A
coluna QUARTA É DIA DE RF do nosso blog Literatura Limite (www.literaturalimite.com.br) apresenta hoje mais um capítulo do livro em série
DO OIAPOQUE AO CHUÍ.
Brasil
enorme que parece ser vários países (e é!), Raimundo Fontenele fala sobre a
nossa pluralidade cultural ao contar a viagem que Gabriel faz com seu tio, do
Rio Grande do Sul ao Pará. Mas não se trata de um livro daqueles que só trata
de paisagens exóticas e costumes regionais. DO OIAPOQUE AO CHUÍ é uma narrativa
concisa, que menciona aspectos interessantes de nossas cidades para o leitor
conhecer os costumes e diversidades de nosso país.
Na BR-116 o ônibus talvez voasse, mas para mim, curioso por
novas imagens que contrastassem com aquelas, arrastava-se apenas a 100km por
hora, nunca 80.
– Tio, por que não viajamos de dia? De noite não vai dar para
curtir a viagem. A gente não vê nada...
– São vários os
motivos, Gabriel. Daqui até Brasília são duas noites e um dia de viagem. Se
fosse o contrário, viajaríamos dois dias e uma noite. Dois dias de calor dentro
dessa gaiola, ninguém merece.
– Ih, já entendi. E a gente ia gastar muito mais com comida e
refrigerante. As noites a gente dorme, não gasta nada, não é isso?
Tio Marcos sorriu:
– Pode ser também pó isso, guri esperto.
Ficamos olhando através do vidro da janela e tudo o que se
via era o escuro lá fora. Um escuro sem no céu e sem medo no coração. Arriamos
as poltronas, esticamos as pernas e tratamos de dormir, era a única coisa que n
os restava fazer.
Logo tio Marcos ferrou no sono. Fiquei ainda um tempão
acordado. Fui duas vezes ao banheiro, e observei o intenso movimento naquele
ônibus. Alguns liam, outros falavam baixinho. Em uma das vezes que fui ao
banheiro, tinha visto no fundo do ônibus, nas poltronas 39 e 40, um casal de
namorados tão agarrados que achei que estavam transando.
Dormi e acordei com um choro de bebê. Acendi a luz sobre a
poltrona e olhei meu relógio de pulso: duas horas da madrugada. Tio Marcos
continuava num sono profundo, meio de lado na poltrona, com a cara virada para
o vidro da janela. Uma posição tri-incômoda. O pai e a mãe insistiram para que
viajássemos de ônibus-leito, mas tio Marcos, com aquele humor que não o
deixava, respondeu:
– ônibus-leito é coisa para doente, velho e mulher grávida...
Eu e o Gabriel ainda não somos nem uma coisa, nem outra – falou e caiu na
gargalhada.
E agora a gente estava ali, espremidos como sardinha em lata.
É, às vezes, nada melhor que a caminha da gente. E por falar em cama, voltei a
dormir e fui acordar de manhã, quando o ônibus parou na Rodoviária de
Florianópolis.
Era mais ou menos cinco horas da manhã e desci com o tio. Na
lanchonete comemos torrada co um saboroso café com leite. Depois, banheiro.
Escovamos os dentes, lavamos o rosto, Saímos, o ônibus já estava buzinando e os
passageiros em fila retornando aos seus lugares.
Tio Marcos pegou o livro Memorial
de Aires de Machado de Assis e concentrou-se na leitura. AO café quente e a
água fria não me fizeram passar o sono e dormi até por volta de dez da manhã.
Acordei suando e com o sol na cara.
Rodamos, rodamos, e rodamos. Sábado a noite toda, todo o
domingo, e as cidades iam ficando para trás: Itajaí, Joivinville, Curitiba,
Ponta Grossa, São Paulo, Bauru, Ribeirão Preto, Uberaba, Uberlândia, estas duas
últimas importantes centros financeiros de Minas Gerais, encravadas no
Triângulo Mineiro. A seguir, Goiânia, Anápolis e seis e meia da manhã o ônibus
abriu a porta e nos deixou na plataforma da Rodoferroviária de Brasília.
Foi o primeiro grande espanto da viagem: Brasília é diferente
de tudo o que se imagina. Não adianta fotos, cartões-postais e relatos de
amigos e parentes que conheçam a cidade.
Na Rodoferroviária, após banho e companhia, tomamos um big
café. Estava me sentindo cansado e faminto. Não era cansaço, explicou o tio. A
gente estava era com os ossos, articulações e músculos meio atrofiados de tanta
paralisia naquele banco de ônibus. Tomando café e lendo os jornais Correio
Braziliense e Jornal de Brasília, numa lanchonete do lugar, o tio disse que
precisávamos era de uma caminhada pela cidade.
– Cambada de safados, cretinos, ladrões! – Isso era o tio
Marcos falando à medida que manuseava os jornais. Eu nem ia interromper a
leitura dele para perguntar de quem se tratava. Só podiam ser os políticos, o
alvo da raiva e dos palavrões.
Guardou os óculos, dobrou os jornais, batendo num deles co o
dorso da mão direita, exclamando:
– Puta que pariu! É por isso que o Brasil é essa miséria do
Caburaí ao Chuí.
– Que foi, tio? – perguntei, fingindo interesse, só para
agradá-lo. Ele precisava desabafar o ódio que estava sentindo.
