O Portal TORDESILHAS e o blog
LITERATURA LIMITE (www.literaturalimite.blogspot.com.br)
fazem a sua maneira uma singela homenagem aos 408 anos de existência dessa Ilha
do Amor, Cidade dos Azulejos, Capital do Reggae, e, por fim, Ilha Rebelde.
Aproveito
para vender o meu peixe, que não é serra nem pedra, iguarias que o nosso
paladar não esquece, quando com limão e a famosa farinha de carema. Meu peixe é
o livro A República dos Apicuns (Crônicas Ludovicenses), a sair no próximo ano,
de onde retirei os dois capítulos dessas minhas memórias vividas com e em São
Luís.
BONDES, TARDES E GAROTAS
(mas
antes teve o Seminário de Santo Antônio)
São
várias as formas e maneiras de se homenagear uma cidade. Igual a uma mulher amada, podemos fazê-lo com
música, canção, poesia, crônica, carta, e até uma declaração ao pé do ouvido.
No caso da cidade, uma declaração aos quatro ventos ou aos seus quatro pontos
cardeais. E também pode ser falando dela e sobre ela para seus amigos.
Quando eu cheguei pela primeira vez em
São Luís ela ia fazer 350 anos de fundação e descoberta. Um francês de nome
Daniel de La Touche, Senhor de La Ravardiere, chegou primeiro. Eu só cheguei em
1962.
Que destino, o meu! Vim do interior
numa carroceria de caminhão que me deixou justamente na Praça Gonçalves Dias. Eram
seis da tarde e os sinos dobravam na torre da Igreja de Nossa Senhora dos
Remédios. Aquela hora, às vezes,
tristonha e silenciosa, quando se tem 13 anos e se separa dos pais para
viver num colégio interno.
Dali da praça fui ter numa hospedagem
na Rua Sete de Setembro, do “seu” Tezinho Santos, cidadão colinense, pai de dois
filhos: o Aurélio e um outro que criaria fama e deitaria na cama, com todo
justo louvor, o Turíbio Santos, esse grande músico erudito maranhense que
ganharia os palcos mais seletos da
Europa culta e de todo o mundo civilizado, enfim.
São Luís sem a ponte José Sarney, mas
com seus barcos que nos levava até o São Francisco, onde só havia casebres e
choupanas, pescadores e lavadeiras, e a Praia da Ponta d´Areia.
Os bondes pela cidade, o bonde da Rua
do Passeio, até o Cemitério do Gavião, o da Praça Gonçalves Dias e Igreja dos
Remédios, onde me casaria no início dos anos 70, passava no Canto da Viração e
seguia a Rua Rio Branco até seu destino final, e o bonde que seguia até o
Filipinho. O da Rua Grande que dava a volta e seguia pela Rua Afonso Pena.
Essa São Luís que não existe hoje, mas
que vive intacta na lembrança dos que a conheceram, no coração dos amantes
daquela época, na mente dos poetas que a cantaram então, ainda a cantam e no
futuro mais remoto, a cantarão, cantarão, cantarão...
No Seminário de Santo Antônio na Praça
Antônio Lobo, próximo à Escola Modelo, conheci a primeira fruta mais exótica,
antes do Açaí: tinha um pé de Abricó no quintal do Seminário, e havia também
uma fonte de água límpida onde nós, seminaristas, tomávamos nosso banho após o
jogo de futebol e os exercícios físicos, isso por volta das cinco horas da
tarde. A fonte que serpenteia o subterrâneo da cidade, fazendo história, a
Fonte do Ribeirão e a Fonte do Bispo.
E desta cidade não me afastei nunca.
Mesmo agora, numa distância de cinco mil quilômetros, aqui em Porto Alegre, é
essa São Luís que faz meu coração parecer um bumbo noturno, um tambor de
crioula batucando notas da mais sôfrega e pura saudade de outras delícias que a
cidade oferecia.
