A coluna QUARTA
FEIRA É DIA DE RF do nosso blog LITERATURA LIMITE (WWW.literaturalimite.com.br) traz nesta data o poema de minha autoria PARAÍSO, penúltimo
poema do livro O TROGLODITA, Editora Alcance, Porto Alegre, RS, 2012. Trata-se
de um poema-blague, gênero cultivado por dois grandes nomes da infância poético-modernista
da literatura brasileira.
O motivo do poema é variado. Um
deles é a posse da alma humana por parte das mais diversas religiões. Todas se
acham a única verdadeira. Por isso imaginei um paraíso onde todos têm direito
de estar. E outro motivo é fazer uma espécie de painel da cultura pop e
erudita, dos mitos e signos, das crenças e personagens surreais que habitam o
imaginário coletivo do brasileiro médio, comum. E no meio disto tudo colocar
alguns motivos de reflexão sobre este país que se encontra numa encruzilhada,
como a própria humanidade, ameaçada pela ignorância, a imbecilidade, a má fé, e
mesmo o descompromisso pelo vida humana por parte dos senhores que se julgam
supremos, como esse tal de ministreco Gilmar Mendes. (RF)
PARAÍSO
Uma
terra de leite e mel.
Todos
os filhos de Deus, de Alá,
de
Jeová, do Senhor, do Altíssimo,
os
aiatolás e os homens-bomba,
e
todos os terroristas do deserto;
os
líbios, os da Faixa de Gaza,
os
filhos do Iraque e de Bin Laden,
os
carniceiros de Hitler e os cristãos
queimando
corpos vivos.
Um
prado coberto de flores.
Todos
os traficantes de drogas,
de
armas e de mulheres nuas do planeta;
os
posseiros matadores de índios
e
os “coronéis” matadores de posseiros;
todos
os mafiosos da terra: máfia russa,
a
cosa nostra, a siciliana, a camorra,
as
máfias japonesa e sino-coreana e o PCC,
a
Yakusa e o Pastor Jim Jones e seus seguidores;
todos
os fornecedores de agrotóxicos,
todos os filhos
da puta da Política e da Moda.
Há
um pote de ouro reluzente no final do arco-íris.
E
os caçadores de animais selvagens;
e
os pederastas;
e
as madames;
e
os infiéis,
e
nosotros:
masturbadores
e argentinos;
maconheiros
e puxadores de carro;
paraguaios
e ladrões de gado;
e você, e
aqueles, e eu mesmo.
Ouviste,
Abraão? Tua descendência será tão numerosa
quanto
as estrelas do céu e a areia do deserto.
E
assim nasceraq, Saddam e os sodomitas;
Rasputin
e o Barba-Roxa;
os
devassos de Roma e as fofoqueiras;
os
mentirosos, o Macaco Tião,
o
Gamga Zumba e o Toni Tornado,
a peste
bubônica e os arruaceiros.
Ouviremos
extasiados os cânticos
de
Salomão e os salmos de Davi.
E
o vozerio dos pregadores evangélicos,
os
berros, as mentiras e as promessas vãs
das
autoridades, das nulidades
e
dos militantes partidários.
O
“eia, Silver!”, o Fantasma que anda,
os
sinos da Glória:
Dr.
Silvana, Testemunhas de Jeová,
o
Papa Doc e o Baby Doc,
o
Satânico Dr. No e a Úrsula Andress,
ouvirem os a
todos num rumor de sacristias.
Seria
Deus aquele vulto ali
pintando
um céu aqui?
Porém,
não era. Eram os novos ricos
da
corte brasileira, o trem-fantasma,
o
navio negreiro;
a
suave aflição na tarde calma
e
o suado pavor na noite morna;
um
quarto sem janela, aonde, de repente,
entravas
tu e ela:
Jane Fonda
vestida de Barbarella.
Há
um silêncio pousado
sobre
o silêncio do átomo.
E
festa pra criançada
que,
bem, hoje é domingo,
e
aqui um paraíso.
Mas
não há céu sem o Gato Félix,
O
Bolinha, a Luluzinha;
Nem
céu sem ave-marias
E
dona Hermínia por perto.
Brigadeiros
e boca fechada
que a festa do
céu é o silêncio.
Tem
o céu da nossa infância,
de
Lúcifer com seu tridente
castigando
todo mundo,
o
vilão e o inocente.
E
das histórias em quadrinhos
salta
o Roy Rogers e mais gente
o
Corisco, o Lampião e até Antônio das Mortes
surgiu
dos filmes de Glauber,
ambos mortos,
de repente.
Nosso
céu tem mais estrelas.
