22 de abr. de 2017

A POESIA QUE CARREGO

            A coluna QUARTA FEIRA É DIA DE RF do nosso blog LITERATURA LIMITE (WWW.literaturalimite.com.br) pela segunda vez consecutiva deixou de ser publicada na quarta feira por motivos alheios a nossa vontade. Chegamos com atraso, é verdade, mas chegamos.
            E para aqueles estudiosos, poetas, admiradores desta forma literária que é a poesia, tão sucinta e abrangente, tão clara e hermética a um só tempo, trazemos novos poemas, escritos no calor e na fúria destes dias enigmáticos.  Nesta etapa da vida, em que perto dos setenta anos (que completarei em 2018, se vivo for), a gente ainda se permite umas derrapadas na vida e no coração.
            Gemer de amor e de sofreguidão por saber que a vida nunca estará completa, por sentir que alguma coisa essencial que acariciamos no momento seguinte nos escapa das mãos, por entre os dedos, e nos deixa assim, insaciados, dispostos a empreender novas buscas, procuras, e abrir, em meio a um cipoal de emoções e na densa floresta do viver, um novo caminho.
            Vamos lá!

                                   TRISTESSE

a poesia enlouquece.
cava nos dentes rombos de palavras.
percebe na relva os orifícios da dor,
por isso escrevo o proscrito,
o que não é amor,
o que geme sozinho.
a poesia o amor o proscrito,
a dor os orifícios os dentes:
percebo na relva
que quem geme sozinho
perdeu-se pelo amor
de uma mulher.


PAROLAS

As lágrimas amam o amado
e por isso choram.
Sozinhas. Diluviais. Medonhas.
São elas os destroços da fala
e estão caladas
mas se movem mudas na sala.
Estranhas, sofrem as texturas
do trêmulo tato.
                                As lágrimas e as nuvens não sabem.


SÁBADO

A febre. O sopro de vida
em fitar horizontes.
Dela, o perfume. Cato
o lume longínquo,
obliquamente inverso
à ordem dos espelhos.
Neles seus seios nunca
vistos, duas pombas em voo
me visitam. Boca, e não bicos,
beijo-a sofregamente.
À tarde, quase enlouqueço
a esperar seus zelos.


                                AMACORD

sem rumo passos me levam
aonde cantar a Musa
a que tanto amo
escondido
proibido amar nesse inverno
o vento o tempo me tiraram tudo
até seus lábios
até suas mãos
até toda ela
o que tenho hoje é o coração na chuva
o peito descompassado
batendo por ela
do nada do sonho ela veio a mim
mas eram só lembranças

  
I WANT YOU

anoitece amanhece
arrumo desarrumo planos.
essa é a viagem que faço
à procura dela. meu sonho
liberto, no mar que navego.
o porto a porta. o poeta é um
triste elo, luvas em mãos
trêmulas no frio desse inverno.
cerveja e rum, talvez bêbado
de amor nos olhos daquela.
e quando? amanhã sob a luz
do luar quieto, só, na penumbra
onde deito, com olhos abertos
vislumbro seu corpo, belo animal
humano: te quero, te quiero.



Raimundo Fontenele

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