15 de set. de 2016

CRÔNICAS DO PUCUMÃ

A coluna QUARTA É DIA DE RF do nosso blog Literatura Limite (literaturalimite.blogspot.com.br) traz um novo episódio das CRÔNICAS DO PUCUMÃ, uma série de postagens para todos que se interessam pela leitura, pela história e pelo conhecimento, em forma de crônicas, relatos e entrevistas acerca dos acontecimentos que se relacionam com a História do Município de São Domingos do Maranhão, conhecido, principalmente desde o seu descobrimento até a década de 60, como São Domingos do Zé Feio. Nesta quarta-feira, os anos de 1955 a 1993 encerram esta série sobre os carnavais de antigamente e na próxima semana aqui estaremos para trazer algumas das mais renhidas e famosas lutas ou campanhas políticas por mim assistidas ou vivenciadas.


CARNAVAL DE 1955
Socorro Brandão: Mas, em compensação, Fontenele, o Carnaval de 1955 voltou e foi um pouco mais animado, mas não pode se dizer que tenha sido um carnaval inesquecível, o que veio ocorrer em 1956, este sim um carnaval superanimado e organizado, e como se diz atualmente chegou arrebentando a boca do balão e teve, entre outras atrações, o famoso e saudoso bloco cognominado de A TURMA DO FUNIL, que ficou por vários anos na memória daqueles que viveram aquele instante carnavalesco na nossa querida São Domingos do Zé Feio.


CARNAVAL DE 1956
Fontenele: Então falemos sobre o Carnaval de 1956, que segundo nossa entrevistada, Socorro Brandão, podemos dizer que foi o mais animado, alegre e organizado de São Domingos até então, agora cidade-sede de Município, não mais uma vila, um distrito, um simples povoado, e isso certamente nos enchia a todos de orgulho.
Socorro Brandão: O Carnaval de 1956 foi um carnaval muito bonito. O grande bloco, que fez enorme sucesso, era o A Turma do Funil, cujo nome foi inspirado na marchinha carnavalesca que foi tocada e cantada no Brasil de norte a sul, cuja letra é mais ou menos assim: "Chegou a Turma do Funil / todo muito bebe mais ninguém dorme no ponto / ai ai ai ninguém dorme no ponto / nós é que bebemos e eles que ficam tontos / Eu bebo sem compromisso / com meu dinheiro ninguém tem nada com isso / aonde houver garrafa, aonde houver barril / presente está a Turma do Funil".
Fontenele: E a fantasia, Socorro, tu lembras como era?
Socorro Brandão: A fantasia era uma que lembrava e homenageava os históricos personagens dos carnavais antigos como o Pierrô e a Colombina. Todos os componentes do Bloco usavam um chapéu em forma de funil. O modelo da roupa era: calça comprida com elástico nas pernas e na cintura, de cor preta enfeitada de vermelho, assim também como as camisas que também tinha mangas compridas; e as mulheres trajadas de colombinas, traziam uma bolinha de lã vermelha no alto desse chapéu em forma de funil.
Muito bonito esse bloco, chamou bastante a atenção da nossa cidade, e esse foi o bloco de rua que saiu durante os três dias de carnaval, pulando na rua, e entrando em várias casas onde lhes eram servidas bebidas e comida, que ninguém é de ferro.
Fontenele: Muito bem, Socorro, beleza de bloco, e o que mais te recordas?
Socorro Brandão: Continuando as reminiscências sobre o Carnaval de 1956, convém esclarecer que o bloco A Turma do Funil era composto por rapazes e moças da cidade. Homens casados e senhoras dele não participavam. Mesmo porque as mulheres estavam muito longe de desfrutarem a liberdade e independência que conquistaram através dos anos até os nossos dias. Os homens, estes sim, saíam em blocos que chamávamos de blocos de sujo, cada um vestia-se como queria.
Fontenele: Lembro que meu pai sempre passava a mão num vestido de minha mãe e saía com esse bloco de sujo...
Socorro Brandão? Então, Fontenele, esse bloco também era só alegria, todo mundo animado, bebendo e pulando sem parar.  O senhor Raimundo Almeida puxava esse bloco com sua infalível cuíca, seguido pelos senhores Mário Brandão, Chico Marica, Belchior, o Toinho do Zuza, pai do nosso amigo Antonio Carlos, senhor Francisco Mariano e outros e que davam sua contribuição para os festejos e a alegria momesca.
Fontenele: Socorro e quem animava esses bailes? Tinha orquestra ou que tipo de som foi usado durante esse carnaval de 1956?
Socorro Brandão: Os principais responsáveis e organizadores desse bloco A Turma do Funil, naquele distante ano de 1956, foram o Adroaldo e a Iolanda Almeida, respectivamente, sobrinho e filha do sr. Raimundo Almeida. Eles mandaram um portador, de animal, contratar e trazer um sanfoneiro da localidade de São Francisco, um lugar que pertencia ao município de São Domingos e hoje pertence ao município de Graça Aranha. Esse era um grande e famoso sanfoneiro chamado Valdir. Ele ficou os três dias de festa comendo e dormindo na casa do senhor Raimundo Almeida, cuja casa tinha um salão assoalhado, bem grande, onde se realizavam as festas noturnas e também os vesperais para a criançada. A casa é esta onde hoje funciona o comércio do François. E o pagamento ao sanfoneiro foi feito pelas famílias que contribuíam cada uma com determinada importância suficiente para o pagamento dos três dias que o músico tocara. Como já falamos anteriormente, convém registrar que o saudoso Bloco A Turma do Funil que saía normalmente à tarde pelas ruas da cidade entrava nas residências daquelas pessoas em melhores condições financeiras, onde era recebido com muita alegria e animação, comida e bebida amplamente fartas e esse foi o inesquecível Carnaval de 1956 em São Domingos do Maranhão.

