A coluna QUARTA É
DIA DE RF do nosso blog Literatura Limite (literaturalimite.blogspot.com.br) traz
um novo episódio das CRÔNICAS DO PUCUMÃ, uma série de postagens para todos que
se interessam pela leitura, pela história e pelo conhecimento, em forma de
crônicas, relatos e entrevistas acerca dos acontecimentos que se relacionam com
a História do Município de São Domingos do Maranhão, conhecido, principalmente
desde o seu descobrimento até a década de 60, como São Domingos do Zé Feio.
Hoje a narrativa é sobre a campanha e
eleição do Padre Manoel da Penha Oliveira como Prefeito Municipal, tendo como
vice Doroteu Dias da Silva.
A seguir conto sobre a visita que fiz
ao Centro dos Leocádios, onde conheci os senhores Luiz e João Leocádio, proprietários
e responsáveis por vários hectares de mata virgem, e neste tempo em que tomamos
consciência cada vez mais da importância da preservação do Meio Ambiente, essas
pessoas simples estavam em perfeita sintonia com o nosso tempo.
Obs: Algumas fotos meramente
ilustrativas sem fidelidade ao texto.
A CAMPANHA
Homologadas as chapas Padre Manoel, pela Oposição e
Rangel Torres pela situação, partimos para a demorada e difícil campanha de
1965 à Prefeitura de São Domingos. Não lembro quem era o candidato a vice do
senhor Rangel Torres, mas o Doroteu Dias da Silva era o candidato a vice na
chapa do padre Manoel.
Foram dias e dias de luta e enfrentamentos, no
campo das ideias e até mesmo no medo físico, pois São Domingos há muitos anos
vinha vivenciando episódios de muita violência, boatos, e traumas. Até porque
ainda estava presente na lembrança de todos o assassinato do senhor Hermes
Cunha, em pleno exercício do cargo de prefeito do município.
A nossa comitiva, principalmente para os pequenos
povoados, era bastante reduzida. Recordo-me sempre que íamos num jeep do padre
Manoel: ele, o motorista era o grande amigo Alcides, que o padre Manoel criava
como filho e hoje reside em São Luís, o senhor Pedro Queimado, e muitas vezes
também o Expedito.
Eram reuniões feitas nas casas de algum líder
local, e visitamos quase todos os povoados; Consolação, Barriguda, Inhuma,
Paul, Bacupari, São João da Mata, Pé do Morro, Conduru, Lagoa Nova e outros tantos. Nada dos comícios como se faz
hoje em dia. Nada de contratação de grandes bandas, como tivemos a partir do
final dos anos noventa e início dos anos dois mil.
A campanha se fazia mais na conversa, na
necessidade de mudar para crescer, para progredir, para realizar uma
transformação na vida do município e também na vida das pessoas.
E o padre Manoel também teve que enfrentar um processo
burocrático demorado e penoso, que às vezes não sabíamos se ia dar certo ou
não. Era a licença e permissão do bispo e por último do próprio Papa que
autorizasse a sua candidatura, sem que ele abdicasse do sacerdócio, das
práticas, enfim, religiosas como pároco e vigário de nossa Paróquia de São
Domintos do Maranhão.
Em muitos povoados, tanto durante o dia, geralmente
aos domingos, e à noite nos dias de semana, viajávamos com uma dupla missão. O
padre ia cumprir suas obrigações eclesiásticas: celebrar a missa, e depois
realizar casamentos e batizados. E depois, nos povoados maiores, uma conversa
do padre Manoel com os habitantes que haviam sido mobilizados para o culto e
ações bíblicas e ali permaneciam para participarem da campanha e se inteirar
dos propósitos políticos do nosso partido.
Muitas vezes chegavam boatos de que havia pessoas
emboscadas com a finalidade de atentar contra a vida do padre Manoel. Mas ele
nunca levou isso em consideração, e a gente sempre cumpriu o roteiro
pré-determinado, e graças aos céus, nenhum mal aconteceu. Mas houve uma vez em
que o padre Manoel não viajou, cancelou o compromisso, em virtude de um boato
que dizia haverem visto um homem de
tocaia, atrás de um caminhão, ali nas proximidades de sua casa, localizada
próximo a casa do Dudu Zezinho, onde hoje reside a Luiza da Agência de ônibus.
E também sou testemunho e participante do seguinte
episódio: nem lembro direito qual era o povoado: era um domingo de manhã, e
após a missa, fiquei, como sempre fazia, sentado perto da porta de entrada da
capela anotando o nome dos casamentos e batizados. Chegou um senhor mal
encarado, vestindo uma roupa de cáqui, e com essas camisas que tinham uma
pequena abertura dos lados. E dali saía o cano de um trinta e oito que me fez
tremer de medo.
Ele deu o nome de um afilhado e me estendeu uma
nota graúda, e insistiu também que queria um desconto. Eu disse que não podia
dar o desconto, era tabelado e tal. Ele disse que eu fosse chamar o padre
Manoel para ele dar o desconto. Voltei a argumentar dizendo que nem o padre
podia dar tal desconto, pois só o bispo poderia fazê-lo. Ele continuou querendo
prosseguir com aquele blá blá blá, e, desconfiado e com medo, terminei lhe
devolvendo a nota, dizendo que não tinha troco, e que não precisava pagar nada.
Eu contei tudo para o padre Manoel, mas estavam
conosco o Pedro Queimado e o Expedido (que tinha o apelido de Expedito Cara de
Onça), e esses não era de temer qualquer parada. E para completar o relato,
debaixo da mesa do altar (o padre que me perdoe esta inconfidência) haviam duas
pastas: uma com os paramentos da igreja, castiçais, hóstias, etc.; e a outra
estava recheada de bala e uns dois revólveres, pois a gente nunca sabe nem
quando e nem de que lado o capeta aparece.
