27 de mai. de 2017

KISSYAN CASTRO: UM SINUOSO POETA ENTRE RIOS

Estamos de volta com a coluna Quarta-Feira é Dia de RF, após duas semanas de ausência por motivos técnicos. Assim o Blog LITERATURA LIMITE (www.literaturalimite.com.br ) traz hoje a presença de uma das vozes mais representativas da moderna e sempre renovada poesia maranhense. Trata-se de Kissyan Castro, e aqui apresentamos alguns dados biográficos, páginas de críticas e uma seleção de seus melhores poemas para o deleite dos nossos fiéis leitores. (RF)
Poeta Kissyan Castro
Dados biográficos

Kissyan Castro nasceu em Barra do Corda, Maranhão, no dia 23 de dezembro de 1979. Desde cedo, levado por necessidades de ordem econômica, deixa sua província natal e se lança pelo mundo, incursionando no Pará, Brasília e Tocantins. Aí, aos vinte anos de idade, começa a produzir seus primeiros poemas. Junta-se a três jovens poetas e cria o grupo “Fênix”, resultando na publicação conjunta do livro “Sete Amores Em Um Só” (Palmas, 2002). No entanto, é com o livro “Vau do Jaboque” (Rio de Janeiro: CBJE, 2005) que se dá a sua estreia como poeta. Dois anos depois está em São Paulo, onde entra para a Faculdade de Farmácia e Bioquímica da Universidade Paulista, filia-se a agremiações e ganha prêmios literários.
Após longo período de existência andarilha, volta à terra natal robustecido no aprendizado da vida e da poesia, para lançar-se a novos empreendimentos literários, de que é fruto “Bodas de Pedra” (Lisboa: Chiado, 2013), livro elogiado pela crítica, cujos “poemas, de sabor ameno, denunciam um artista que trabalha com a lupa engastada na órbita, não presumindo a menor aspereza na pedra preciosa em que os esculpe”, afirmou o jornalista Nonato Silva. Prefaciando Bodas de Pedra, o poeta Nauro Machado confessa: “Foi, para mim, uma grande e grata surpresa a leitura desses poemas de Kissyan Castro, nome a já fazer parte dos melhores e mais autênticos poetas da nova geração maranhense”.
Pesquisador, reuniu a obra dispersa em verso de Maranhão Sobrinho, sob o título “Maranhão Sobrinho – Poesia Esparsa” (São Luís, 2015), obra que, segundo Jomar Moraes, “representa uma das mais significativas homenagens prestadas ao grande poeta de Papéis velhos... roídos pela traça do Símbolo”, mormente “a empenhada e perspicaz pesquisa que resultou na reunião de dados com os quais o organizador reconstruiu, documentadamente, uma quase história completa da aventurosa e tumultuária vita brevis do bardo”.
Seu mais recente livro, “Rio Conjugal”, constituído de um único poema dividido em sete cantos, será lançado na 2ª FLAEMA (de 26 de maio a 4 de junho de 2017).
Tem colaborado com crônicas, poemas e haikais em vários sites, suplementos e revistas eletrônicas, entre as quais Recanto das Letras, A Garganta da Serpente, Germina e Poesia dos Brasis. Participou ainda das antologias “Caleidoscópio” (São Paulo: Andross, 2006), “Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos” (Rio de Janeiro: CBJE, 2011) e “Os 50 Melhores Sonetos do Ano” (Academia Jacarehyense de Letras, 2012).

