20 de out. de 2016

CRÔNICAS DO PUCUMÃ

A coluna QUARTA É DIA DE RF do nosso blog Literatura Limite (literaturalimite.blogspot.com.br) traz um novo episódio das CRÔNICAS DO PUCUMÃ, uma série de postagens para todos que se interessam pela leitura, pela história e pelo conhecimento, em forma de crônicas, relatos e entrevistas acerca dos acontecimentos que se relacionam com a História do Município de São Domingos do Maranhão, conhecido, principalmente desde o seu descobrimento até a década de 60, como São Domingos do Zé Feio.
Hoje a narrativa é sobre a campanha e eleição do Padre Manoel da Penha Oliveira como Prefeito Municipal, tendo como vice Doroteu Dias da Silva.
A seguir conto sobre a visita que fiz ao Centro dos Leocádios, onde conheci os senhores Luiz e João Leocádio, proprietários e responsáveis por vários hectares de mata virgem, e neste tempo em que tomamos consciência cada vez mais da importância da preservação do Meio Ambiente, essas pessoas simples estavam em perfeita sintonia com o nosso tempo.
Obs: Algumas fotos meramente ilustrativas sem fidelidade ao texto.
A CAMPANHA
Homologadas as chapas Padre Manoel, pela Oposição e Rangel Torres pela situação, partimos para a demorada e difícil campanha de 1965 à Prefeitura de São Domingos. Não lembro quem era o candidato a vice do senhor Rangel Torres, mas o Doroteu Dias da Silva era o candidato a vice na chapa do padre Manoel.
Foram dias e dias de luta e enfrentamentos, no campo das ideias e até mesmo no medo físico, pois São Domingos há muitos anos vinha vivenciando episódios de muita violência, boatos, e traumas. Até porque ainda estava presente na lembrança de todos o assassinato do senhor Hermes Cunha, em pleno exercício do cargo de prefeito do município.
A nossa comitiva, principalmente para os pequenos povoados, era bastante reduzida. Recordo-me sempre que íamos num jeep do padre Manoel: ele, o motorista era o grande amigo Alcides, que o padre Manoel criava como filho e hoje reside em São Luís, o senhor Pedro Queimado, e muitas vezes também o Expedito.
Eram reuniões feitas nas casas de algum líder local, e visitamos quase todos os povoados; Consolação, Barriguda, Inhuma, Paul, Bacupari, São João da Mata, Pé do Morro, Conduru, Lagoa Nova e outros tantos. Nada dos comícios como se faz hoje em dia. Nada de contratação de grandes bandas, como tivemos a partir do final dos anos noventa e início dos anos dois mil.
A campanha se fazia mais na conversa, na necessidade de mudar para crescer, para progredir, para realizar uma transformação na vida do município e também na vida das pessoas.
E o padre Manoel também teve que enfrentar um processo burocrático demorado e penoso, que às vezes não sabíamos se ia dar certo ou não. Era a licença e permissão do bispo e por último do próprio Papa que autorizasse a sua candidatura, sem que ele abdicasse do sacerdócio, das práticas, enfim, religiosas como pároco e vigário de nossa Paróquia de São Domintos do Maranhão.
Em muitos povoados, tanto durante o dia, geralmente aos domingos, e à noite nos dias de semana, viajávamos com uma dupla missão. O padre ia cumprir suas obrigações eclesiásticas: celebrar a missa, e depois realizar casamentos e batizados. E depois, nos povoados maiores, uma conversa do padre Manoel com os habitantes que haviam sido mobilizados para o culto e ações bíblicas e ali permaneciam para participarem da campanha e se inteirar dos propósitos políticos do nosso partido.
