A
coluna QUARTA É DIA DE RF do nosso blog Literatura Limite (www.literaturalimite.com.br) apresenta hoje o livro em série DO OIAPOQUE AO
CHUÍ que conta a viagem que Gabriel faz com seu tio, do Rio Grande do Sul ao
Pará. Mas não se trata de um livro daqueles que só trata de paisagens exóticas
e costumes regionais. DO OIAPOQUE AO CHUÍ é uma narrativa concisa, que menciona
aspectos interessantes de nossas cidades para o leitor conhecer os costumes e
diversidades de nosso país.
DO OIAPOQUE AO CHUÍ
– Pô, Gabriel, qual é a sua digo eu, bicho. Você é
muito certinho para o meu gosto. E nem vem com essa de madre Teresa de Calcutá
pra cima de mim.
– Deixa de ser grosso, Maurinho. Eu não quero fumar
e pronto. Você quer estourar seu pulmão, tudo bem. Mas não fica oferecendo esta
droga para os outros. – Sinceramente eu estava perdendo a paciência com o
Maurinho.
– Tou indo, ô do Pará. Cuidado com os índios de lá.
Ih, até rimou. Eles adoram comer cara-pálida. – E o Maurinho deu uma entonação
sacana à palavra comer.
– Vai te catar, ô chaminé! – Bati o portão e entrei
na academia.
Só dei vexame naquela aula de judô. Não consegui
encaixar nenhum golpe. Em compensação, não foram poucas as vezes em que fiquei
completamente imobilizado no tatame.
O professor interrompeu a aula e me chamou num
canto:
– Professor, meu garoto, o que está havendo?
– Nada, professor, tudo ótimo. – Respondi
alegremente.
– Tudo ótimo uma ova. Não encaixaste um golpe
sequer. Estás completamente desconcentrado. Com a cabeça na Lua. Algum problema
com a garota?
– Com a Selminha? Não, professor, está tudo ótimo
mesmo. Mas não consigo desligar um minuto da viagem...
– Que viagem? Para onde? E quando vais? – perguntou
o professor Túlio.
– Para o norte do Brasil, professor. Vou com o tio
Marcos. A gente embarca dia 14.
– Puxa, Gabriel, daqui a dez dias. Mas o norte do
Brasil é imenso...
– Tá, professor, desculpe. Vou para Santarém, no
estado do Pará. Tio Marcos tem umas terras por lá.
– Ah, conheço...
– Conhece Santarém? – interrompi o professor Túlio.
– Não, conheço o Pará. Mais exatamente, Belém do
Pará. Fui lá há dois anos. Para a Festa do Círio de Nazaré – o professor olhou
o relógio e encerrou a conversa, dizendo: – Olha, Gabriel, por hoje chega. E
não esquece de passar na secretaria para comunicar tua ausência. Quanto tempo
mesmo é que vais ficar fora?
– Ok. Vou passar na secretaria agora mesmo. Sexta
ainda vou comparecer. Tio Marcos disse que a gente volta no final de fevereiro.
Tchau, professor.
– Tchau, Gabriel.
Saí da secretaria e começou a cair uma chuva forte,
um verdadeiro temporal. Tive de me abrigar em uma lanchonete da Avenida Assis
Brasil e esperar a chuva passar ou diminuir de intensidade.
Essas chuvas de verão passam logo. O céu escurece
de e=repente. A ventania vai levando tudo que encontra pela frente. Desaba uma
verdadeira tromba d`água. E, quando menos se espera, a chuva para, tão rápido
como começou. Nuvens brancas e azuis voltam para testemunhar o brilho intenso
do sol.
Aquela chuva tinha durado trinta minutos. Não quis
pegar ônibus e resolvi ir andando para casa. A cabeça fervilhando de fantasias
e imagens. Tentando adivinhar como seria Santarém. Sabia algumas coisas que tio
Marcos falava. Do povo, que era muito alegre e hospitaleiro. Da comida que,
para gaúcho criado com churrasco, era bastante diferente.