           KISSYAN CASTRO: UM SINUOSO POETA ENTRE RIOS

            Ezra Pound, em seu livro ABC da Literatura, obra indispensável e essencial para os que se dedicam ao fazer poético e mesmo para críticos e estudiosos, classifica em três grupos distintos os poetas: a) os criadores, os mestres, os copistas. Não são essas as terminologias exatas empregadas pelo escritor, mas em outras palavras são a mesma coisa.
            E os define: criadores, os que inauguram o novo, revolucionam, abrem caminhos, mesmo que os deixem com alguma aspereza, algumas ervas rasteiras que precisam ser removidas, algo que precisa ser aperfeiçoado; mestres são aqueles que aproveitam as descobertas dos criadores, removem os entulhos, limpam, elevam à perfeição os frutos de tal criação. Por último, os copistas, quase sempre meros imitadores, plagiários, repetidores das fórmulas inventadas e aperfeiçoadas pelas duas categorias anteriores: a dos criadores e a dos mestres.
            Não há nesta exposição poundiana nenhum julgamento de valor, não se está classificando hoje, no nosso meio, gêneros, números e graus de nossos poetas, mesmo porque por trás de todo esse estudo existe algo a ser considerado: o tempo histórico, o lugar e seu desenvolvimento cultural, científico, tecnológico onde se processam tais criações do espírito humano, também sujeito a esse tempo e lugar referidos.
            Toda essa cantilena ou catilinária é somente um preâmbulo para introduzir nesta conversa sobre poesia e poetas o maranhense barra-do-cordino Kissyan Castro, um poeta que descobri e conheci nas redes sociais, e cuja poesia me tocou de imediato, pelo seu grau de inspiração, poesia estranhamente maturada, pela sua inquietude, riqueza metafórica e intrínseca beleza.
            Estes conceitos, segundo meu juízo, bastam para definir o valor de um poeta e de suas crias poéticas, pois Kissyan Castro saiu daquele território em que todos nós caminhamos na juventude e no aprendizado, sofrendo influências positivas de outros que vieram antes e abriram essas portas por onde entramos, para também tentarmos alçar nossos vôos particulares, pessoais, intransferíveis, marcas indeléveis do que apreendemos, vivemos, experimentamos.
            Digamos assim: o poeta Kissyan chegou àquela maturidade, àquela altura da viagem em que o poeta Dante diz “Da nossa vida, em meio da jornada, / achei-me numa selva tenebrosa, / tendo perdido a verdadeira estrada”. Perde-se a estrada das certezas, dos comodismos, sabe-se que se está iniciando uma jornada ao inferno que a gente não sabe como e quando terminará. Mas os passos foram dados, não podemos mais ser escravos de nenhum medo, nem submissos a nenhuma verdade, nem podemos seguir em nenhuma direção que nos apontem.
            E o poeta Kissyan Castro muniu-se de coragem, construiu sua própria armadura, forjou suas armas e partiu decidido para guerrear com seus monstros, lutar suas batalhas individuais, mas também coletivas, porque existe o outro que é empecilho; o outro que aponta o dedo sujo; o outro a quem a inveja transtorna; o outro, tão próximo e tão nosso inimigo que nos quer derrotados.
            Saiu de Barra do Corda, peregrinou pelo país afora, rompeu e construiu laços e hoje reside na mesma cidade em que as águas paralelas de dois rios, o Corda e o Mearim,  singram buscando virtudes imortais que só a Arte nos permite conhecer.  E talvez a religiosidade, o ecumenismo, a retidão de caráter, que não são dogmas artísticos, mas que aperfeiçoam o que é humano na arte.
            É esta poesia que lhes convido a conhecer e a meditar sobre ela. Uma poesia caudalosa como as águas desses rios, uma poesia livre de entulhos e empulhações: poesia verdadeira, limpa, que toca o sagrado com a mesma profundidade com que toca o profano. E é isto que importa na arte: tornar-se instrumento de êxtase e beleza, não importa que não nos leve de imediato ao purgatório ou ao paraíso e nos faça primeiro conhecer as sombras infernais de um cotidiano perverso.
            A chave é a poesia de Kissyan de Castro. Ela abrirá para nós as portas do conhecimento e da plástica beleza em que suas metáforas bailam, brilham, estrelas fulgurantes no céu da renovada literatura maranhense. (RF)

