A coluna QUARTA É
DIA DE RF do nosso blog Literatura Limite (literaturalimite.blogspot.com.br) traz
um novo episódio das CRÔNICAS DO PUCUMÃ, uma série de postagens para todos que
se interessam pela leitura, pela história e pelo conhecimento, em forma de
crônicas, relatos e entrevistas acerca dos acontecimentos que se relacionam com
a História do Município de São Domingos do Maranhão, conhecido, principalmente
desde o seu descobrimento até a década de 60, como São Domingos do Zé Feio.
Nesta quarta-feira, os anos de 1955 a 1993 encerram esta série sobre os
carnavais de antigamente e na próxima semana aqui estaremos para trazer algumas
das mais renhidas e famosas lutas ou campanhas políticas por mim assistidas ou
vivenciadas.
CARNAVAL DE 1955
Socorro
Brandão: Mas, em compensação, Fontenele, o Carnaval de 1955 voltou e foi um
pouco mais animado, mas não pode se dizer que tenha sido um carnaval
inesquecível, o que veio ocorrer em 1956, este sim um carnaval superanimado e
organizado, e como se diz atualmente chegou arrebentando a boca do balão e
teve, entre outras atrações, o famoso e saudoso bloco cognominado de A TURMA DO
FUNIL, que ficou por vários anos na memória daqueles que viveram aquele
instante carnavalesco na nossa querida São Domingos do Zé Feio.
CARNAVAL DE 1956
Fontenele: Então falemos sobre o Carnaval de 1956, que segundo nossa
entrevistada, Socorro Brandão, podemos dizer que foi o mais animado, alegre e
organizado de São Domingos até então, agora cidade-sede de Município, não mais
uma vila, um distrito, um simples povoado, e isso certamente nos enchia a todos
de orgulho.
Socorro Brandão: O Carnaval de 1956 foi um carnaval
muito bonito. O grande bloco, que fez enorme sucesso, era o A Turma do Funil,
cujo nome foi inspirado na marchinha carnavalesca que foi tocada e cantada no
Brasil de norte a sul, cuja letra é mais ou menos assim: "Chegou a Turma
do Funil / todo muito bebe mais ninguém dorme no ponto / ai ai ai ninguém dorme
no ponto / nós é que bebemos e eles que ficam tontos / Eu bebo sem compromisso
/ com meu dinheiro ninguém tem nada com isso / aonde houver garrafa, aonde
houver barril / presente está a Turma do Funil".
Fontenele: E a fantasia, Socorro, tu lembras como
era?
Socorro Brandão: A fantasia era uma que lembrava e
homenageava os históricos personagens dos carnavais antigos como o Pierrô e a
Colombina. Todos os componentes do Bloco usavam um chapéu em forma de funil. O
modelo da roupa era: calça comprida com elástico nas pernas e na cintura, de
cor preta enfeitada de vermelho, assim também como as camisas que também tinha
mangas compridas; e as mulheres trajadas de colombinas, traziam uma bolinha de
lã vermelha no alto desse chapéu em forma de funil.
Muito bonito esse bloco, chamou bastante a atenção da nossa cidade, e esse foi o bloco de rua que saiu durante os três dias de carnaval, pulando na rua, e entrando em várias casas onde lhes eram servidas bebidas e comida, que ninguém é de ferro.
Muito bonito esse bloco, chamou bastante a atenção da nossa cidade, e esse foi o bloco de rua que saiu durante os três dias de carnaval, pulando na rua, e entrando em várias casas onde lhes eram servidas bebidas e comida, que ninguém é de ferro.
Fontenele: Muito bem, Socorro, beleza de bloco, e o
que mais te recordas?
Socorro Brandão: Continuando as reminiscências
sobre o Carnaval de 1956, convém esclarecer que o bloco A Turma do Funil era
composto por rapazes e moças da cidade. Homens casados e senhoras dele não
participavam. Mesmo porque as mulheres estavam muito longe de desfrutarem a
liberdade e independência que conquistaram através dos anos até os nossos dias.
Os homens, estes sim, saíam em blocos que chamávamos de blocos de sujo, cada um
vestia-se como queria.
Fontenele: Lembro que meu pai sempre passava a mão
num vestido de minha mãe e saía com esse bloco de sujo...
Socorro Brandão? Então, Fontenele, esse bloco
também era só alegria, todo mundo animado, bebendo e pulando sem parar. O senhor Raimundo Almeida puxava esse bloco
com sua infalível cuíca, seguido pelos senhores Mário Brandão, Chico Marica,
Belchior, o Toinho do Zuza, pai do nosso amigo Antonio Carlos, senhor Francisco
Mariano e outros e que davam sua contribuição para os festejos e a alegria
momesca.