Tio Marcos disse também que Santarém era uma das
cidades mais antigas e importantes do Pará. E que seu crescimento e progresso
deu-se por ocasião do ciclo da borracha, que vai, mais ou menos, de 1880 até
1950.
Mas eu sabia bem mais. Tinha pegado a enciclopédia
PAPE – Programa Auxiliar de Pesquisa Estudantil – DCL emprestada com meu pai e
fiquei por dentro de uma porção de coisas sobre Santarém. Tem 26.058 km2 de
área e cerca de duzentos e cinqüenta mil habitantes.
Localizada na margem direita do rio Amazonas, junto
à foz do rio Tapajós, Santarém é um destacado porto fluvial e centro comercial
da região amazônica. Possui também indústrias de madeira, frigoríficos, produz
borracha, castanha-do-pará e juta.
Juta é uma planta natural da Índia, mas cultivada
também na Amazônia, e que fornece fibras de bom comprimento, utilizadas na
embalagem de vários produtos.
Cheguei em casa por volta das dezoito horas. Mal
entrei, a mãe veio me dizer que o Maurinho tinha ligado. Perguntei o que ele
queria, e ela disse que ele não tinha falado nada. Apenas perguntou por mim. E
pediu que assim que chegasse ligasse para ele.
Lembrei da nossa discussão algumas horas atrás e me
senti mal. Ia ligar para ele e pedir desculpas pelo bate-boca, mas, no momento
em que estava me dirigindo para o telefone, ele tocou.
Levei o fone ao ouvido:
– Alô – falei.
– Gabriel? Aqui é o Maurinho. Dá um desconto para o
que eu falei, tá? Oferecer cigarro é meio sacana, não é?, ainda mais para que
não fuma...
– Pô, Maurinho, legal que você me ligou, cara. Eu
estava indo pegar o telefone para ligar praí, quando ele tocou, acredita?
– Claro, acredito. Tudo em paz então, irmão?
– Numa Nice,
cara – respondi imitando tio Marcos, que apesar de ser gaúcho de nascimento,
era carioca de coração, no jeito de andar, e no modo de falar.
Tinha vivido mais de dez anos no Rio de Janeiro.
Aliás, se a gente fosse somar os anos que tio Marcos tinha vivido em cada
cidade, dava mais de cem, O dobro da idade dele, que havia acabado de fazer cinquenta
e dois.
O Maurinho continuou jogando conversa fora e
aumentando sua conta no telefone. Quando a gente estava se despedindo, ele
falou:
– Ah, Gabriel, sexta-feira na academia, se eu
esquecer me lembra, cara.
Saí da academia chateado com nosso papo pesadão. Aí resolvi comprar uma
lembrança pra você. Presente de amigo como despedida de viagem.
– Fala o que é, Maurinho. Não me deixa curioso
desse jeito, cara.
– Fica frio, meu. Você vai gostar. É o mapa do
tesouro, o mapa da mina, se você quer saber.
Mapa do tesouro, mapa da mina, BA, não estava
conseguindo descobrir que presente seria. Aí me deu um estalo:
– Já sei, Maurinho. É um mapa do Brasil, daqueles
para viagem, certo?
– Pô, Gabriel, na mosca. É isso mesmo, cara, você
acertou na mosca – o Maurinho repetiu do outro lado da linha, a voz quase
sumindo. – Que você acha do presente?
– Maravilha. Já tinha até falado para o tio Marcos
que ia comprar um mapa desses. Até sexta, então – despedi-me. Não estava nem um
pouco chateado com ele. Era meu melhor amigo, disso eu não tinha a menor
dúvida.
– Até sexta no tatame, bicho.
(CONTINUA NA PRÓXIMA QUARTA FEIRA)
Raimundo Fontenele
Nenhum comentário:
Postar um comentário