Assim
que o cego começou a falar, percebi que dois caras de óculos escuros saíram de
dentro de um carro que estacionou na praça. Como de forma matreira os caras
foram se aproximando da escada e aos poucos subindo, até ai tudo bem, ao se
aproximarem como de pronto voaram em cima de mim e do cego.
-
Perdeu, perdeu, malandro!
-
Porra que é isso me larga cara.
-
Perdeu tu ta preso também, tu deve ser parceiro desse 171 ai.
-
Quê, como? Cara só tava conversando com o cego, que porra é essa, me larga!
-
Vambora os dois tão presos, fomos algemados e colocados no banco de trás do
carro, lá fora um pequeno burburinho de pessoas se juntou ao redor do carro,
obrigando o agente a descer do carro e empurrar as pessoas, abrindo caminho em
direção a avenida.
Durante
o trajeto tentei perguntar ao velho cego ao meu lado de forma meio murmurada o
que estava acontecendo. Ele era um farrapo desmilinguido encostado a porta,
cabisbaixo e atônito.
Num
espaço de uns dez minutos cruzando as ruas estreitas do centro chegamos a
delegacia, que ao que me parecia ficava entre a Praia Grande e o bairro do
Desterro.
Fomos
levados a sala do delegado, que era um sujeito que tinha uma cabeleira parecida
com a do Roberto Carlos, usava também um óculos escuro e segurava um palito de
dente na mão. Na antessala pude ver um grupo de pessoas sentadas assistindo TV,
em pé um cara usando colete de repórter, ele nos olhou com um misto de certeza
e novidade.
-
E ai João Ceguinho, não é que novamente te pegamos, e agora tu andas com um
parceiro, era só o que nos faltava, anda fazendo escola no mundo dos golpes.
Enquanto
isso o cego sentado na cadeira não esboçava nenhum movimento, quanto menos
alguma palavra, cabisbaixo continuou.
-
E tu rapaz, cara jovem bem apessoado, não devia ta estudando, naquela hora com
alguma gatinha nos motéis da vida, quer dizer que dar golpes junto desse caso
perdido ai é bem melhor?
Seu
delegado acho que está havendo um engano, não conheço esse senhor cego, eu
apenas comecei a conversar com ele instantes antes dos policiais nos abordarem.
Está havendo um grave engano não sou nada disso que estás dizendo, estudo sim,
e estava na Biblioteca fazendo pesquisas, nada mais que isso.
Ele
levantou ainda com o palito de dente na mão, depois ajustou os óculos acima na
cabeleira e colocou o palito no canto esquerdo da boca, dai se pôs a anda de um
lado para o outro, sempre nos olhando. Então ordenou.
-
Leva João Ceguinho pro xilindró que quero conversar a sós com o rapaz, pode
levar, é menos um nas ruas, joga ele na cheirosa!
O
delegado pediu que a sala fosse esvaziada e trancada, naquele momento só nos
dois estávamos no ambiente, acima da mesa um ventilador velho de teto rodava e
fazia um barulho esquisito, na mesa pude ver uns três livros de direito com
marcadores a vista.
-
Olha rapaz vou te dizer uma coisa, a vida é boa demais para ser jogada fora, já
tive a sua idade e por um desses lances do destino hoje estou aqui sentado
nessa cadeira, o crime não compensa nem que o comete, muito menos quem o
combate. Ta na cara que tu foste ludibriado por esse malandro que já é carinha
tarimbada na área, mas olha só vou te liberar, pensa no que te disse e não
vacila mais, o tempo voa e quando menos... Houve uma pausa, é isso cai fora
daqui.
Um
policia entrou na sala e retirou minhas algemas, eu era agora um quase fora da lei,
que loucura, antes de sair vi minha cara num espelho na parede da sala, minha
cara de espanto acabou espantando a mim mesmo. Sai daquela delegacia olhei as
horas no celular já era quase meia noite. E agora? Meu plano não dera certo,
entrei numa roubada de falar com um cego que ao que me parece sabia de fato o motivo
de eu estar naquela noite, e acabou dando nisso tudo.
Lá
fora percebi encostado ao lado de um carro, o cara com o colete de repórter,
ele fumava tranquilamente, virei as costas e sai andando meu destino era um
ponto de ônibus, caramba! Mas naquela hora, será se ainda rodava ônibus? Já estava
há alguns metros da delegacia, quando um carro se aproximou abaixou os vidros,
era o cara do colete de repórter.
Ai
cara não tem medo de andar uma hora dessas por aqui, entra ai te deixo mais a
frente. Olhei para os dois lados da rua semiescura nem uma viva alma
perambulando, resolvi aceitar a carona.
- Que roubada hein parceiro!
-
Pois é!
-
Ao que me parece tu caiu no golpe do ceguinho.
-
É verdade, ele me pareceu ser um cego mesmo.
-
Na verdade ele é conhecido como João Ceguinho, malandro 171 acostumado a se
passar por cego pra pegar grana de otário e dar outros golpes.
-
Pensava que ele era cego mesmo, os olhos embranquecidos...
-
Porra nenhuma aquilo são lentes.
O
repórter soltou uma gargalhada efusiva, e colocou um CD no deck do carro,
começou a tocar uma música de Bezerra da Silva.
-
Pois é cara me chamo Antero, Antero Sousa, jornalista e repórter policial, com
quase trinta anos de profissão. Ta afim de um choop fica frio fica por minha
conta, quero saber mais sobre como tu te meteste nessa roubada.
-
Chegamos num bar que podia ser chamado também de “inferninho” lá pras bandas da
Magalhães de Almeida. Relatei o acontecido entre goles de cerveja e tira gosto
de queijo e azeitona, o local tava enfestado de putas e figuras das mais diversas,
olhei por lá um advogado tio de um grande amigo meu, tinha também a turma da
estiva, vendedores de imóveis com suas pastas abarrotadas de flyers de
empreendimentos imobiliários. Passando de um lado pro outro para colocar música
na Jukebox sempre que acabava, uma mulher que aparentava ter passado da casa dos
quarenta. O repertório era Paulo Diniz, Fernando Mendes, Benito de Paula e outros
nomes da década de setenta, com o passar de alguns minutos percebi que ela me
olhava dos pés a cabeça.
Continua...
Por Natan Castro
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