Fontenele: Socorro e quem animava esses bailes?
Tinha orquestra ou que tipo de som foi usado durante esse carnaval de 1956?
Socorro Brandão: Os principais responsáveis e
organizadores desse bloco A Turma do Funil, naquele distante ano de 1956, foram
o Adroaldo e a Iolanda Almeida, respectivamente, sobrinho e filha do sr.
Raimundo Almeida. Eles mandaram um portador, de animal, contratar e trazer um
sanfoneiro da localidade de São Francisco, um lugar que pertencia ao município
de São Domingos e hoje pertence ao município de Graça Aranha. Esse era um
grande e famoso sanfoneiro chamado Valdir. Ele ficou os três dias de festa
comendo e dormindo na casa do senhor Raimundo Almeida, cuja casa tinha um salão
assoalhado, bem grande, onde se realizavam as festas noturnas e também os
vesperais para a criançada. A casa é esta onde hoje funciona o comércio do
François. E o pagamento ao sanfoneiro foi feito pelas famílias que contribuíam
cada uma com determinada importância suficiente para o pagamento dos três dias
que o músico tocara. Como já falamos anteriormente, convém registrar que o
saudoso Bloco A Turma do Funil que saía normalmente à tarde pelas ruas da
cidade entrava nas residências daquelas pessoas em melhores condições
financeiras, onde era recebido com muita alegria e animação, comida e bebida
amplamente fartas e esse foi o inesquecível Carnaval de 1956 em São Domingos do
Maranhão.
CARNAVAL DE 1957
Fontenele: E agora vamos para o carnaval de 1957,
né Socorro?
Socorro Brandão: Exato, Fontenele.No carnaval de
1957 teve o Bloco do Toreiro, com uma fantasia muito bonita. Era preta com uns
galões amarelos nos ombros e uma manta igual a que os verdadeiros toureiros
usam.
Fontenele: Esse pano vermelho que os toureiros usam
chama-se Capote, e é usado para atiçar o touro...
Socorro Brandão: Essa fantasia foi ideia do Múcio,
filho do senhor Raimundo Almeida, que já era um rapazinho e estudava em
Floriano e chegando aqui deu essa sugestão que foi prontamente aceita. E assim
transcorreu mais um animado carnaval, com blocos de rua e os bailes dançantes,
neste anos todos sempre realizados na residência do senhor Raimundo Almeida.
1960: PRIMEIRA ESCOLA DE SAMBA
Então esses foram os carnavais e seus famosos
blocos que fizeram a alegria de tantos foliões, muitos dos quais já não estão
entre nós, muitos ainda vivem para confirmar essas histórias que são um resgate
do passado, dedicado também a estas
gerações mais jovens que não alcançaram este tempo. E aos que ainda nem
nasceram mas poderão, através deste relato, conhecer a história de sua terra e
de seus habitantes, como viveram, o que fizeram e realizaram por amor a São
Domingos.
Às vezes pensamos que estamos fazendo algo novo,
mas um escritor e poeta inglês, William Shakespeare, sentenciou que “não há
nada de novo sob o sol”, mas até esta sua frase não é nova porque esse pensamento
ele encontrou em dos livros da sabedoria bíblica, o Eclesiastes. Então quando
se fizer uma escola de samba em São Domingos e alguém achar que é a primeira,
isto é um engano, pois a Primeira Escola de Samba desta cidade foi criada em
1960 e, portanto, acompanhemos o relato de nossa grande memorialista Socorro
Brandão:
Socorro Brandão: É a pura verdade, Fontenele. Em
1960 um grupo entusiasmado resolveu criar uma escola de samba. Posso citar o Zé
Elias, irmão da professora Maria Sílvia, do Anselmo, seu irmão mais novo, e
também irmão do Miguel, do Messias, e outros que também participaram dessa
prazerosa tarefa como o Nilton Mariano, o Jodison, o Rui. Lembro que essa
fantasia era nas cores preta com amarela e uma fitinhas de todas as cores nas
mangas das camisas, realmente era uma fantasia muito bonita e vistosa.
Fontenele: Então nesse tempo já haviam outros
instrumentos musicais ou era só o sanfoneiro?
Socorro Brandão: Sim, poucos, mas tinha. O
tamborim, o reco-reco, os tambores que eram feitos de couro de bode, eram
esquentados no fogo e no dia seguinte estavam todos com uma bela sonoridade.
