ANTES, TEVE A PENA DO ABRANCHES
Não querendo diminuir o atual
presente, como tempo histórico, mas costumo observar que o Maranhão do século
XIX é muito mais rico e teve muito mais importância no cenário político e
econômico brasileiro.
Por isso foi também maior o espaço
cultural e social que ocupou no grande labirinto da política e do jornalismo
nacionais. E assim sendo produziu vultos de maior grandeza, em quantidade e
qualidade, se compararmos com o atual momento dessa longa e turbulenta jornada
maranhense, buscando afirmar-se, influir no seu próprio destino e também nos
destinos desse país.
Entre tantas, a figura de Dunshee de
Abranches ocupa um lugar único nesta galeria de mitos e heróis da saga da
intelectualidade maranhense e brasileira, porque a maioria desses homens deixou
a província e foi instalar-se no coração do poder e das decisões, no caso, a
capital federal, àquela época a cidade do Rio de Janeiro.
Escritor,
poeta, jornalista, político, exercendo intensa atividade nas letras e na
política, engajado em causas nobres como a da Abolição e a da República, além
do seu legado pessoal, uma filha sua, cognominada Condessa Pereira Carneiro
continuou sua luta, como proprietária de um dos mais importantes órgãos da
imprensa brasileira, o Jornal do Brasil que, em vários momentos, revolucionou o
jornalismo pátrio. Acompanhem aqui algumas passagens da vida desse nosso
ilustre conterrâneo. (RF)
COMO
SE FAZIAM PRESIDENTES
João Dunshee de Abranches Moura (São
Luís, Maranhão, 2 de setembro de 1867- Petrópolis, 1941), escritor, jornalista,
historiador, jurista, professor, musicista e sobretudo político. Publicou mais
de 120 trabalhos, de diversos gêneros.
João Dunshee de Abranches Moura foi
empossado na Presidência da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) em 13 de
maio de 1910, com o apoio integral do grupo que controlava a Associação e
prometendo defender a liberdade de pensamento a qualquer custo. Em 1911, foi
reeleito para mais dois anos de mandato.
Durante sua administração, várias
providências foram tomadas, como a reforma estatutária, aprovada pela
Assembléia-Geral de 23 de janeiro de 1911, e a mudança de nome para Associação
de Imprensa dos Estados Unidos do Brasil. Constava do novo estatuto a criação
da biblioteca e do cargo de bibliotecário ”para o qual foi escolhido Victor da
Veiga Cabral” de congressos de jornalistas ”a serem promovidos a cada cinco
anos no Rio de Janeiro” e de um Tribunal de Imprensa ”destinado a julgar
conflitos da categoria”.
No mesmo período, foram instituídos a
carteira de jornalista, como instrumento de identidade e do exercício efetivo
da profissão; o distintivo de sócio, desenhado por Raul Pederneiras; e um fundo
de auxílio funeral. A Associação ganhou uma sede modesta no primeiro andar de
um prédio da Avenida Central ”atual Rio Branco“, na esquina com a Rua da
Assembleia.
Maranhense de São Luís, Dunshee de
Abranches, ainda adolescente, assustou com vivas à República as comemorações da
posse do último gabinete do Império. Adulto, converteu-se em apóstolo do novo
regime, trocando um diploma de médico já quase conquistado pelo de advogado,
que melhores condições lhe oferecia para navegar no tempestuoso mundo da
política de então.
Alicerces sólidos – contemporâneo dos
fatos que narra, Dunshee de Abranches distingue com clareza correligionários de
adversários. Aos adversários reservou um estilo despojado, exato e respeitoso.
Mas aos correligionários dedicou todos os adjetivos de sua admiração.
Assim, desfilam pelas suas páginas,
envolvidas pelas pequenas graças do cotidiano, figuras lendárias como Francisco
Glicério, Joaquim Murtinho, Pinheiro Machado, Luís Vianna (pai), Rosa e Silva,
J. J. Seabra e muitos outros. Não era, certamente, um mundo de vestais, mas a
oficina de trabalho dos artesãos que empreitaram a obra de reconstruir o Brasil
a partir das graves opções feitas com a proclamação da República.