CARNAVAL DE 1957
Fontenele: E agora vamos para o carnaval de 1957, né Socorro?
Socorro Brandão: Exato, Fontenele.No carnaval de 1957 teve o Bloco do Toreiro, com uma fantasia muito bonita. Era preta com uns galões amarelos nos ombros e uma manta igual a que os verdadeiros toureiros usam.
Fontenele: Esse pano vermelho que os toureiros usam chama-se Capote, e é usado para atiçar o touro...
Socorro Brandão: Essa fantasia foi ideia do Múcio, filho do senhor Raimundo Almeida, que já era um rapazinho e estudava em Floriano e chegando aqui deu essa sugestão que foi prontamente aceita. E assim transcorreu mais um animado carnaval, com blocos de rua e os bailes dançantes, neste anos todos sempre realizados na residência do senhor Raimundo Almeida.


1960: PRIMEIRA ESCOLA DE SAMBA
Então esses foram os carnavais e seus famosos blocos que fizeram a alegria de tantos foliões, muitos dos quais já não estão entre nós, muitos ainda vivem para confirmar essas histórias que são um resgate do passado,  dedicado também a estas gerações mais jovens que não alcançaram este tempo. E aos que ainda nem nasceram mas poderão, através deste relato, conhecer a história de sua terra e de seus habitantes, como viveram, o que fizeram e realizaram por amor a São Domingos.
Às vezes pensamos que estamos fazendo algo novo, mas um escritor e poeta inglês, William Shakespeare, sentenciou que “não há nada de novo sob o sol”, mas até esta sua frase não é nova porque esse pensamento ele encontrou em dos livros da sabedoria bíblica, o Eclesiastes. Então quando se fizer uma escola de samba em São Domingos e alguém achar que é a primeira, isto é um engano, pois a Primeira Escola de Samba desta cidade foi criada em 1960 e, portanto, acompanhemos o relato de nossa grande memorialista Socorro Brandão:
Socorro Brandão: É a pura verdade, Fontenele. Em 1960 um grupo entusiasmado resolveu criar uma escola de samba. Posso citar o Zé Elias, irmão da professora Maria Sílvia, do Anselmo, seu irmão mais novo, e também irmão do Miguel, do Messias, e outros que também participaram dessa prazerosa tarefa como o Nilton Mariano, o Jodison, o Rui. Lembro que essa fantasia era nas cores preta com amarela e uma fitinhas de todas as cores nas mangas das camisas, realmente era uma fantasia muito bonita e vistosa.
Fontenele: Então nesse tempo já haviam outros instrumentos musicais ou era só o sanfoneiro?
Socorro Brandão: Sim, poucos, mas tinha. O tamborim, o reco-reco, os tambores que eram feitos de couro de bode, eram esquentados no fogo e no dia seguinte estavam todos com uma bela sonoridade.
Fontenele: E o carnaval de 1961?
Socorro Brandão: Foi também um carnaval famoso. Esse bloco foi enfrentado pelo Múcio, grande folião, ele estudava por essa época em São Luís, mas nas férias passava aqui e organizava festas e mais festas, não só de carnaval. Nessa época tinha a Francisquinha Leite, filha do senhor Manuel Ferreiro, que morava na Rua de Colinas, a atual Rua Major Delfino Calvo. Essa já era outra turma, eu já nem participava mais pois estava casada nesse tempo, mas era muito bonito esse bloco carnavalesco, lembro dessa fantasia toda vermelha, de cetim.
Fontenele: Então casaste muito cedo, né, Socorro?
Socorro Brandão: É, casei em 1959. Mas realmente era muito bonita essa fantasia, composta também por uns chapéus assim tipo militar. Inclusive, essa fantasia foi copiada da página de moda da antiga e extinta revista O Cruzeiro.