Fontenele: E o carnaval de 1961?
Socorro Brandão: Foi também um carnaval famoso.
Esse bloco foi enfrentado pelo Múcio, grande folião, ele estudava por essa
época em São Luís, mas nas férias passava aqui e organizava festas e mais
festas, não só de carnaval. Nessa época tinha a Francisquinha Leite, filha do
senhor Manuel Ferreiro, que morava na Rua de Colinas, a atual Rua Major Delfino
Calvo. Essa já era outra turma, eu já nem participava mais pois estava casada
nesse tempo, mas era muito bonito esse bloco carnavalesco, lembro dessa
fantasia toda vermelha, de cetim.
Fontenele: Então casaste muito cedo, né, Socorro?
Socorro Brandão: É, casei em 1959. Mas realmente
era muito bonita essa fantasia, composta também por uns chapéus assim tipo
militar. Inclusive, essa fantasia foi copiada da página de moda da antiga e
extinta revista O Cruzeiro.
Fontenele: Socorro, me permite fazer uma
interrupção nessa tua extensa e proveitosa narrativa para registrar aqui a
importância da revista O Cruzeiro durante vários e vários anos. Era a grande
fonte jornalística que unia todo o território brasileiro com suas notícias
nacionais e internacionais,bem como informações, sobre moda, cinema, música,
humor, em síntese ocupava a mesma importância e espaço que o Jornal Nacional
viria a ocupar, anos depois, no seio da família brasileira. E agora, Socorro, o que temos?
Socorro Brandão: Fontenele, vamos pular agora para
1965, ano em que eu resolvi, com a colaboração de diversas pessoas, organizar o
primeiro Bloco Infantil de Carnaval em São Domingos do Maranhão.. Os bailes
deste bloco eram realizados, na parte da tarde, no salão da Cooperativa
Agrícola Mista. Fizemos também uma espécie de Concurso de Fantasias onde
escolhemos: a fantasia mais bonita, a mais luxuosa e a mais original, portanto
em três categorias e ainda quem dançava
melhor e outras atrações, inclusive com premiações, que tornaram aquele
carnaval inesquecível, principalmente para as crianças que dele participaram.
Fontenele: Então a gente está vendo que estes
antigos carnavais marcaram época, deixando muitas lembranças e muitas saudades.
Vale ressaltar que a participação da comunidade, nesse tempo uma sociedade
pequena mas muita unida, foi muito importante para fazer dos antigos carnavais
festas de alegria e muito brilho. Vamos em frente, Socorro?
Socorro Brandão: Agora em 1966 teve um carnaval na
Cooperativa, com Blocos de Rua. Seu Horácio Cazé comandou a Turma dos
Sapateiros, um pessoal mais humilde que seu Horácio dava apoio e ajuda. Houve
um pequeno incidente, e o certo é que alguns sapateiros foram barrados na
entrada de um baile da Cooperativa. Então seu Horácio Cazé juntamente com minha
mãe organizaram um bloco carnavalesco com a participação dos sapateiros,
contrataram uma orquestra e fizeram seus bailes num salão do FUNRURAL,
atualmente sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais.
Fontenele:
Eita São Domingos que tem história, não, Socorro?
Socorro Brandão: Então vamos em frente. Já em 1972
o carnaval foi realizado onde hoje é o atual Clube 31 de Janeiro. Aconteceu o
seguinte: algumas figuras imponentes da cidade se reuniram e resolveram fundar
um Clube Social, tendo sido eleitor o senhor José Maria Soares. Estes senhores
se cotizaram e construíram a sede do Clube no Alto da Cruz, inclusive coberto
de palha, sendo chamado por isso de Palhoça. E este foi também um carnaval
muito bom e muito animado. Passemos agora para 1983. Neste ano a Terezinha
Nogueira tinha chegado aqui em São Domingos vindo de São Paulo e organizou um
Bloco Infantil e esses blocos infantis sempre tiveram o apoio do senhor
Francisco Mariano, mais conhecido como Chico Marreteiro, que era presidente da
União Operária e cedia o salão da entidade para a realização desses bailes
infantis. Convêm ressaltar a participação na organização de todos esses
carnavais, quer dizer, a partir dos anos sessenta, do senhor Francisco Mariano.
Ele com sua animação contagiante, sua alegria verdadeira e seu amor pela nossa
cidade, se dedicava inteiramente a essas festas de Momo.
