INVENÇÕES: A ÁGUA
arrimo
das águas primeiras
(mas
turvas)
escrevo
versos que invento líquidos
na
tarde clara de um setembro triste
é
assim a tarde trabalhada na madeira
a
noite exasperada de sobrancelhas espessas
e
o dia findo findo
agora
que das águas
depende
o rumo do mar e do amor
que
correm junto aos juncos e aos junquilhos
águas
do Mearim
águas
do Guaíba
águas
de ti e de mim
no
meu coração marinho
a
vida toda é gelo
meu
coração inverno ao inverso
líquido
bate
surdo
gemido na sala
la
luma sobre o crepúsculo
alarde
a
tarde ainda morde
arde
na veia o sol líquido das muralhas
a
esquina do mundo em que se ancoram carrascos
la
luna pintada em seu rosto
Jocasta
e mãe do seu Édipo em delírio
lá
fora são as formas fundas
os
escombros do ser nas luminárias
o
neon da palavra
a
metrópole longínqua e seus raios
olho
do mundo cego
orvalho
de várzea
não
houvesse o poema não houvesse verso
não
tivesse a poesia gosto úmido de mujique russo:
o
Rasputin olhado noutro espelho
o
Dylan Thomas de cristal e esporas
sobre
o cavalo-lesma ferido e vazado
junho
é todos os meses
os
cantares mais primevos
testemunham
esta desolação de corpo inteiro
medido
e dobrado
cuspido
e colado ao verbo que o nutre
para
ti me abstenho
e
a ti me algemo mais que a um segredo:
faça-se
a luz e a luz não foi feita
foi
inventada
invente-se
também a treva da espessura das águas
e
os quadrúpedes com seus holofotes
faça-se
a vida e a vida não foi feita
perdeu-se
junto
com velhos trastes que eu usava
e
fez-se também a morte
do
mesmo amargo da mágoa
Raimundo
Fontenele
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