Cada um manobrava, com estilo próprio,
o mesmo arsenal de espertezas, dissimulações, galanterias para com os
adversários vencidos – e às vezes resvalavam para a mais pura velhacaria,
quando se tratava da conquista de uma posição mais importante. Contudo, fiéis
quase todos à regra maior da transigência, do entendimento e talvez mesmo da
acomodação, puderam dar à obra feita o sentido de grandeza que ela não poderia
dispensar.
Em 1973, sua filha, a
condessa Pereira Carneiro, proprietária do “Jornal do Brasil”, publicou três
livros reunidos num só, para formar o sétimo volume das obras completas do
escritor Dunshee de Abranches. ”O Livro Negro” que trata da cisão do Partido
Republicano Federal durante o governo de Prudente de Morais (1894-1898), “O Livro
Verde”, sobre as infindáveis negociações que levaram à eleição de Campos Sales
para a presidência da República (1897), e “O Livro Branco”, que vai desde a
concentração republicana à eleição de Rodrigues Alves (1902), estão compostos
no mesmo estilo minucioso, quase à moda de um diário. É o relato da
surpreendente, às vezes cavalheiresca, às vezes mesquinha política das
primeiras décadas da República.
JOÃO DUNSHEE DE ABRANCHES MOURA
Raimundo Helio Lopes
João Dunshee de Abranches Moura
nasceu na cidade de São Luís no dia 2 de setembro de 1868, filho de Antônio da
Silva Moura e de Raimunda de Abranches Moura. Seu avô materno, João Antônio
Garcia de Abranches, foi político, jornalista e fundador do jornal O Censor no
Maranhão durante o Império. Iniciou
seus estudos em São Luís e em 1884 ingressou na Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro, então capital do Império, tornando-se um defensor das causas
abolicionista e republicana. Em 1888 foi nomeado promotor público em Barra do
Corda (MA) e, para assumir o cargo, abandou o curso de medicina. No ano
seguinte, abdicou da promotoria e retornou ao Rio de Janeiro, onde concluiu seu
curso superior. Aí estava quando a República foi proclamada, em 15 de novembro
de 1889. Em 1890 tornou-se professor de física, química e história natural no
Instituto H. Köpker e no Colégio Brasileiro-Alemão. Também se formou em direito
e foi professor honorário da Universidade de Heidelberg, na Alemanha.
Quando Rodrigues Alves (1902-1906)
assumiu a presidência da República, foi nomeado comissário do governo junto aos
institutos equiparados de ensino secundário e superior. Por conta dessa atividade,
escreveu três relatórios ao ministro do Interior. Em 1903 foi eleito deputado
estadual no Maranhão. Foi sucessivamente reeleito deputado estadual até o ano
de 1910, a despeito de ter sido eleito deputado federal em 1905. Nesse ano
exonerou-se do cargo de comissário do governo de Rodrigues Alves.
Igualmente reeleito deputado federal
para várias legislaturas, permaneceu na Câmara dos Deputados de 1905 a 1917 e
aí presidiu a Comissão de Diplomacia e Tratados, a Comissão Especial de Justiça
Militar e a Comissão Organizadora do Código Penal Militar. Durante a Primeira
Guerra Mundial (1914-1918), posicionou-se contra a entrada do Brasil no
conflito e contra o rompimento de relações com a Alemanha, tendo por isso
renunciado à presidência da Comissão de Diplomacia. Fez parte ainda das
comissões especiais de reforma da Contabilidade Pública, da Marinha Mercante e
do Estatuto dos Funcionários Públicos. Também foi eleito para a Comissão de
Instrução Pública, mas não aceitou o posto. Após deixar a Câmara, dedicou-se à
advocacia em um escritório estabelecido na cidade do Rio de Janeiro.
No campo jornalístico, teve intensa
atividade. Em 1888 fundou, ao lado de Izac Martins e Antônio Rocha Lima, o
periódico O Norte, na cidade de Barra do Corda. Colaborou com os jornais Aurora
Boreal, Gazeta do Povo, Século, Pacotilha, País, Diário do Maranhão e
Federalista, do Maranhão, e também com Federação, do Amazonas; Gazeta da Tarde,
de Pernambuco; Federação, do Rio Grande do Sul; República, do Pará; Comércio de
S. Paulo, de São Paulo; e Diário do Norte, da Bahia. No Rio de Janeiro, foi
colaborador do Jornal do Comércio, Gazeta de Notícias, Tribuna e Correio da
Manhã; diretor de O Dia; redator de O País, e redator do Jornal do Brasil, de
1895 a 1900.