Fontenele: É, me lembro dele, houve uma época que
ia muito em sua casa, ele tinha um comércio muito sortido e localizava-se na
Rua de Colinas ou Major Delfino Calvo, tanto faz, antes da ladeira... O
Antônio, filho dele, era meu amigo de escola.
Socorro Brandão: Então foi mais ou menos de 1966 a
1972 que o seu Chico Marreteiro organizou, animou e realizou grandes bailes de
carnaval na sede da União Operária, um carnaval dirigido às classes mais pobres
e humildes, um contraponto às festas realizadas no Clube 31 de Janeiro. Em 1983
eu iniciei aqui um Bloco apenas com pandeiro, e fizeram parte desse bloco:
Bimbim, Zenon, os irmãos Rogério e Geovane, Erisvan, Roosevelt, Alex, Juarez
Júnior, Izídio, Delma, Simone, Marrom, Rejane, Maria do Miguel Narciso, Mirene,
Marilac e mais tarde chegou a Dra. Eliane que também fez parte desse bloco, e a
Vânia. Então fomos organizando e eu fui escolhida Presidente desse bloco que se
chamava Unidos do Samba...
Fontenele: Pelo jeito estava mais para uma Escola
de Samba, hein, Socorro?
Socorro Brandão: Sim, era mais pra Escola de Samba
mesmo e eu fiquei sendo presidente durante dez anos...
Fontenele: E foi aí que apareceu porta-bandeira?
Socorro Brandão: E olha aqui o que nós fizemos:
arrecadamos dinheiro e compramos vários instrumentos. Dois treme-terra, duas
“retintas” ou repeniques, dois recos-recos, quatro tamborins, um chocalho, um
tarol, um triângulo, um atabaque, uma cuíca e um pandeiro.
Fontenele: Pôxa!, bastante instrumento, né, Socorro,
considerando que naqueles tempos as coisas eram mais difíceis...
Socorro Brandão: Ora! Foi um dos carnavais mais bem
organizados , tendo chamado bastante atenção das pessoas que assistiam
satisfeitas. Além disso, decoramos várias ruas da cidade com motivos
carnavalescos, uma novidade na época, o certo é que ficou muito bonito e marcou
positivamente a história dos carnavais em São Domingos. Foi neste carnaval que
também copiamos o modelo das fantasias de Mestre-Sala e Porta-Bandeira de uma
revista, neste caso da revista Manchete, e introduzimos esses personagens na
nossa Escola Unidos do Samba.
Fontenele: É como se diz, Socorro, quem não tem cão
caça com gato, não tinha mais a revista O Cruzeiro, mas tinha a Manchete...
Desculpa a interrupção.
Socorro Brandão: Tinha também a Bandeira da Escola
que foi conduzida pela Porta-Bandeira. Enfim, foi um carnaval com grande
presença de jovens estudantes que vieram de São Luís e Teresina para fazerem
deste carnaval um dos mais animados e brilhantes da nossa história. Então nos
anos seguintes esse Bloco ou Escola continuou saindo, e as festas eram
realizadas lá no Clube 31 de Janeiro, que a esta altura já havia sido
construído. Um prédio de alvenaria e agora coberto de telha. Estas festas se
realizaram até o ano de 1993, que também foi um ano de Carnaval muito animado.
O Bimbim já possuía o seu carro de som que ia na frente tocando e animando os foliões.
Foi uma festa grandiosa em comemoração aos dez anos da nossa Escola ou Bloco
Unidos do Samba. Teve carnaval de rua o dia todo, isso nos três principais dias
de carnaval. Inclusive trouxemos de São Luís um rapaz chamado Peixinho e ele
veio com a finalidade única de ensinar o pessoal do bloco a tocar todos esses
instrumentos.
Fontenele: Pois é, Socorro, estamos finalizando
hoje esta série de entrevistas que tu tão generosamente nos concedeste: a mim,
ao Programa Na Boca do Povo, à Rádio Comunitária e principalmente ao nosso
querido e estimado povo são-dominguense, razão maior desse nosso trabalho e a
quem o mesmo é dedicado. Muito obrigado pela tua contribuição a esta quadra
festiva da nossa história. Depois, agora, os tempos são outros, tudo mudou, evoluiu,
é diferente. Uma banda de forró na Praça do Farol e está feito o carreto, e
como dizia meu avô: em terra de sapo de cócoras com ele.
Socorro Brandão. De nada, Fontenele. Foi um prazer
conversar contigo todos estes dias aqui na nossa Rádio Comunitária FM e dar a
minha modesta colaboração a esse teu trabalho.
Raimundo Fontenele.
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