– É esse Congresso e esses Palácios de merda, Gabriel. Quando
a gente pensa que eles são lugares respeitáveis, onde se legisla e planeja a
execução das melhorias que o povo brasileiro precisa, servem agora como pontos
de tráfico de cocaína. E tudo acobertado por esses político safados e
salafrários – num piscar de olhos mudou de humor e de assunto. – Temos de ir
comprar as passagens para Imperatriz. Vamos indo?
– Só vamos, tio – respondi contente.
O tio pagou as despesas e nos dirigimos ao balcão de
passagens. No guichê, informaram que só havia passagens para as nove da noite.
Tínhamos o dia inteiro pela frente. Estávamos só com as nossas mochilas de mão.
O resto da bagagem estava no guarda-volumes.
– E aí, meu rapaz, queres ir para um hotel, estás precisando
de uma cama?
– Que nada, tio! Nada de cama. Quero mais é conhecer a
cidade.
– Falei em hotel por falar. – Colocou o braço sobre meu ombro
e fomos andando em direção à parada de ônibus. – Temos todo o dia pela frente.
Dá para conheceres o principal do Plano Piloto.
– Plano Piloto? Que é isso? – perguntei.
– É como denominam toda a área central de Brasília. Digamos
assim, é o centro da cidade. E, em volta, estão situados os bairros ou
cidades-satélites de Ceilândia, Guará, Taguatinga, Núcleo Bandeirante...
– Ouvi a mãe falando sobre esse Núcleo Bandeirante. Disse que
foi onde começou Brasília e foi construído o Catetinho. Um palaciozinho de
madeira onde o presidente Juscelino Kubitschek ficava com os amigos e
assessores, quando estava em Brasília, que estava sendo construída. E foi
inaugurada no dia 21 de abril de 1960. Tem uns dois milhões de habitantes.
– Guri, estás falando bonito. Desse jeito vais acabar virando
um escritor. – O tio apontou um ônibus que se aproximava da parada. – Vamos
pegar esse aí. Ele vai para o Plano Piloto.
Do terminal rodoviário, no centro da cidade, fomos andando
até a Esplanada dos Ministérios, passando e conhecendo, por dentro, a Catedral
de Brasília, uma obra imponente da arquitetura moderna. Ela tem a forma
circular, com uns anjos pendurados no teto, que me fizeram lembrar o
Homem-Aranha. E conhecemos os Palácios do Itamaraty, sede do Ministério das
Relações Exteriores, da Alvorada e do Planalto, sedes residencial e
administrativa do Governo Federal, o Palácio do Ministério da Justiça, e, voltando,
nos detemos diante do Teatro Nacional Cláudio Santoro.
Esse Teatro tem a forma de uma pirâmide e seu nome é uma
homenagem ao grande violinista e músico brasileiro Cláudio Santoro, maestro,
fundador da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional, reconhecido e premiado no
exterior, muito mais do que aqui no Brasil, sua própria terra.
Foi
projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer.
A construção teve início no dia 30
de julho de 1960, e a estrutura ficou pronta em 30 de janeiro de 1961, mas por cinco
anos a obra ficou parada. A Sala Martins Pena ficou pronta em 1966 e, após dez anos de atividade,
foi fechada para reforma e finalização do teatro, o que ocorreu em 21 de abril de 1981. Localiza-se na
Via N2, Setor Cultural Norte, Asa Norte. No seu interior, destacam-se as salas Martins Pena, Villa-Lobos e Alberto
Nepomuceno, onde se realizam, ao longo de todo o ano, numerosos atos e
representações culturais.
Teatro Nacional Cláudio Santoro - Brasília-DF |
Aliás, Oscar
Niemeyer e Lúcio Costa são os grandes construtores de Brasília e idealizadores
de Brasília, que com sua inventividade e genial criação projetaram não só o
nome da nossa Capital no exterior, mas da própria arquitetura brasileira.
Todos os ônibus que trafegam no Plano Piloto têm a parada final
no centro da cidade, onde funcionava a antiga rodoviária. Engraçado o nome do
destino de alguns ônibus: L2-Norte, W3-Sul, W3-Norte, L2-Sul.
Ao meio dia fomos almoçar no restaurante do Tribunal de Contas
do Estado. Ficava no último andar de um prédio de 12 andares, próximo ao
Palácio do Buriti, sede do governo estadual. De lá a gente tem uma visão
completa de Brasília. Igualzinho um avião. As asas, são as grandes avenidas, a
frente do avião são os ministérios e palácios, a parte de trás tem a Torre, e
no meio o Eixão, ou Eixo Monumental, a grande avenida central.
Tio Marcos aproveitou o momento me vendo ali de boca aberta
olhando a cidade, para fazer o que ele mais gostava: falar.
– É
ou não é uma beleza essa cidade, Gabriel?
– Puxa,
tio Marcos. Nunca tinha visto nada igual. Os prédios, aqueles palácios que a
gente viu lá na Esplanada...
– Dois gênios brasileiros projetaram e fizeram tudo isso.
– Eu sei, tio, Oscar Niemeyer e Lúcio Costa.
– E ainda tem cretino que critica Brasília. Como concepção de
cidade é fenomenal. O que não presta são os políticos que o povo manda pra cá,
votando sempre com a barriga e o coração, nunca com a razão.
É, razão quem tem é o tio Marcos ao dizer isso.
(CONTINUA
NA PRÓXIMA QUARTA-FEIRA)
Raimundo
Fontenele
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