Poeta Kissyan Castro
Dados biográficos
Kissyan Castro nasceu em Barra
do Corda, Maranhão, no dia 23 de dezembro de 1979. Desde cedo, levado por
necessidades de ordem econômica, deixa sua província natal e se lança pelo
mundo, incursionando no Pará, Brasília e Tocantins. Aí, aos vinte anos de
idade, começa a produzir seus primeiros poemas. Junta-se a três jovens poetas e
cria o grupo “Fênix”, resultando na publicação conjunta do livro “Sete
Amores Em Um Só” (Palmas, 2002). No entanto, é com o livro “Vau do
Jaboque” (Rio de Janeiro: CBJE, 2005) que se dá a sua estreia como poeta. Dois
anos depois está em São Paulo, onde entra para a Faculdade de Farmácia e
Bioquímica da Universidade Paulista, filia-se a agremiações e ganha prêmios
literários.
Após
longo período de existência andarilha, volta à terra natal robustecido no
aprendizado da vida e da poesia, para lançar-se a novos empreendimentos
literários, de que é fruto “Bodas de Pedra” (Lisboa: Chiado, 2013),
livro elogiado pela crítica, cujos “poemas, de sabor ameno, denunciam um
artista que trabalha com a lupa engastada na órbita, não presumindo a menor
aspereza na pedra preciosa em que os esculpe”, afirmou o jornalista Nonato
Silva. Prefaciando Bodas de Pedra, o poeta Nauro Machado confessa: “Foi,
para mim, uma grande e grata surpresa a leitura desses poemas de Kissyan Castro,
nome a já fazer parte dos melhores e mais autênticos poetas da nova geração
maranhense”.
Pesquisador,
reuniu a obra dispersa em verso de Maranhão Sobrinho, sob o título “Maranhão
Sobrinho – Poesia Esparsa” (São Luís, 2015), obra que, segundo Jomar
Moraes, “representa uma das mais significativas homenagens prestadas ao grande
poeta de Papéis velhos... roídos pela traça do Símbolo”, mormente “a
empenhada e perspicaz pesquisa que resultou na reunião de dados com os quais o
organizador reconstruiu, documentadamente, uma quase história completa da
aventurosa e tumultuária vita brevis do bardo”.
Seu
mais recente livro, “Rio Conjugal”, constituído
de um único poema dividido em sete cantos, será lançado na 2ª FLAEMA (de 26 de
maio a 4 de junho de 2017).
Tem
colaborado com crônicas, poemas e haikais em vários sites, suplementos e
revistas eletrônicas, entre as quais Recanto das Letras, A Garganta da
Serpente, Germina e Poesia dos Brasis. Participou ainda das antologias “Caleidoscópio”
(São Paulo: Andross, 2006), “Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos”
(Rio de Janeiro: CBJE, 2011) e “Os 50 Melhores Sonetos do Ano” (Academia
Jacarehyense de Letras, 2012).
KISSYAN CASTRO: UM SINUOSO POETA ENTRE
RIOS
Ezra
Pound, em seu livro ABC da Literatura, obra indispensável e essencial para os
que se dedicam ao fazer poético e mesmo para críticos e estudiosos, classifica
em três grupos distintos os poetas: a) os criadores, os mestres, os copistas.
Não são essas as terminologias exatas empregadas pelo escritor, mas em outras
palavras são a mesma coisa.
E
os define: criadores, os que inauguram o novo, revolucionam, abrem caminhos,
mesmo que os deixem com alguma aspereza, algumas ervas rasteiras que precisam
ser removidas, algo que precisa ser aperfeiçoado; mestres são aqueles que
aproveitam as descobertas dos criadores, removem os entulhos, limpam, elevam à
perfeição os frutos de tal criação. Por último, os copistas, quase sempre meros
imitadores, plagiários, repetidores das fórmulas inventadas e aperfeiçoadas
pelas duas categorias anteriores: a dos criadores e a dos mestres.
Não
há nesta exposição poundiana nenhum julgamento de valor, não se está
classificando hoje, no nosso meio, gêneros, números e graus de nossos poetas,
mesmo porque por trás de todo esse estudo existe algo a ser considerado: o
tempo histórico, o lugar e seu desenvolvimento cultural, científico,
tecnológico onde se processam tais criações do espírito humano, também sujeito
a esse tempo e lugar referidos.
Toda
essa cantilena ou catilinária é somente um preâmbulo para introduzir nesta
conversa sobre poesia e poetas o maranhense barra-do-cordino Kissyan Castro, um
poeta que descobri e conheci nas redes sociais, e cuja poesia me tocou de
imediato, pelo seu grau de inspiração, poesia estranhamente maturada, pela sua
inquietude, riqueza metafórica e intrínseca beleza.
Estes
conceitos, segundo meu juízo, bastam para definir o valor de um poeta e de suas
crias poéticas, pois Kissyan Castro saiu daquele território em que todos nós
caminhamos na juventude e no aprendizado, sofrendo influências positivas de
outros que vieram antes e abriram essas portas por onde entramos, para também
tentarmos alçar nossos vôos particulares, pessoais, intransferíveis, marcas
indeléveis do que apreendemos, vivemos, experimentamos.
