, lá
se iam mais uns sete. O ambiente dos coletivos sempre representou uma espécie
de reduto democrático imposto, com regras definidas inclusive, os idosos, grávidas
e deficientes com cadeiras reservadas, na ausência de alguns desse grupo
qualquer pessoa pode sentar nas cadeiras, mesmo sendo negro, branco,
pardo, clérigo, ateu, agnóstico, católicos ou afins. Com o passar dos anos o trânsito
da cidade de São Luís vem crescendo numa ascendente caótica preocupante, haja
vista a cidade não ter sido planejada em geral, como também não foram às vias
para automóveis. Algo que sempre me chamou atenção, era que enquanto nos horários de
pico algumas dezenas de pessoas se espremiam dentro dos coletivos, do lado de
fora se podia ver uma quantidade enorme de carros muito das vezes carregando
somente uma ou duas pessoas, o contraste entre essas duas situações demonstra tacitamente a trágica distância entre a realidade das classes sociais de São Luís e de outras
capitais espalhadas por esse mundão de meu deus.
Ao
descer a Praça Deodoro exalava um ar abafado, tudo por conta do choque entre a
quentura da manhã e a chuva fina que caia nas pedras de mármore da Praça. Enquanto
isso os vendedores de guarda-chuvas e de “sombrinhas” corriam de um lado para o
outro abordando os transeuntes que eram vomitados para fora dos ônibus lotados.
Coloquei o livro por dentro da camisa e comprei um churros que logo estava levemente molhado, na subida da escadaria de entrada da Biblioteca um
deficiente visual fitou-me fortemente com seus olhos esbranquiçados enquanto
erguia em minha direção sua vasilha de alumínio com algumas poucas moedas. Adentrei
rapidamente a Biblioteca, mas aquela imagem do deficiente permaneceu em minha
mente retornando de vez em quando.
Lá
dentro depois de entregar o livro, sentei em uma das mesas circulares no salão
e comecei a olhar com parcimônia todo aquele ambiente, imaginei quantos
escritores de nossa grande tradição literária por lá estiveram desde a inauguração
do prédio construído em estilo neoclássico no dia 12 de Setembro de 1951. Dias
antes havia lido um artigo que tratava do genial trabalho de pesquisa realizado
por Jomar Moraes e o professor americano Frederick Granger Williams sobre a grande obra
de Sousândrade. Parte da obra do escritor havia ficado por anos esquecida nos
arquivos da Biblioteca desde seu falecimento em 21 de Abril de 1902. Por volta
de meados da década de setenta, o professor Frederick Granger Williams
encontrou alguns poemas publicados por Sousândrade em jornais dos Estados
Unidos, referente ao período que o poeta esteve morando no país. Logo em
seguida viajou ao Maranhão e juntamente com o escritor Jomar Moraes que a época
era o diretor da Biblioteca realizou um grande trabalho de resgate da obra
desse grande poeta do romantismo.
Já
se passavam das 18h:00 da tarde, dali a alguns minutos a Biblioteca seria
fechada e esvaziada totalmente, somente as câmeras de segurança ficariam
vistoriando as dependências durante a noite, meu plano estava prestes a ser
colocado em prática. Resolvi sair um pouco e ver como estava a noite lá fora na
Praça, ao sair o mesmo cego de horas antes me fez uma pergunta assustando-me,
num canto escuro do primeiro degrau da escada ele disse:
-
Rapaz, nem sempre a curiosidade é nossa amiga, sabia!
Olhei
de lado ele estava tateando as moedas no chão como se estivesse contando os valores
das mesmas, então lhe indaguei:
-
Até onde eu sei a curiosidade é mãe do progresso da humanidade.
Mais
uma vez ele fitou-me com aqueles olhos de medusa, e disparou.
Garoto
essa curiosidade a que se refere é exatamente aquela curiosidade saudável. A
mesma que acompanhou Galileu, Newton e Einstein. Sabe meu rapaz a juventude costuma
nos trair nesses períodos iniciais de nossas vidas.
-
Você me fala isso em nome de sua experiência própria?
Por
favor, sente-se rapaz vou te contar uma breve história sobre coisas que existem e
sempre existirão, mas fatos alheios a nós fazem com que essas tais coisas passem
despercebidas e intocadas por muito e muito tempo.
Sentei
do lado daquele cego desconhecido, que mais parecia um farrapo humano, e
comecei a ouvi-lo com bastante atenção, ele cheirava a fumo, segundo meu olfato
era fumo da marca caipora, meu pai
durante muitos anos foi adepto desse fumo.
Continua...
Por Natan Castro
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