Os comícios grandes foram realizadas na Praça
Getúlio Vargas, Alguns com a presença até do futuro deputado estadual e
governador Luís Rocha. O povo nos dava a certeza da vitória, pois eram comícios
gigantes e cheios de vibração e entusiasmo. Além do povo alguns líderes foram
de grande importância para a nossa vitória. Como não posso lembrar todos, cito
três que me vêm à mente: Pedro Ferreira, Domingos Narciso e Paulo Batista.
Espero que todos os demais se sintam também lembrados e homenageados.
O serviço de som era operado pelo filho do senhor
Pedro Queimado, e meu amigo de juventude, o Zé Queimado. E eu sempre discursava
e era mesmo muito aplaudido, pois este foi um dom que recebi ao nascer: a
facilidade de me expressar, de agradar e convencer com palavras não apenas
bonitas, mas também sinceras. É a verdade que há por trás da palavras que nos
atrai, nos comove, nos convence.
Inauguração da Prefeitura - Adm: Edmilson Pereira |
A ELEIÇÃO
Tudo, porém, transcorreu muito bem no dia das
eleições. Afora pequenos episódios, corriqueiros, e comuns, nada de grave
aconteceu. Tão logo realizou-se o pleito, viajamos para Caxias, onde fomos
acompanhar as apurações, cujo resultado veio coroar nossa luta com a vitória do
Padre Manoel Oliveira, que iria inaugurar uma época de progresso e prosperidade.
Coincidindo com a eleição de Sarney, o fim do
vitorinismo, a ascensão dos militares, foi um tempo de se acabar com aquele
período de truculência, do mandar prender, mandar bater, e outras futricas e
vinganças. O tempo agora era de paz e esperança, de se viver um ciclo em que se
deixava para trás um mundo velho para se inaugurar uma nova era de realizações
e desenvolvimento. E estas realizações
da administração do padre Manoel estão relatadas numa crônica em que traço uma
pequena biografia do nosso grande amigo e realizador.
PRESERVANDO
A NATUREZA
Mata virgem - Centro dos Leocádios |
Em companhia da Socorro Brandão, Benedita Maria, e
meus filhos Frederico e Jacira, visitei-o pela primeira vez, em 1998 ou
1999.
Chamou-me a atenção a casa simples, sem os ornamentos que possuímos,
sem luz elétrica, som, rádio, nenhum destes símbolos de progresso e modernidade.
Bancos toscos de madeira; sua cozinha com jirau
para os pratos e panelas; um baú antigo de onde ele retirou, para que eu
fotografasse, alguns objetos, dentre os quais um bule, de cor verde, com um
enfeite de flores dos dois lados; e uma botinas fabricadas no Rio de Janeiro,
vejam só, dos anos 30 por aí, novinhas em folha. Ele calçou uma única vez,
parece que no casamento ou noivado de algum familiar, e disse que achou ruim,
guardou e nunca mais usou.
Irmãos João e Luiz Leocádio - Cozinha da casa |
Como quando quis saber como eles, cinco irmãos,
três homens e duas mulheres, viveram a vida toda ali, sem se casarem, e insinuei
com muito jeito que gostaria de saber como resolviam a questão do sexo, pois o
desejo é uma coisa da carne, tão instintivo quanto a fome ou o sono.
Ele demonstrou acanhamento e, com um meio sorriso,
cortou meu interesse pela sua vida privada com uma frase simples e dita de modo singelo:
– Seu
Fontenele, essas coisas a gente não conversa.
Caminhamos naquela mata virgem preservada, ali não
havia nenhum sinal da mão do homem, essa mão quase sempre pronta a explorar,
arrancar, cavar, revirar, destruir.
Não é uma vida de aventuras, com muitas histórias
para contar. Contou-me apenas que tinham chegado do Ceará, parece-me, ou de algum
lugar do nordeste e ali se instalaram e fizeram moradia.
E viviam uma vida simples, sem paixões, apenas
cultivando a terra, fazendo a comida de todo dia, em trempes e fogão rústico,
sem música, sem festa, mas também sem intrigas, longe das fofocas, das
maledicências humanas, entregues a uma vida inocente e pura naquele lugar em
que se respirava o verde, se cultivava as sementes que produziam o alimento
diário, e que se recolhiam cedo para uma conversa entre irmão e depois
mergulharem num sono reparador e sem pesadelos.
Aos sábados iam à feira em São Domingos onde
vendiam produtos agrícolas e adquiriam o que necessitavam para a semana. Muito
pouco porque produziam quase tudo que necessitavam para viver. Deviam comprar
alguns produtos industrializados, vestimentas, calçados e outras pequenas
quinquilharias.
Luiz Leocádio - Sala da casa |
E esta crônica é uma forma de homenagear não apenas
seu João, mas também seu Luís, que ainda vivia quando fui lá. E as irmãs, que
já não viviam. Viveram os cinco, solteiros, a vida toda, nunca casaram.
Envelheceram juntos, ali naquele mundo misterioso, cheio de pássaros, animaizinhos,
cacos de telha espalhados no terreno contendo água, farelos de milho e arroz,
para os bichinhos que ele tratava, chamava, como se fossem anjinhos que com
eles dividiam aquele espaço pleno de paz, luz e solidão, em completa e perfeita
harmonia com as coisas belas da criação divina. Não é será isto o verdadeiro
paraíso terrestre?
Raimundo Fontenele
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