POEMAS DE KISSYAN CASTRO 


                                   AGNUS DEI
                                   Pode o amor de seu amargo
                                   molhar o pão em róseas chagas:
                                   Sem moscas padeces,
                                   coração!
                                   PÁSSARO NEFASTO
                                   Desde agora o pensamento
                                   transpõe o mármore do verbo.
                                   A agonia de negar o desejo
                                   exala-se
                                   porém o grito se abafa.
                                   (Logo a sombra mestra
                                   se retira e deixa apenas
                                   sua ressonância violenta)
                                   Desde agora o medo ou mulher
                                    apodera-se do meu silêncio.
                                   Então volto de alguma parte em mim
                                   que por vezes se afoga.
                                   Desde agora a claridade,
                                   o disparo ou distância,
                                   retrocedem,
                                   retrocede o canto.
                                   Devo sentir o rasgo da chuva
                                   e reconhecer-lhe o tempo urdido
                                   longe do equívoco e do rio,
                                   encerrado no vazio
                                   que me penetra como incêndio.
                                   Devo assim tornar-me exalação
                                   ou castigo
                                   quando de repente
                                   passos ondas instante
                                   percorrem jardins de fumo
                                   sob tuas pálpebras
                                   no escuro
                                   até que através de ossos
                                   eu circule e durma
                                   e fique o grito
                                   nas areias de meu país.

                                   GARFO
                                   Pede Deus
                                   que sejamos um
                                   nEle. (para
                                   qual quota?)
                                   Se Ele, branca
                                   equação, é três
                                   nUm (sem sobejo),
                                   quem, pois, é o zero
                                   do noves-
                                   fora eu?

                                   EXERCÍCIO DE MONTARIA
                                   O dia cavalga crepúsculos
                                   em seus cavalos
                                   Ó reino do estábulo,
                                   a existência é esse relincho
                                   sob os cascos gastos das horas.

                                   HADES
                                   A custo de silêncio
                                   se abre a terra
                                   arrebentando músculos.
                                   Um tráfico
                                   sem que o detenha
                                   touro ou flor.
                                   Último orgasmo
                                   na ambição do caos.


FRAGMENTO
(Do livro Rio Conjugal)

II
não é a forma como o corda
              mearinha-se
                              no mearim
       a mesma que me emaranho
                              no maranhão
muitas são as águas
                                   que nos atravessam no curso da vida
                                               arrastando a prole do sonho
                                               carnavais
                                               mesuras e formosuras
                                   nenhuma mata ciliar
                                   sustenta mais que seu próprio verde
quantas garrafas vazias
                                                           vêm à tona
                                                           revelando festas submersas?
                                   chego a pensar que o cordino emerge desses porões
                                                           desses ingás à míngua
                                                           dessas garrafas que se esvaziam na noite
quando me entendi por gente
                            perdi o quanto de mim
                            era alento e o quanto
                            era rio
nunca fui um bom colecionador de funduras
                nem de sal
                                        salto da ponte
                                        como se a vida
                                        fosse ontem
                            dentro e fora
                            algo
                            me devora
devora minha aurora
                                        minha flora
                                        meu agora
e o que me devora
                                        algo
                                        alga alguma
                                        algum gólgota
esse gene aborígene
                                        que disfarço
                                        enquanto passo
enquanto traço
o conduzo
como um troço
                                                    uma tribo
                                                    no estribilho
                                                    do meu verso
um gene que geme
que ginga
em minha garganta
                                        da sílaba
                                        à sola
                                                    do solo
                                                    ao solilóquio
nunca fui
                                        de pronunciar rio
                                        preferi antes
                                        o minuto de silêncio
                                                    sempre dei asa
                                                    à pausa
                            tudo o que digo
                            cabe só
                            no meu umbigo
rio é passar
                                                           performance do espaço
                                                           quando o tempo
                                                           é puro aço
o rio passa
eu passeio
ainda passará
quando eu for
passarinho


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