Em 1910, foi eleito presidente da
Associação Brasileira de Imprensa. Reeleito em 1912, ocupou o posto até o final
de 1913. Durante sua administração, promoveu a reforma estatutária, aprovada em
1911, e a mudança de nome da instituição para Associação de Imprensa dos
Estados Unidos do Brasil. No novo estatuto, ficou aprovada a criação do cargo
de bibliotecário, dos congressos de jornalistas – realizados a cada cinco anos
– e de um Tribunal de Imprensa, para atuar nos conflitos envolvendo a
categoria. Ainda durante sua gestão, foram criados a carteira de jornalista, o
distintivo de sócio e um fundo de auxílio funeral. A associação passou a ter
uma nova sede, localizada em um prédio na avenida Rio Branco, então avenida
Central, esquina com rua da Assembleia, no Centro do Rio de Janeiro. Outra
conquista que obteve foi a aprovação, na Câmara dos Deputados, de um projeto de
lei que concedia um auxílio anual de 20 contos de réis à associação.
Foi também sócio do Instituto
Histórico e Geográfico do Maranhão e membro da Academia Maranhense de Letras.
Faleceu na cidade de Petrópolis (RJ)
no dia 11 de março de 1941.
Sua filha, Maurina Dunshee de
Abranches Marchesini, casou-se em segundas núpcias com Ernesto Pereira
Carneiro, empresário e jornalista, proprietário do Jornal do Brasil e conde
papal. Com a morte do marido em 1954, a Condessa, como era conhecida, assumiu a
direção do jornal.
Publicou:
Selva – poesias (1884-1886),
Micróbio do cancro, em defesa do dr. Domingos Freire (1887), Propaganda
abolicionista e republicana (1888), Transformação do trabalho, memória da
Associação Comercial de S. Luís do Maranhão (1888), A República em Maranhão
(1888-1889), A reprodução na escala animal, lição mandada imprimir por meus
alunos (1890), O mundo biológico, lições finais do curso de fisiologia (1891),
Contos e fantasias (1892-1894), Pela paz – poemeto ao dr. Prudente de Morais
(1895), Cartas de um sebastianista – sátiras em verso (1895), Memórias de um
histórico – 2 volumes (1895- 1896), Manifesto político ao eleitorado do
Maranhão (1896), Como se faz o Jornal do Brasil (1896), Papá Basílio – romance
naturalista (1897), A crise social – retrospecto político do século XIX (1898),
A crise da República – estudo da política brasileira em face do problema
mundial (1898), Crônicas políticas (1899-1904), O ano negro da República –
retrospecto político financeiro de 1897 a 1898 (1899), Política e finanças –
estudo crítico sobre a presidência Campos Sales (1898-1902), Cartas políticas
(1898-1899), Silvio Romero – perfil biográfico (1899), Crepúsculo do século, a
política mundial em 1899 (1890), Cartas a Rabagas (1900), Crítica de arte
(1896-1900), Em prosa e verso – sátiras e folhetins (1896-1901), Juiz de Fora –
impressões de um visitante (1899), Sertanejas – crítica artística (1900),
Críticas literárias (1898-1901), Críticas musicais (1898-1900), Aspides –
sátiras em versos (1901), Diálogos dos mortos – imitação de Luciano (1901), O
10 de Abril (1901), O livro negro – a cisão do partido republicano federal
(1902), O livro verde, história do partido do dr. Prudente de Morais (1902), O
livro branco, da confederação republicana à eleição do dr. Rodrigues Alves
(1902), O evangelho da República e seus apóstolos (1903), Do Rio... altas
reportagens (1903-1905), Noites de calvário, sátiras em verso (1903), Nos
bastidores – diálogos políticos (1904), Cartas da City (1903), Institutos
equiparados (1904), Exames gerais de preparatórios (1905), Ensino superior e
faculdades (1905), Da Europa – cartas abertas (1906), Pela Itália – impressões
de viagem (1906), Atas e atos do Governo Provisório (1907), As cabeceiras do
rio Verde – parecer da Comissão de Diplomacia da Câmara dos Deputados (1908), A
soberania em ação – perfis políticos (1908), O Tratado de Bogotá (1908),
Necrológio político do dr. Benedito Leite (1909), Tratados de comércio e navegação
