I
INVENÇÕES : A ÁGUA
madura
para germinar a flor desbota
sua
cor líquida de carbônio e olfato
cheiro
de flor em flor
o
espinho do mundo
crescem
cardos
tateio
no
escuro da água tateio
pousa
o olho e o olhar na água escura
põe
a camisa de listras no cabide
ferve
a vida na água
fecha
o mundo
onde
línguas estalam
há
somente suor e estalactite
há
somente as escamas
do
meu coração aberto
há
na janela um mal que não descora
palavra
e verbo não me consomem inteiro
cego
de nascença
vejo
a marca da lama
onde
o pé afunda
para
lá da sede e para além da água
está
fundada a ilha dos sozinhos:
destroços
da minha fala
podem
conter o mundo
entraste
em mim
nome
de mãe
esparadrapo
colado à minha boca
por
isso te reescrevo mil vezes
ninguém
me espera ali
onde
a água se move
ali
ninguém se move
e
a água não me limita
mas
imito os antigos
inventando
mitos
sobreveio
o temor
ecos
primitivos
sobreveio
o farol
o
muro o risco
e
sobrevoando tudo
a
sombra de um cisco na água
na
voracidade da água
na
paixão líquida pelas ruas desertas
flor
escura do canto
a
vida é um aguaceiro
nódoa
gelada
entre
mim e o que fito
a
vida toda é espelho
do
primeiro grito
para
lá me encaminho
vestido
de asperezas
para
ti me dispo e canto
a
água contaminada
véu
espesso da alma
por
onde escorrem detritos
Raimundo
Fontenele
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