Tem
mais tudo: Zé e Zecas:
o
Ramalho e o Baleiro e o Zeca Pagodinho;
tem
as estrelas da TV, as mesmas do sabonete,
tem
murro em ponta de faca,
tem
o céu dos alfinetes;
Gonzagão
e o I-Juca Pirama
do
eterno Gonçalves Dias.
Tem
o êxtase dos poetas
e a luz de uma
estrela guia.
Nossos
bosques têm mais flores.
ó
Paraíso encantado!
Permitam
que o Freddy Krueger
tome
um assento ao seu lado,
de
São Pedro ou São Benedito,
meu
Deus, que céu esquisito!,
tem
cowboys pra todo lado
dando
tiro: é bomba, míssil,
foguete e o
diabo a quatro.
Nossas
flores têm mais vida.
Fellini,
quantos achados
nesta
nossa doce vida:
a
fonte dos namorados
e
o prazer da água pura;
um
filme dos Mastersons
e
um clovisbornay alado.
Asas,
ele tinha,
quando foi pro
seu quadrado.
Sei
que também irei um dia
Pra
esse céu de poesia.
Nuvem
com nuvem brilhando
e
o paraíso encontrando
feito
um céu de alegorias.
Joãozinho
Trinta na frente
porque
hoje é carnaval.
Vestido
de Chupa Cabra,
quem
será aquele ente
chapado e
passando mal?
Mendigos
de New York,
garotos
da Cinelândia,
índio
queimado em Brasília,
detritos
do Rio Ganges,
a
vida se multiplica
neste
paraíso com fritas
e
miniaturas gigantes.
E
os párias e os pobres diabos,
que
se arrastam no mundo inteiro,
ganharão
o céu primeiro,
um céu de lata
e suplícios.
O
Cacique Raoni e o Caboclo Mamadô;
os
Fradinhos do Henfil,
valei-me,
nosso senhor,
amanhã
irei pra longe,
pra
outro céu, num outro dia,
em
que não sangre demais.
eia,
natureza humana:
os
anjos à frente
e o diabo
atrás.
Não
há perdas. Só lamentos
em
forma de canções. É passado.
Vozes
de pássaros que trinam.
Vozes
de humanos que gemem.
Vozes
de Milton Nascimento
em
quase todo, até na voz do poema.
Voz
da Costa,
voz
da Elis Regina,
voz
da Dalva de Oliveira,
voz
da vovó Clementina,
do
João Bosco, nas esquinas,
e de
Pixinguinha no céu.
Céu
pra mim, céu pra nós todos.
Céu
pra ti, e para os loucos,
os
que não sabem falar;
o
seu Zé, dona Maria,
tia
Aleide, dona Benta,
esses
daqui, os de lá.
Seu
Zezé, padre Manoel...
Ah,
quem me dera voltar
após
um século, sem nunca
haver saído do
lugar.
Era
isso. Picasso e outros mais.
Os
que sabiam pintar. Nervosos.
O
angustiado Van Gogh, o Paul Gauguin.
No
escuro, a luz acende a calma.
No
escuro, quem sabe, eu pinto a alma
sedenta,
no escuro, sedenta.
Era
isso. Picasso, alguns imortais
e
outras almas sedentas
pintadas
no escuro, quem sabe,
talvez a luz do
céu se abra mais.
Um
céu de mulçumanos me esperava
naquele
paraíso de mulheres.
Altas
e belas, baixas e concretas:
Sofia
Loren, a bela Elizabeth,
as
Anas e as Lúcias, e a divinal Janete;
a
Jane do Tarzan, a rainha Cleópatra.
Nefertiti,
Dona Beija e a Vênus de Milo;
e
entre coros angelicais e ao som da Lira,
as
esposas e as amantes, as fiéis
e
as inconstantes; a dona Doida
e,
num rompante, irrompe nesse céu
a Isolda de
Tristão e as Bacantes.
Nossa
vida mais amores.
E
as que não tive agora estão aqui.
Marília
de Dirceu e Ana Amélia,
a
Íris de seus olhos e as filhas de Caim;
uma
reles dançarina de cabaré barato,
as
moças do Chacrinha e as do Sargentelli,
Adele Fátima e Adele H,
a
Fátima Boa Viagem e até a Vaca Estrela
brilhavam
nesse céu dos orixás;
Sabrinas,
Valentinas, Iaras, Iemanjás.
Que
céu profundo, que noite sem segredos
nos
permite o amor. E, ao amar,
o
homem se permite errar e perdoar.
O
perdão pra Judas Iscariotes?
O
perdão para quem matar?
Que
céu esquisito
e
que paraíso longínquo!
Mas
no portão, lá dentro, dentro está escrito:
“Dá
licença, Vinicius? Posso entrar?”
Nenhum comentário:
Postar um comentário