Digamos
assim: o poeta Kissyan chegou àquela maturidade, àquela altura da viagem em que
o poeta Dante diz “Da nossa vida, em meio da jornada, / achei-me numa selva
tenebrosa, / tendo perdido a verdadeira estrada”. Perde-se a estrada das
certezas, dos comodismos, sabe-se que se está iniciando uma jornada ao inferno
que a gente não sabe como e quando terminará. Mas os passos foram dados, não
podemos mais ser escravos de nenhum medo, nem submissos a nenhuma verdade, nem
podemos seguir em nenhuma direção que nos apontem.
E
o poeta Kissyan Castro muniu-se de coragem, construiu sua própria armadura, forjou
suas armas e partiu decidido para guerrear com seus monstros, lutar suas
batalhas individuais, mas também coletivas, porque existe o outro que é
empecilho; o outro que aponta o dedo sujo; o outro a quem a inveja transtorna; o outro, tão próximo e tão nosso inimigo que nos quer derrotados.
Saiu
de Barra do Corda, peregrinou pelo país afora, rompeu e construiu laços e hoje
reside na mesma cidade em que as águas paralelas de dois rios, o Corda e o
Mearim, singram buscando virtudes
imortais que só a Arte nos permite conhecer.
E talvez a religiosidade, o ecumenismo, a retidão de caráter, que não
são dogmas artísticos, mas que aperfeiçoam o que é humano na arte.
É
esta poesia que lhes convido a conhecer e a meditar sobre ela. Uma poesia
caudalosa como as águas desses rios, uma poesia livre de entulhos e
empulhações: poesia verdadeira, limpa, que toca o sagrado com a mesma
profundidade com que toca o profano. E é isto que importa na arte: tornar-se
instrumento de êxtase e beleza, não importa que não nos leve de imediato ao
purgatório ou ao paraíso e nos faça primeiro conhecer as sombras infernais de
um cotidiano perverso.
A
chave é a poesia de Kissyan de Castro. Ela abrirá para nós as portas do
conhecimento e da plástica beleza em que suas metáforas bailam, brilham,
estrelas fulgurantes no céu da renovada literatura maranhense. (RF)
POEMAS DE KISSYAN CASTRO
AGNUS
DEI
Pode o amor
de seu amargo
molhar o pão
em róseas chagas:
Sem moscas
padeces,
coração!
PÁSSARO
NEFASTO
Desde agora o
pensamento
transpõe o
mármore do verbo.
A agonia de
negar o desejo
exala-se
porém o grito
se abafa.
(Logo a
sombra mestra
se retira e
deixa apenas
sua
ressonância violenta)
Desde agora o
medo ou mulher
apodera-se do meu silêncio.
Então volto
de alguma parte em mim
que por vezes
se afoga.
Desde agora a
claridade,
o disparo ou
distância,
retrocedem,
retrocede o
canto.
Devo sentir o
rasgo da chuva
e
reconhecer-lhe o tempo urdido
longe do
equívoco e do rio,
encerrado no
vazio
que me
penetra como incêndio.
Devo assim
tornar-me exalação
ou castigo
quando de
repente
passos ondas
instante
percorrem
jardins de fumo
sob tuas
pálpebras
no escuro
até que
através de ossos
eu circule e
durma
e fique o
grito
nas areias de
meu país.
GARFO
Pede
Deus
que
sejamos um
nEle.
(para
qual
quota?)
Se
Ele, branca
equação,
é três
nUm
(sem sobejo),
quem,
pois, é o zero
do
noves-
fora
eu?
EXERCÍCIO
DE MONTARIA
O
dia cavalga crepúsculos
em
seus cavalos
Ó
reino do estábulo,
a
existência é esse relincho
sob
os cascos gastos das horas.
HADES
A
custo de silêncio
se
abre a terra
arrebentando
músculos.
Um
tráfico
sem
que o detenha
touro
ou flor.
Último
orgasmo
na
ambição do caos.
FRAGMENTO
(Do livro Rio Conjugal)
II
não é a forma como o corda
mearinha-se
no mearim
a mesma que me emaranho
no maranhão
muitas
são as águas
que nos
atravessam no curso da vida
arrastando
a prole do sonho
carnavais
mesuras
e formosuras
nenhuma mata
ciliar
sustenta mais
que seu próprio verde
quantas
garrafas vazias
vêm
à tona
revelando
festas submersas?
chego a
pensar que o cordino emerge desses porões
desses
ingás à míngua
dessas
garrafas que se esvaziam na noite
quando
me entendi por gente
perdi o quanto de
mim
era alento e o
quanto
era rio
nunca
fui um bom colecionador de funduras
nem de sal
salto da
ponte
como se
a vida
fosse
ontem
dentro e fora
algo
me devora
devora
minha aurora
minha flora
meu agora
e
o que me devora
algo
alga
alguma
algum
gólgota
esse
gene aborígene
que
disfarço
enquanto
passo
enquanto
traço
o
conduzo
como
um troço
uma
tribo
no
estribilho
do
meu verso
um
gene que geme
que
ginga
em
minha garganta
da
sílaba
à sola
do
solo
ao
solilóquio
nunca
fui
de
pronunciar rio
preferi
antes
o minuto
de silêncio
sempre
dei asa
à
pausa
tudo o que digo
cabe só
no meu umbigo
rio
é passar
performance
do espaço
quando
o tempo
é
puro aço
o
rio passa
eu passeio
ainda
passará
quando
eu for
passarinho
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