30 de nov. de 2016

DO OIAPOQUE AO CHUÍ

A coluna QUARTA É DIA DE RF do nosso blog Literatura Limite (www.literaturalimite.com.br) apresenta hoje o livro em série DO OIAPOQUE AO CHUÍ que conta a viagem que Gabriel faz com seu tio, do Rio Grande do Sul ao Pará. Mas não se trata de um livro daqueles que só trata de paisagens exóticas e costumes regionais. DO OIAPOQUE AO CHUÍ é uma narrativa concisa, que menciona aspectos interessantes de nossas cidades para o leitor conhecer os costumes e diversidades de nosso país.

DO OIAPOQUE AO CHUÍ


– Pô, Gabriel, qual é a sua digo eu, bicho. Você é muito certinho para o meu gosto. E nem vem com essa de madre Teresa de Calcutá pra cima de mim.
– Deixa de ser grosso, Maurinho. Eu não quero fumar e pronto. Você quer estourar seu pulmão, tudo bem. Mas não fica oferecendo esta droga para os outros. – Sinceramente eu estava perdendo a paciência com o Maurinho.
– Tou indo, ô do Pará. Cuidado com os índios de lá. Ih, até rimou. Eles adoram comer cara-pálida. – E o Maurinho deu uma entonação sacana à palavra comer.
– Vai te catar, ô chaminé! – Bati o portão e entrei na academia.
Só dei vexame naquela aula de judô. Não consegui encaixar nenhum golpe. Em compensação, não foram poucas as vezes em que fiquei completamente imobilizado no tatame.
O professor interrompeu a aula e me chamou num canto:
– Professor, meu garoto, o que está havendo?
– Nada, professor, tudo ótimo. – Respondi alegremente.
– Tudo ótimo uma ova. Não encaixaste um golpe sequer. Estás completamente desconcentrado. Com a cabeça na Lua. Algum problema com a garota?
– Com a Selminha? Não, professor, está tudo ótimo mesmo. Mas não consigo desligar um minuto da viagem...
– Que viagem? Para onde? E quando vais? – perguntou o professor Túlio.
– Para o norte do Brasil, professor. Vou com o tio Marcos. A gente embarca dia 14.
– Puxa, Gabriel, daqui a dez dias. Mas o norte do Brasil é imenso...
– Tá, professor, desculpe. Vou para Santarém, no estado do Pará. Tio Marcos tem umas terras por lá.
– Ah, conheço...
– Conhece Santarém? – interrompi o professor Túlio.
– Não, conheço o Pará. Mais exatamente, Belém do Pará. Fui lá há dois anos. Para a Festa do Círio de Nazaré – o professor olhou o relógio e encerrou a conversa, dizendo: – Olha, Gabriel, por hoje chega. E não esquece de passar na secretaria para comunicar tua ausência. Quanto tempo mesmo é que vais ficar fora?
– Ok. Vou passar na secretaria agora mesmo. Sexta ainda vou comparecer. Tio Marcos disse que a gente volta no final de fevereiro. Tchau, professor.
– Tchau, Gabriel.
Saí da secretaria e começou a cair uma chuva forte, um verdadeiro temporal. Tive de me abrigar em uma lanchonete da Avenida Assis Brasil e esperar a chuva passar ou diminuir de intensidade.
Essas chuvas de verão passam logo. O céu escurece de e=repente. A ventania vai levando tudo que encontra pela frente. Desaba uma verdadeira tromba d`água. E, quando menos se espera, a chuva para, tão rápido como começou. Nuvens brancas e azuis voltam para testemunhar o brilho intenso do sol.
Aquela chuva tinha durado trinta minutos. Não quis pegar ônibus e resolvi ir andando para casa. A cabeça fervilhando de fantasias e imagens. Tentando adivinhar como seria Santarém. Sabia algumas coisas que tio Marcos falava. Do povo, que era muito alegre e hospitaleiro. Da comida que, para gaúcho criado com churrasco, era bastante diferente.
Tio Marcos disse também que Santarém era uma das cidades mais antigas e importantes do Pará. E que seu crescimento e progresso deu-se por ocasião do ciclo da borracha, que vai, mais ou menos, de 1880 até 1950.
Mas eu sabia bem mais. Tinha pegado a enciclopédia PAPE – Programa Auxiliar de Pesquisa Estudantil – DCL emprestada com meu pai e fiquei por dentro de uma porção de coisas sobre Santarém. Tem 26.058 km2 de área e cerca de duzentos e cinqüenta mil habitantes.
Localizada na margem direita do rio Amazonas, junto à foz do rio Tapajós, Santarém é um destacado porto fluvial e centro comercial da região amazônica. Possui também indústrias de madeira, frigoríficos, produz borracha, castanha-do-pará e juta.
Juta é uma planta natural da Índia, mas cultivada também na Amazônia, e que fornece fibras de bom comprimento, utilizadas na embalagem de vários produtos.
Cheguei em casa por volta das dezoito horas. Mal entrei, a mãe veio me dizer que o Maurinho tinha ligado. Perguntei o que ele queria, e ela disse que ele não tinha falado nada. Apenas perguntou por mim. E pediu que assim que chegasse ligasse para ele.
Lembrei da nossa discussão algumas horas atrás e me senti mal. Ia ligar para ele e pedir desculpas pelo bate-boca, mas, no momento em que estava me dirigindo para o telefone, ele tocou.
Levei o fone ao ouvido:
– Alô – falei.
– Gabriel? Aqui é o Maurinho. Dá um desconto para o que eu falei, tá? Oferecer cigarro é meio sacana, não é?, ainda mais para que não fuma...
– Pô, Maurinho, legal que você me ligou, cara. Eu estava indo pegar o telefone para ligar praí, quando ele tocou, acredita?
– Claro, acredito. Tudo em paz então, irmão?
 – Numa Nice, cara – respondi imitando tio Marcos, que apesar de ser gaúcho de nascimento, era carioca de coração, no jeito de andar, e no modo de falar.
Tinha vivido mais de dez anos no Rio de Janeiro. Aliás, se a gente fosse somar os anos que tio Marcos tinha vivido em cada cidade, dava mais de cem, O dobro da idade dele, que havia acabado de fazer cinquenta e dois.
O Maurinho continuou jogando conversa fora e aumentando sua conta no telefone. Quando a gente estava se despedindo, ele falou:
– Ah, Gabriel, sexta-feira na academia, se eu esquecer me lembra, cara.
Saí da academia chateado com nosso papo pesadão. Aí resolvi comprar uma lembrança pra você. Presente de amigo como despedida de viagem.
– Fala o que é, Maurinho. Não me deixa curioso desse jeito, cara.
– Fica frio, meu. Você vai gostar. É o mapa do tesouro, o mapa da mina, se você quer saber.
Mapa do tesouro, mapa da mina, BA, não estava conseguindo descobrir que presente seria. Aí me deu um estalo:
– Já sei, Maurinho. É um mapa do Brasil, daqueles para viagem, certo?
– Pô, Gabriel, na mosca. É isso mesmo, cara, você acertou na mosca – o Maurinho repetiu do outro lado da linha, a voz quase sumindo. – Que você acha do presente?
– Maravilha. Já tinha até falado para o tio Marcos que ia comprar um mapa desses. Até sexta, então – despedi-me. Não estava nem um pouco chateado com ele. Era meu melhor amigo, disso eu não tinha a menor dúvida.
– Até sexta no tatame, bicho.
(CONTINUA NA PRÓXIMA QUARTA FEIRA)

Raimundo Fontenele



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