Muitas vezes chegavam boatos de que havia pessoas emboscadas com a finalidade de atentar contra a vida do padre Manoel. Mas ele nunca levou isso em consideração, e a gente sempre cumpriu o roteiro pré-determinado, e graças aos céus, nenhum mal aconteceu. Mas houve uma vez em que o padre Manoel não viajou, cancelou o compromisso, em virtude de um boato que  dizia haverem visto um homem de tocaia, atrás de um caminhão, ali nas proximidades de sua casa, localizada próximo a casa do Dudu Zezinho, onde hoje reside a Luiza da Agência de ônibus.
E também sou testemunho e participante do seguinte episódio: nem lembro direito qual era o povoado: era um domingo de manhã, e após a missa, fiquei, como sempre fazia, sentado perto da porta de entrada da capela anotando o nome dos casamentos e batizados. Chegou um senhor mal encarado, vestindo uma roupa de cáqui, e com essas camisas que tinham uma pequena abertura dos lados. E dali saía o cano de um trinta e oito que me fez tremer de medo.
Ele deu o nome de um afilhado e me estendeu uma nota graúda, e insistiu também que queria um desconto. Eu disse que não podia dar o desconto, era tabelado e tal. Ele disse que eu fosse chamar o padre Manoel para ele dar o desconto. Voltei a argumentar dizendo que nem o padre podia dar tal desconto, pois só o bispo poderia fazê-lo. Ele continuou querendo prosseguir com aquele blá blá blá, e, desconfiado e com medo, terminei lhe devolvendo a nota, dizendo que não tinha troco, e que não precisava pagar nada.
Eu contei tudo para o padre Manoel, mas estavam conosco o Pedro Queimado e o Expedido (que tinha o apelido de Expedito Cara de Onça), e esses não era de temer qualquer parada. E para completar o relato, debaixo da mesa do altar (o padre que me perdoe esta inconfidência) haviam duas pastas: uma com os paramentos da igreja, castiçais, hóstias, etc.; e a outra estava recheada de bala e uns dois revólveres, pois a gente nunca sabe nem quando e nem de que lado o capeta aparece.
Os comícios grandes foram realizadas na Praça Getúlio Vargas, Alguns com a presença até do futuro deputado estadual e governador Luís Rocha. O povo nos dava a certeza da vitória, pois eram comícios gigantes e cheios de vibração e entusiasmo. Além do povo alguns líderes foram de grande importância para a nossa vitória. Como não posso lembrar todos, cito três que me vêm à mente: Pedro Ferreira, Domingos Narciso e Paulo Batista. Espero que todos os demais se sintam também lembrados e homenageados.
O serviço de som era operado pelo filho do senhor Pedro Queimado, e meu amigo de juventude, o Zé Queimado. E eu sempre discursava e era mesmo muito aplaudido, pois este foi um dom que recebi ao nascer: a facilidade de me expressar, de agradar e convencer com palavras não apenas bonitas, mas também sinceras. É a verdade que há por trás da palavras que nos atrai, nos comove, nos convence.
Inauguração da Prefeitura - Adm: Edmilson Pereira
A ELEIÇÃO
Tudo, porém, transcorreu muito bem no dia das eleições. Afora pequenos episódios, corriqueiros, e comuns, nada de grave aconteceu. Tão logo realizou-se o pleito, viajamos para Caxias, onde fomos acompanhar as apurações, cujo resultado veio coroar nossa luta com a vitória do Padre Manoel Oliveira, que iria inaugurar uma época de progresso e prosperidade.
Coincidindo com a eleição de Sarney, o fim do vitorinismo, a ascensão dos militares, foi um tempo de se acabar com aquele período de truculência, do mandar prender, mandar bater, e outras futricas e vinganças. O tempo agora era de paz e esperança, de se viver um ciclo em que se deixava para trás um mundo velho para se inaugurar uma nova era de realizações e desenvolvimento.  E estas realizações da administração do padre Manoel estão relatadas numa crônica em que traço uma pequena biografia do nosso grande amigo e realizador.

