Humberto de Campos Veras, jornalista, político, crítico, cronista,
contista, poeta, biógrafo e memorialista, nasceu em Miritiba, hoje Humberto de
Campos, MA, em 25 de outubro de 1886, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 5 de
dezembro de 1934. Foram seus pais Joaquim Gomes de Faria Veras, pequeno
comerciante, e Ana de Campos Veras.
Perdendo o pai
aos seis anos, Humberto de Campos deixou a cidade natal e foi levado para São
Luís. Dali, aos 17 anos, passou a residir no Pará, onde conseguiu um lugar de
colaborador e redator na "Folha do Norte" e, pouco depois, na
Província do Pará. Em 1910 publicou seu primeiro livro, a coletânea de versos
intitulada “Poeira”, primeira série.
Em 1912
transferiu-se para o Rio. Entrou para o jornal “O Imparcial”, na fase em que ali
trabalhava um grupo de escritores ilustres, como redatores ou colaboradores,
entre os quais Goulart de Andrade, Rui Barbosa, José Veríssimo, Júlia Lopes de
Almeida, Salvador de Mendonça e Vicente de Carvalho. João Ribeiro era o crítico
literário.
Ali também José
Eduardo de Macedo Soares renovava a agitação da segunda campanha civilista. Humberto de Campos ingressou
no movimento. Logo depois o jornalista militante deu lugar ao intelectual. Fez
essa transição com o pseudônimo de Conselheiro XX com que assinava contos e
crônicas, hoje reunidos em vários volumes. Assinava também com os pseudônimos
Almirante Justino Ribas, Luís Phoca, João Caetano, Giovani Morelli, Batu-Allah,
Micromegas e Hélios.
Eleito em 30 de
outubro de 1919 para a Cadeira nº. 20, sucedendo a Emílio de Menezes, foi
recebido em 8 de maio de 1920, pelo acadêmico Luís Murat.
Em 1920, já
acadêmico, foi eleito deputado federal pelo Maranhão. Em 1923, substituiu Múcio
Leão na coluna de crítica do jornal “Correio da Manhã”. A revolução de 1930 dissolveu
o Congresso e ele perdeu seu mandato. O presidente Getúlio Vargas, que era
grande admirador do talento de Humberto de Campos,
procurou minorar as dificuldades do autor de “Poeira”, dando-lhe os lugares de
inspetor de ensino e de diretor da Casa de Rui Barbosa. Em 1931, viajou ao
Prata em missão cultural.
Em 1933 publicou
o livro que se tornou o mais célebre de sua obra, “Memórias”, crônica dos
começos de sua vida. O seu “Diário secreto”, de publicação póstuma, provocou
grande escândalo pela irreverência e malícia em relação a contemporâneos.
Autodidata,
grande leitor, acumulou vasta erudição, que usava nas crônicas. Poeta neo-parnasiano,
fez parte do grupo da fase de transição anterior a 1922. "Poeira" é
um dos últimos livros da escola parnasiana no Brasil. Fez também crítica
literária de natureza impressionista. É uma crítica de afirmações pessoais, que
não se fundamentam em critérios e, por isso, não podem ser endossadas nem
verificadas.
Na crônica, seu
recurso mais corrente era tomar conhecidas narrativas e dar-lhes uma forma
nova, fazendo comentários e digressões sobre o assunto, citando anedotas e
tecendo comparações com outras obras. No fundo ou na essência, era uma crítica
superficial, que não resiste à análise nem ao tempo.
Humberto de Campos escreveu poesias, contos, ensaios, crônicas e
anedotas. Inovou na crônica, adicionando novos elementos. Tinha um estilo
fácil, corrente, escrevia com naturalidade e de fácil compreensão. Ao adoecer,
muda seu estilo, de mordaz e cômico, passa a ser piedoso e compreensivo e sai
em defesa dos menos favorecidos.
Humberto de Campos faleceu no auge de sua popularidade. Boa
parte de sua obra foi publicada nos anos seguintes a sua morte.