As lindas garotas distribuídas naquele
quadrilátero da Praça da Biblioteca: as do Liceu Maranhense com suas saias
azuis e blusas brancas; as do Colégio Rosa Castro, de saias cinzas e blusas
brancas; as do Colégio Ateneu, com suas saias marrons e blusas brancas, e as
meninas que subiam a Rua Rio Branco vindo do Colégio São Luís, com saias azuis
e blusas amarelas. Amores e cores, que
presentes poderiam haver mais belos que esses que nos eram ofertados por essa
mágica e querida cidade de São Luís, com seus azulejos e mirantes?
1967
FOI UM ANO BOM
O ano era o de 1967. Minha segunda
chegada a São Luís, a segunda descoberta, a segunda e quase interminável
temporada que ajudou na minha formação de jovem e poeta. E militante estudantil
de esquerda. E que me jogou, depois, nos braços do movimento hippie.
Mas vamos por partes, tipo Jack, o
Estripador. O ano de 1962, que passei em São Luís, passei-o confinado, como interno,
no Seminário de Santo Antônio. Pouco
conheci da cidade, a Rua José Bonifácio, uma casa próxima à Beira Mar onde passei
alguns domingos.
Nós, estudantes do interior, tínhamos
as madrinhas, senhoras beneficentes que apoiavam o Seminário de diversas
maneiras, e uma delas era receber seminaristas em suas residências, dar-lhes um
pouco de afeto e carinho, até mesmo amor, em alguns casos, para compensar a
solidão e falta que nos fazia a casa paterna.
Lembro que fomos num passeio conhecer
Alcântara. De barco. Enfrentando aquelas ondas altas e o mar bravio e nessa
travessia muito de nós sucumbiu ao enjoo, e numa expressão usual quase botamos
“as tripas pela boca”. Eu fui um deles.
Uma cidade fantasma. Assim me pareceu
Alcântara naquele longínquo ano de 1962.
Os prédios em ruínas, as ruas calçadas de pedras com o mato rasteiro com
seu verde dando um pouco de vida àquilo que parecia uma natureza morta.
Lá, nessa época, e num desses prédios
de arquitetura colonial portuguesa, um dos quais fora construído para abrigar a
comitiva durante visita do Imperador que, segundo a lenda, não chegou a
efetivar-se, funcionava o presídio estadual. Para lá eram mandados os
indivíduos para cumprir pena por alguma condenação.
Passados tantos anos, guardo vivamente
na memória a figura de um negrão, era assim que chamávamos um cara de pele
escura, o tal afro-descendente do politicamente correto, sim, um negro forte,
grande, barba por fazer, mal encarado. Seu crime: assassinara a própria mãe com
uma mão de pilão. E é apenas isso que guardo daquele passeio, o vômito no barco
e o matricida na cadeia. E claro, a paisagem, os prédios em ruínas, poucas e
raras figuras humanas. Gente simples. Humilde. Pobre. Esquecida.
No fim daquele 1962 os padres que
dirigiam o Seminário de Santo Antônio resolveram me desligar do mesmo,
achavam-me rebelde, brincalhão, sem verdadeiro espírito de seminarista. Fui assim
devolvido à Diocese de Caxias que me enviou em 1963 para o Seminário da
Prainha, em Fortaleza, mas aí é outra história, e nada tem de ludovicense nela.
Então voltemos ao ano de 1967. Cheguei
em São Luís com o apoio do Padre Manoel da Penha Oliveira e do Deputado
Estadual Luís Rocha. Falo em apoio porque eu era um jovem sem nenhum recurso
material, meus pais não tinham condições de custear meus estudos. Eu havia
trabalhado nas campanhas políticas do Padre Manoel para prefeito de São
Domingos, e ajudado também na campanha do Luís Rocha, e assim eles viabilizaram
esta minha nova estadia em São Luís.