Fontenele: Socorro, me permite fazer uma interrupção nessa tua extensa e proveitosa narrativa para registrar aqui a importância da revista O Cruzeiro durante vários e vários anos. Era a grande fonte jornalística que unia todo o território brasileiro com suas notícias nacionais e internacionais,bem como informações, sobre moda, cinema, música, humor, em síntese ocupava a mesma importância e espaço que o Jornal Nacional viria a ocupar, anos depois, no seio da família brasileira.  E agora, Socorro, o que temos?
Socorro Brandão: Fontenele, vamos pular agora para 1965, ano em que eu resolvi, com a colaboração de diversas pessoas, organizar o primeiro Bloco Infantil de Carnaval em São Domingos do Maranhão.. Os bailes deste bloco eram realizados, na parte da tarde, no salão da Cooperativa Agrícola Mista. Fizemos também uma espécie de Concurso de Fantasias onde escolhemos: a fantasia mais bonita, a mais luxuosa e a mais original, portanto em três categorias e ainda  quem dançava melhor e outras atrações, inclusive com premiações, que tornaram aquele carnaval inesquecível, principalmente para as crianças que dele participaram.
Fontenele: Então a gente está vendo que estes antigos carnavais marcaram época, deixando muitas lembranças e muitas saudades. Vale ressaltar que a participação da comunidade, nesse tempo uma sociedade pequena mas muita unida, foi muito importante para fazer dos antigos carnavais festas de alegria e muito brilho. Vamos em frente, Socorro?
Socorro Brandão: Agora em 1966 teve um carnaval na Cooperativa, com Blocos de Rua. Seu Horácio Cazé comandou a Turma dos Sapateiros, um pessoal mais humilde que seu Horácio dava apoio e ajuda. Houve um pequeno incidente, e o certo é que alguns sapateiros foram barrados na entrada de um baile da Cooperativa. Então seu Horácio Cazé juntamente com minha mãe organizaram um bloco carnavalesco com a participação dos sapateiros, contrataram uma orquestra e fizeram seus bailes num salão do FUNRURAL, atualmente sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais.
Fontenele:  Eita São Domingos que tem história, não, Socorro?
Socorro Brandão: Então vamos em frente. Já em 1972 o carnaval foi realizado onde hoje é o atual Clube 31 de Janeiro. Aconteceu o seguinte: algumas figuras imponentes da cidade se reuniram e resolveram fundar um Clube Social, tendo sido eleitor o senhor José Maria Soares. Estes senhores se cotizaram e construíram a sede do Clube no Alto da Cruz, inclusive coberto de palha, sendo chamado por isso de Palhoça. E este foi também um carnaval muito bom e muito animado. Passemos agora para 1983. Neste ano a Terezinha Nogueira tinha chegado aqui em São Domingos vindo de São Paulo e organizou um Bloco Infantil e esses blocos infantis sempre tiveram o apoio do senhor Francisco Mariano, mais conhecido como Chico Marreteiro, que era presidente da União Operária e cedia o salão da entidade para a realização desses bailes infantis. Convêm ressaltar a participação na organização de todos esses carnavais, quer dizer, a partir dos anos sessenta, do senhor Francisco Mariano. Ele com sua animação contagiante, sua alegria verdadeira e seu amor pela nossa cidade, se dedicava inteiramente a essas festas de Momo.
Fontenele: É, me lembro dele, houve uma época que ia muito em sua casa, ele tinha um comércio muito sortido e localizava-se na Rua de Colinas ou Major Delfino Calvo, tanto faz, antes da ladeira... O Antônio, filho dele, era meu amigo de escola.