Obras: Poeira, poesia, 2 séries (1910 e
1917); Da seara de Booz, crônicas (1918); Vale de Josaphat, contos (1918);
Tonel de Diógenes, contos (1920); A serpente de bronze, contos (1921);
Mealheiro de Agripa, vária (1921); Carvalhos e roseiras, crítica (1923); A
bacia de Pilatos, contos (1924); Pombos de Maomé, contos (1925); Antologia dos
humoristas galantes (1926); Grãos de mostarda, contos (1926); Alcova e salão,
contos (1927); O Brasil anedótico, anedotas (1927); Antologia da Academia
Brasileira de Letras (1928); O monstro e outros contos (1932); Memórias
1886-1900 (1933); Crítica, 4 séries (1933, 1935, 1936); Os países, vária
(1933); Poesias completas (1933); À sombra das tamareiras, contos (1934);
Sombras que sofrem, crônicas (1934); Um sonho de pobre, memórias (1935);
Destinos, vária (1935); Lagartas e libélulas, vária (1935); Memórias inacabadas
(1935); Notas de um diarista, 2 séries (1935 e 1936); Reminiscências, memórias
(1935); Sepultando os meus mortos, memórias (1935); Últimas crônicas (1936);
Perfis, 2 séries, biografias (1936); Contrastes, vária (1936); O arco de Esopo,
contos (1943); A funda de Davi, contos (1943); Gansos do Capitólio, contos
(1943); Fatos e feitos, vária (1949); Diário secreto, 2 vols. (1954). (Dados
obtidos no sítio da Academia Brasileira de Letras).
O gramático
Humberto de Campos
Alto, magro, com os bigodes grisalhos a
desabar, como ervas selvagens pela face de um abismo, sobre os cantos da funda
boca munida de maus dentes, o professor Arduíno Gonçalves era um desses homens
absorvidos completamente pela gramática. Almoçando gramática, jantando
gramática, ceando gramática, o mundo não passava, aos seus olhos, de um enorme
compêndio gramatical, absurdo que ele justificava repetindo a famosa frase do
Evangelho de João:
— No princípio era o VERBO!
Encapado pela gramática, e às voltas, de
manhã à noite, com os pronomes, com os adjetivos, com as raízes, com o
complicado arsenal que transforma em um mistério a simplicíssima arte de
escrever, o ilustre educador não consagrava uma hora sequer às coisas do seu
lar. Moça e linda, a esposa pedia-lhe, às vezes, sacudindo-lhe a caspa do
paletó esverdeado pelo tempo:
— Arduíno, põe essa gramatiquice de lado.
Presta atenção aos teus filhos, à tua casa, à tua mulher! Isso não te põe para
diante!
Curvado sobre a grande mesa carregada de
livros, o cabelo sem trato a cair, como falripas de aniagem, sobre as orelhas e
a cobrir o colarinho da camisa, o notável professor retirava dos ombros a mão
cariciosa da mulher, e pedia-lhe, indicando a estante:
— Dá-me dali o Adolfo Coelho.
Ou:
— Apanha, aí, nessa prateleira, o Gonçalves
Viana.
Desprezada por esse modo, Dona Ninita não
suportou mais o seu destino: deixou o marido com as suas gramáticas, com os
seus dicionários, com os seus volumes ponteados de traça, e começou a gozar a
vida passeando, dançando e, sobretudo, palestrando com o seu primo Gaudêncio de
Miranda, rapaz que não conhecia o padre Antônio Vieira, o João de Barros, o
frei Luís de Sousa, o Camões, o padre Manuel Bernardes, mas que sabia, como
ninguém, fazer sorrir as mulheres.
— Ele não prefere, a mim, aquela porção de
alfarrábios que o rodeiam? Então, que se fique com eles!
E passou a adorar o Gaudêncio, que a
encantava com a sua palestra, com o seu bom-humor, com as suas gaiatices, nas
quais não figuravam, jamais, nem Garcia de Rezende, nem Gomes Eanes de Azurara,
nem Rui de Pina, nem Gil Vicente, nem, mesmo, apesar do seu mundanismo, D.
Francisco Manuel de Melo.
Assim viviam, o professor, com seus
puristas e Dona Ninita com o seu primo, quando, de regresso, um dia, ao lar, o
desventurado gramático surpreendeu a mulher nos braços musculosos, mas sem
estilo, de Gaudêncio de Miranda. Ao abrir-se a porta, os dois culpados
empalideceram, horrorizados. E foi com o pavor no coração que o rapaz se atirou
aos pés do esposo traído, pedindo súplice, de joelho:
— Me perdoe, professor!
Grave, austero, sereno, duas rugas
profundas sulcando a testa ampla, o ilustre educador encarou o patife,
trovejando, indignado:
— Corrija o pronome, miserável! Corrija o
pronome!
E, entrando no gabinete, começou,
cantarolando, a manusear os seus clássicos...
( Esta engraçada anedota com que Humberto de Campos
divertiu os leitores de "O Imparcial" e, depois, os do livro
"Gansos do Capitólio", vem condensada em meia dúzia do linha no texto
da 'Fisiologia do Casamento", de Honoré de Balzac, sendo aí o protagonista
um membro da Academia Francesa).
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