do Brasil (1909), A lagoa Mirim (1909), Limites do Peru (1910), O guarda da
alfândega na legislação aduaneira (1910), Reforma da Justiça Militar (1910),
Rio Branco – defesa dos seus atos (1911), O Brasil e o arbitramento (1911),
Associação de Imprensa – relatório (1911), O maior dos brasileiros (1912),
Associação de Imprensa – relatório (1911), A liberdade de imprensa em 1825
(1913), Espanha e Cotê D’Azur (1913), Lourdes e Cotê D’Argent (1913), A Revolta
da Armada e a Revolução Rio Grandense – 2 volumes (1914), Lourdes, conferência
feita em Santos (1914), A conflagração europeia e suas causas – dez edições
(1914), Em torno de um discurso (1914), A Inglaterra e a soberania do Brasil
(1915), O crime do Congo – tradução brasileira (1915), A administração da
República e a obra financeira do dr. Rodrigues Alves (1915), Brazil and the
Monroe doctrine (1915), O ABC e a política americana (1914), A expansão
econômica e o comércio exterior do Brasil (1915), A cultura do arroz e o
protecionismo agrícola (1916), A Black List e o projeto Dunshee (1916), Código
Penal Militar (1916), Ainda a Black List (1916), A Alemanha e a paz – apelo ao
presidente da Câmara dos Deputados (1917), Contra a guerra – declaração de voto
sobre a quebra da neutralidade brasileira (1917), Candidaturas presidenciais
(1917), A ilusão brasileira (1917), Governos e congressos da República – 2
volumes (1918), Cartas americanas – políticas e finanças do Brasil (1918), As
estradas de rodagem e o futuro econômico do Brasil – representação ao governo
federal em nome da Companhia Mineira de autoviação intermunicipal (1919), A paz
europeia e as restrições constitucionais do Brasil – memorial ao presidente da
República (1919), A Grande Guerra e os novos imigrantes – perigos de sua
localização nas fronteiras do Brasil (1919), A boa imprensa (1919), A guerra da
paz (1920-1921), Garcia de Abranches, o Censor – o Maranhão em 1822: memória
comemorativa do primeiro centenário da Independência do Brasil (1922), Karl
Hoepcke (Santa Catarina e os alemães) – concessão à empresa de navegação
Hoepcke (1923), A senhora política – crônicas parlamentares para o Diário de
Notícias da Bahia (1923), Companhia Brasileira Comercial e Industrial – três
relatórios do liquidante (1923-1927), O Tratado de Versalhes e os alemães do
Brasil (1924), A nova Europa – estudo político e econômico das nações do Velho
Mundo depois da Grande Guerra (1924), As indústrias de tecido e as tarifas
aduaneiras (1925), A questão do papel (1925), Interesses holandeses – memorial
ao ministro das Relações Exteriores (1927), Reclamação suíça – o direito dos
neutros e a tradição diplomática do Brasil (1928), Cargas dinamarquesas –
histórico da questão e parecer (1928), Os atos de guerra e o direito de
propriedade dos particulares (1924), O instituto de prescrição e a Grande
Guerra de 1914 (1929), La sainte des brésiliens – discurso proferido na
cerimônia internacional do lançamento da pedra fundamental da Basílica de Santa
Teresinha em Lisieux (1929), Pensées (1930), Ação Católica (1931), Minha Santa Teresinha
(1932), Dois sorrisos de Maria – conferência (1933), A setembrada (1933),
Efemérides de família (1934), Cartas (1934), Um jubileu carmelitano (1935), Uma
vida (1936), Caminho do céu (1936), Fundação Gustavo de Lacerda (reminiscências
dos primeiros dias da Associação Brasileira de Imprensa) (1938), O cativeiro –
memórias (1938), O ilhéu de Vila Franca – uma página da vida dos Açores (1939),
Um manuscrito precioso – memórias sobre o livro “São Pedro Grande de Portugal”,
de Garcia de Abranches, o Censor (1939), A Ordem Terceira de Nossa Senhora do
Carmo – relatório do prior (1940), A esfinge do Grajaú (1940). Joaquim Vieira
da Luz escreveu Dunshee de Abranches e outras figuras.
Pesquisa e texto final:
Raimundo Fontenele
Pesquisa e texto final:
Raimundo Fontenele
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