Socorro Brandão: Então foi mais ou menos de 1966 a 1972 que o seu Chico Marreteiro organizou, animou e realizou grandes bailes de carnaval na sede da União Operária, um carnaval dirigido às classes mais pobres e humildes, um contraponto às festas realizadas no Clube 31 de Janeiro. Em 1983 eu iniciei aqui um Bloco apenas com pandeiro, e fizeram parte desse bloco: Bimbim, Zenon, os irmãos Rogério e Geovane, Erisvan, Roosevelt, Alex, Juarez Júnior, Izídio, Delma, Simone, Marrom, Rejane, Maria do Miguel Narciso, Mirene, Marilac e mais tarde chegou a Dra. Eliane que também fez parte desse bloco, e a Vânia. Então fomos organizando e eu fui escolhida Presidente desse bloco que se chamava Unidos do Samba...
Fontenele: Pelo jeito estava mais para uma Escola de Samba, hein, Socorro?
Socorro Brandão: Sim, era mais pra Escola de Samba mesmo e eu fiquei sendo presidente durante dez anos...
Fontenele: E foi aí que apareceu porta-bandeira?
Socorro Brandão: E olha aqui o que nós fizemos: arrecadamos dinheiro e compramos vários instrumentos. Dois treme-terra, duas “retintas” ou repeniques, dois recos-recos, quatro tamborins, um chocalho, um tarol, um triângulo, um atabaque, uma cuíca e um pandeiro.
Fontenele: Pôxa!, bastante instrumento, né, Socorro, considerando que naqueles tempos as coisas eram mais difíceis...
Socorro Brandão: Ora! Foi um dos carnavais mais bem organizados , tendo chamado bastante atenção das pessoas que assistiam satisfeitas. Além disso, decoramos várias ruas da cidade com motivos carnavalescos, uma novidade na época, o certo é que ficou muito bonito e marcou positivamente a história dos carnavais em São Domingos. Foi neste carnaval que também copiamos o modelo das fantasias de Mestre-Sala e Porta-Bandeira de uma revista, neste caso da revista Manchete, e introduzimos esses personagens na nossa Escola Unidos do Samba.
Fontenele: É como se diz, Socorro, quem não tem cão caça com gato, não tinha mais a revista O Cruzeiro, mas tinha a Manchete... Desculpa a interrupção.
Socorro Brandão: Tinha também a Bandeira da Escola que foi conduzida pela Porta-Bandeira. Enfim, foi um carnaval com grande presença de jovens estudantes que vieram de São Luís e Teresina para fazerem deste carnaval um dos mais animados e brilhantes da nossa história. Então nos anos seguintes esse Bloco ou Escola continuou saindo, e as festas eram realizadas lá no Clube 31 de Janeiro, que a esta altura já havia sido construído. Um prédio de alvenaria e agora coberto de telha. Estas festas se realizaram até o ano de 1993, que também foi um ano de Carnaval muito animado. O Bimbim já possuía o seu carro de som que ia na frente tocando e animando os foliões. Foi uma festa grandiosa em comemoração aos dez anos da nossa Escola ou Bloco Unidos do Samba. Teve carnaval de rua o dia todo, isso nos três principais dias de carnaval. Inclusive trouxemos de São Luís um rapaz chamado Peixinho e ele veio com a finalidade única de ensinar o pessoal do bloco a tocar todos esses instrumentos.
Fontenele: Pois é, Socorro, estamos finalizando hoje esta série de entrevistas que tu tão generosamente nos concedeste: a mim, ao Programa Na Boca do Povo, à Rádio Comunitária e principalmente ao nosso querido e estimado povo são-dominguense, razão maior desse nosso trabalho e a quem o mesmo é dedicado. Muito obrigado pela tua contribuição a esta quadra festiva da nossa história. Depois, agora, os tempos são outros, tudo mudou, evoluiu, é diferente. Uma banda de forró na Praça do Farol e está feito o carreto, e como dizia meu avô: em terra de sapo de cócoras com ele.
Socorro Brandão. De nada, Fontenele. Foi um prazer conversar contigo todos estes dias aqui na nossa Rádio Comunitária FM e dar a minha modesta colaboração a esse teu trabalho.

             

Raimundo Fontenele.

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