PRESERVANDO A NATUREZA
Mata virgem - Centro dos Leocádios
Lembro a primeira vez que fiz uma visita aos ilustres moradores João e Luiz, no Centro dos Leocádios. Sua casa, seu sítio, suas terras, melhor dizer: seu paraíso terrestre, pedaço mágico do mundo, um quintal iluminado de natureza e sabedoria.
Em companhia da Socorro Brandão, Benedita Maria, e meus filhos Frederico e Jacira, visitei-o pela primeira vez, em 1998 ou 1999. 
Chamou-me a atenção a  casa simples, sem os ornamentos que possuímos, sem luz elétrica, som, rádio, nenhum destes símbolos de progresso e modernidade.
Bancos toscos de madeira; sua cozinha com jirau para os pratos e panelas; um baú antigo de onde ele retirou, para que eu fotografasse, alguns objetos, dentre os quais um bule, de cor verde, com um enfeite de flores dos dois lados; e uma botinas fabricadas no Rio de Janeiro, vejam só, dos anos 30 por aí, novinhas em folha. Ele calçou uma única vez, parece que no casamento ou noivado de algum familiar, e disse que achou ruim, guardou e nunca mais usou.
Irmãos João e Luiz Leocádio - Cozinha da casa
Poucas horas estive com eles.  Apenas o senhor João conversava, respondia a alguma perguntas que lhe fiz movido por uma curiosidade, em certos casos, invasiva.
Como quando quis saber como eles, cinco irmãos, três homens e duas mulheres, viveram a vida toda ali, sem se casarem, e insinuei com muito jeito que gostaria de saber como resolviam a questão do sexo, pois o desejo é uma coisa da carne, tão instintivo quanto a fome ou o sono.
Ele demonstrou acanhamento e, com um meio sorriso, cortou meu interesse pela sua vida privada  com uma frase simples e dita de modo singelo:
– Seu Fontenele, essas coisas a gente não conversa.
Caminhamos naquela mata virgem preservada, ali não havia nenhum sinal da mão do homem, essa mão quase sempre pronta a explorar, arrancar, cavar, revirar, destruir.  
Não é uma vida de aventuras, com muitas histórias para contar. Contou-me apenas que tinham chegado do Ceará, parece-me, ou de algum lugar do nordeste e ali se instalaram e fizeram moradia.
E viviam uma vida simples, sem paixões, apenas cultivando a terra, fazendo a comida de todo dia, em trempes e fogão rústico, sem música, sem festa, mas também sem intrigas, longe das fofocas, das maledicências humanas, entregues a uma vida inocente e pura naquele lugar em que se respirava o verde, se cultivava as sementes que produziam o alimento diário, e que se recolhiam cedo para uma conversa entre irmão e depois mergulharem num sono reparador e sem pesadelos.
Aos sábados iam à feira em São Domingos onde vendiam produtos agrícolas e adquiriam o que necessitavam para a semana. Muito pouco porque produziam quase tudo que necessitavam para viver. Deviam comprar alguns produtos industrializados, vestimentas, calçados e outras pequenas quinquilharias.
Luiz Leocádio - Sala da casa
O que aprendi com eles é que para se viver e ser feliz precisamos apenas do mínimo necessário que nos mantenha vivos e em paz. E é nisto que consiste a felicidade: a ausência da angústia, da aflição, dos desejos inalcançáveis, das coisas que queremos com ânsia e sofreguidão, que nos deixam tristes, que nos fazem sofrer porque não temos o que fulano tem; porque não podemos comprar o que sicrano pode.
E esta crônica é uma forma de homenagear não apenas seu João, mas também seu Luís, que ainda vivia quando fui lá. E as irmãs, que já não viviam. Viveram os cinco, solteiros, a vida toda, nunca casaram. Envelheceram juntos, ali naquele mundo misterioso, cheio de pássaros, animaizinhos, cacos de telha espalhados no terreno contendo água, farelos de milho e arroz, para os bichinhos que ele tratava, chamava, como se fossem anjinhos que com eles dividiam aquele espaço pleno de paz, luz e solidão, em completa e perfeita harmonia com as coisas belas da criação divina. Não é será isto o verdadeiro paraíso terrestre?


Raimundo Fontenele

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