28 de out. de 2016

A NOITE DOS AUSENTES - A CIGANA E OS PAPÉIS



Noite adentro fiquei sabendo que aquela mulher era a Sandra Rosa Madalena, conhecida de todos os bares da região, boêmia contumaz passava a noite rodando os bares, sempre com aquele olhar de cigana, existia em sua aparência um lance flamenco, brushes carregados nos cílios, seu nome fora dado pela mãe, uma puta que no auge da corrida pelo ouro em Serra Pelada ficou conhecida por chamar a atenção dos garimpeiros quando dançava o hit Sandra Rosa Madalena do cantor Sidney Magal. Com o passar das horas a quase inconsciência total havia chegado, lembro-me de alguns flashes do Jornalista Antero Sousa agarrado a uma senhorita dançando no meio do salão do bar.

De repente eu acordei era um raio de sol que invadia aquele quarto, uma dor de cabeça horripilante esmagando meus neurônios quase me impedindo de raciocinar, fechei os olhos e depois de alguns instantes abri, colocando a mão em cima dos raios de sol que atingiam meu rosto. Eu estava deitado numa cama, no canto do quarto uma mulher pelada sentada em frente a uma penteadeira, sentei na cama e a cabeça girava e girava, cai na cama e novamente peguei no sono. Quando acordei novamente procurei por um relógio encontrei meu celular em cima da penteadeira no canto do quarto, embaixo do celular um bilhete que dizia.

- Esperei você acordar, mas como já era tarde e tinha que sair para dar aula resolvi não te acordar. Assinado S.R

No mesmo papel do bilhete uma indicação que havia uma cópia da chave do quarto na primeira gaveta do lado esquerdo da penteadeira ao abrir lá estava a tal chave, me vesti, a tontura havia passado um pouco, uma fome furiosa arrasava meu estômago, retirei a carteira do bolso da calça abri e contei os mesmos trocados que havia colocado um dia antes quando resolvi ficar a até a madrugada na Biblioteca. Na bolsa encontrei um cartão com o nome e os contatos do jornalista Antero Sousa. Fui embora dali era uma pensão próximo a Avenida Magalhães de Almeida, sai e subi em direção ao fim da Rua Grande. Já eram quase duas da tarde entrei numa transversal e invadi o primeiro restaurante que vi, pedi um PF três minutos depois lá estava eu devorando a comida com intercalados goles de água, ressaca braba, no meu caso só acabava com carboidratos e água, bastante água.

De noite em casa as ideias voltavam ao lugar, e as perguntas voltaram também com toda a voracidade que lhes é peculiar. O cego que não era cego porra nenhuma, as palavras do delegado com a cabeleira igual a do Roberto Carlos, o “inferninho” a cigana de olhar agridoce que se chamava Sandra Rosa Madalena. Ao traçar essa linha de lembranças consecutivas, uma pergunta dentro das várias chamou mais atenção, como fui parar no quarto dela, é fato que estava bêbado, tivemos algo no bar? Não me lembro de trocarmos palavras somente de uma troca de olhares. Resolvi ligar para o jornalista ver se ele podia me ajudar.

- Depois de uns quatro toques o celular foi atendido.

- Alô!

- Alô é o Antero, Antero Sousa, o jornalista?

- Sim é ele!

- Amigo aqui é o rapaz, estivemos ontem a noite na delegacia e depois no bar.

- Sim, me lembro, e ai como vai a ressaca? Risos

- Porra foi braba, mas já estou quase recuperado totalmente.

- Você tem o telefone daquela moça que se vestia parecida com uma cigana?

- Sim, a Sandra Rosa, vou te passar.

- Ele me passou o telefone e disse.

- Ai cara depois te ligo, ainda preciso saber mais sobre como tu fostes te meter naquela roubada com o cego 171.

- Blz, sem problemas.

Já eram quase onze horas da noite quando resolvi ligar para ela, quando atendeu eu conseguia ouvir ao fundo um barulho de música, me identifiquei, ela lembrou, agradeci por ter me acolhido naquela noite, ela se mostrou muito simpática, disse para não me preocupar, essas coisas acontecem. Perguntei quando podia encontra-la, tomar uma cerveja, saber mais sobre sua vida. Ela me respondeu que no outro dia depois do horário comercial, pois dava aula no turno vespertino, marcamos no local. E no horário marcado eu estava lá. Depois de uns vinte minutos ela chegou, algo me chamou a atenção, as roupas, a forma de se vestir era outra, os cílios não estavam sobre os olhos, invés do vestido uma calça jeans colada e uma blusa de grife, aquele rosto de olhar insinuante havia dado lugar a um olhar terno, porém instigante, era visível o ar de casualidade na sua pessoa naquele inicio de noite.

Conversamos bastante sobre diversos assuntos, ela era formada em letras, sua mãe era Paraense com parentes em São Luís, na adolescência ela havia vindo às férias e nunca mais voltou, ficou morando com os parentes e hoje mora sozinha, não tinha filhos, e dividia seu tempo entre as aulas em escolas públicas e leituras. Percebi com o vai e vem da conversa que possuía certo conhecimento sobre literatura em geral, os clássicos todos já tinha lido ou tentado ler, isso não a afastava dos novos nomes da literatura, desde os best-sellers e os nomes que despontavam como grandes promessas literárias.

Em dado momento lembrei que até então ela não havia respondido se dormimos juntos, sexo, um inicio de um romance, lembrava pouca coisa o álcool sempre cortava partes da memória do que tinha acontecido horas antes. Não quis cortar o andamento do papo com essas perguntas, até porque parecia ser outra mulher ali na minha frente, ou seria o álcool que me dera àquela impressão de mulher fatal da noite anterior. Já era tarde quando ela pediu um táxi e se foi, quando voltei a mesa, percebi que caíra da bolsa dela uns papéis, peguei dobrei-os e coloquei no bolso de trás da calça. Dentro do ônibus retirei os papéis do bolso e li aquilo que parecia ser a capa de um documento, lá estava escrito “Arte e cultura maranhense, o histórico problema da aceitação da nossa gloriosa tradição, hostis entre os nossos”.

Continua...

Por Natan Castro


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