Janeiro de 1967 voltei pra sentir
aquele cheio de mar e maresia que era uma marca registrada da Ilha. Fiquei um
mês e tal hospedado na casa do Luís Rocha, uma casinha de dois pisos na Vila
Iná Rego, lembro do DER ali perto, o Canto da Fabril, território motense, o
Estádio Nhozinho Santos e aí em seguida fui morar na Casa do Estudante, mas a
gente chamava mesmo era de UMES. Na Rua
do Passeio. Lá pras bandas do Cemitério do Gavião.
UMES e seus entornos. Vila Bessa.
Belira. Lira. Madre Deus. Goiabal.
Nesses bairros, nos fins de semana em companhia de dois amigos, o
Pestana e o Davilson, a gente saía procurando as famosas festinhas e as
garotas. Renato e seus Blue Caps. E os sucessos “Não te esquecerei”, “Menina
linda”, “Ana”, “Não quero ver você chorar”, “Dona do meu coração”. Quase sempre
versões das músicas do Beatles. Wanderley Cardoso atacava de “Bom rapaz” e
“Doce de coco”; Jerry Adriani tinha “Querida”, “És meu amor”, “Quem não quer”.
E o chefe da patota, Roberto Carlos e seu parceiro Erasmo Carlos, a ternurinha
Wanderléia.
E tome Rum Montilla com Coca-cola.
Muita agarração, muito chamego, beijos e tal, mas ninguém passava do limite,
não tinha esse negócio de pílula anticoncepcional disseminada geral e como
dizia a música do Roberto “casamento, enfim, não é papo pra mim”.
Era o segundo ano de mandato do
Governador José Sarney. Um dos governadores mais jovens do Brasil. Pertencera
ao grupo chamado Bossa Nova da antiga UDN. Militares no poder, Sarney aderiu e
passou-se para a ARENA.
Justiça seja feita. Naquela época o
Maranhão vivia momentos políticos de grande euforia e transformação.
Pensávamos, e até certo ponto, que estávamos enterrando o passado junto com a
prática vitorinista de governar.
Sarney chamara jovens entusiastas e
competentes para a administração pública. Reinaldo Tavares. Haroldo Tavares. E
outros. E uma cabeça pensante, o poeta Bandeira Tribuzi.
Na educação o Dr. José Maria Cabral
Marques, que visitara a Alemanha e o Japão, trouxe ideias, projetos, planos que
foram sendo implantados ao longo daquele vitorioso primeiro ano da era Sarney:
Projeto Bandeirantes, escolas de nível médio, profissionalizantes; Projeto João
de Barro, educação de jovens (fora da faixa etária escolar) e adultos. E,
então, o mais revolucionário deles: a TV Educativa, talvez a primeira,
seguramente umas das pioneiras em todo o território nacional.
Depois, bem, depois é depois do qual
falarei depois. Mas em 1967 ninguém poderia imaginar que José Sarney iria
implantar uma nova era de caciquismo político, apoderar-se, enfim, da máquina
pública para satisfazer projetos pessoais e satisfação de grupos que lhe eram
fiéis, deixando o Estado após tantos anos numa situação de penúltimo lugar nos
indicadores sociais.
Quanto a mim, morava na UMES, tinha um
emprego de Assistente Administrativo na Secretaria de Educação, à época
instalada no terceiro andar do Edifício BEM, prédio pertencente ao Bando do
Estado do Maranhão, na Rua Tarquínio Lopes, a mesma do Cine Roxy, da Assembléia
Legislativa, e do inesquecível Colégio Santa Tereza, reduto de meninas, as mais
belas e ricas, e, portanto, mais desejadas, mas inacessíveis para um jovem
pobretão como eu. Contentava-me em admirá-las, desejá-las... Estudava, à noite,
a terceira série ginasial no Liceu Maranhense, depois chamado Colégio Estadual
do Maranhão. Tinha 19 anos, me arrastara
nos estudos, mas estava ali, esperando mesmo o quê? Nem eu sabia.
Mas, de fato, 1967 foi um ano bom.
Texto
final:
Raimundo
Fontenele