26 de jul. de 2017

DUNSHEE DE ABRANCHES - HOMENAGEADO DO MÊS

ANTES, TEVE A PENA DO ABRANCHES
            Não querendo diminuir o atual presente, como tempo histórico, mas costumo observar que o Maranhão do século XIX é muito mais rico e teve muito mais importância no cenário político e econômico brasileiro.
            Por isso foi também maior o espaço cultural e social que ocupou no grande labirinto da política e do jornalismo nacionais. E assim sendo produziu vultos de maior grandeza, em quantidade e qualidade, se compararmos com o atual momento dessa longa e turbulenta jornada maranhense, buscando afirmar-se, influir no seu próprio destino e também nos destinos desse país.
            Entre tantas, a figura de Dunshee de Abranches ocupa um lugar único nesta galeria de mitos e heróis da saga da intelectualidade maranhense e brasileira, porque a maioria desses homens deixou a província e foi instalar-se no coração do poder e das decisões, no caso, a capital federal, àquela época a cidade do Rio de Janeiro.
            Escritor, poeta, jornalista, político, exercendo intensa atividade nas letras e na política, engajado em causas nobres como a da Abolição e a da República, além do seu legado pessoal, uma filha sua, cognominada Condessa Pereira Carneiro continuou sua luta, como proprietária de um dos mais importantes órgãos da imprensa brasileira, o Jornal do Brasil que, em vários momentos, revolucionou o jornalismo pátrio. Acompanhem aqui algumas passagens da vida desse nosso ilustre conterrâneo. (RF)
COMO SE FAZIAM PRESIDENTES
         João Dunshee de Abranches Moura (São Luís, Maranhão, 2 de setembro de 1867- Petrópolis, 1941), escritor, jornalista, historiador, jurista, professor, musicista e sobretudo político. Publicou mais de 120 trabalhos, de diversos gêneros.
         João Dunshee de Abranches Moura foi empossado na Presidência da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) em 13 de maio de 1910, com o apoio integral do grupo que controlava a Associação e prometendo defender a liberdade de pensamento a qualquer custo. Em 1911, foi reeleito para mais dois anos de mandato.
         Durante sua administração, várias providências foram tomadas, como a reforma estatutária, aprovada pela Assembléia-Geral de 23 de janeiro de 1911, e a mudança de nome para Associação de Imprensa dos Estados Unidos do Brasil. Constava do novo estatuto a criação da biblioteca e do cargo de bibliotecário ”para o qual foi escolhido Victor da Veiga Cabral” de congressos de jornalistas ”a serem promovidos a cada cinco anos no Rio de Janeiro” e de um Tribunal de Imprensa ”destinado a julgar conflitos da categoria”.
         No mesmo período, foram instituídos a carteira de jornalista, como instrumento de identidade e do exercício efetivo da profissão; o distintivo de sócio, desenhado por Raul Pederneiras; e um fundo de auxílio funeral. A Associação ganhou uma sede modesta no primeiro andar de um prédio da Avenida Central ”atual Rio Branco“, na esquina com a Rua da Assembleia.
         Maranhense de São Luís, Dunshee de Abranches, ainda adolescente, assustou com vivas à República as comemorações da posse do último gabinete do Império. Adulto, converteu-se em apóstolo do novo regime, trocando um diploma de médico já quase conquistado pelo de advogado, que melhores condições lhe oferecia para navegar no tempestuoso mundo da política de então.
         Alicerces sólidos – contemporâneo dos fatos que narra, Dunshee de Abranches distingue com clareza correligionários de adversários. Aos adversários reservou um estilo despojado, exato e respeitoso. Mas aos correligionários dedicou todos os adjetivos de sua admiração.
         Assim, desfilam pelas suas páginas, envolvidas pelas pequenas graças do cotidiano, figuras lendárias como Francisco Glicério, Joaquim Murtinho, Pinheiro Machado, Luís Vianna (pai), Rosa e Silva, J. J. Seabra e muitos outros. Não era, certamente, um mundo de vestais, mas a oficina de trabalho dos artesãos que empreitaram a obra de reconstruir o Brasil a partir das graves opções feitas com a proclamação da República.
         Cada um manobrava, com estilo próprio, o mesmo arsenal de espertezas, dissimulações, galanterias para com os adversários vencidos – e às vezes resvalavam para a mais pura velhacaria, quando se tratava da conquista de uma posição mais importante. Contudo, fiéis quase todos à regra maior da transigência, do entendimento e talvez mesmo da acomodação, puderam dar à obra feita o sentido de grandeza que ela não poderia dispensar.
         Em 1973, sua filha, a condessa Pereira Carneiro, proprietária do “Jornal do Brasil”, publicou três livros reunidos num só, para formar o sétimo volume das obras completas do escritor Dunshee de Abranches. “”O Livro Negro” que trata da cisão do Partido Republicano Federal durante o governo de Prudente de Morais (1894-1898), “O Livro Verde”, sobre as infindáveis negociações que levaram à eleição de Campos Sales para a presidência da República (1897), e “O Livro Branco”, que vai desde a concentração republicana à eleição de Rodrigues Alves (1902), estão compostos no mesmo estilo minucioso, quase à moda de um diário. É o relato da surpreendente, às vezes cavalheiresca, às vezes mesquinha política das primeiras décadas da República.

JOÃO DUNSHEE DE ABRANCHES MOURA
Raimundo Helio Lopes

            João Dunshee de Abranches Moura nasceu na cidade de São Luís no dia 2 de setembro de 1868, filho de Antônio da Silva Moura e de Raimunda de Abranches Moura. Seu avô materno, João Antônio Garcia de Abranches, foi político, jornalista e fundador do jornal O Censor no Maranhão durante o Império.         Iniciou seus estudos em São Luís e em 1884 ingressou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, então capital do Império, tornando-se um defensor das causas abolicionista e republicana. Em 1888 foi nomeado promotor público em Barra do Corda (MA) e, para assumir o cargo, abandou o curso de medicina. No ano seguinte, abdicou da promotoria e retornou ao Rio de Janeiro, onde concluiu seu curso superior. Aí estava quando a República foi proclamada, em 15 de novembro de 1889. Em 1890 tornou-se professor de física, química e história natural no Instituto H. Köpker e no Colégio Brasileiro-Alemão. Também se formou em direito e foi professor honorário da Universidade de Heidelberg, na Alemanha.
            Quando Rodrigues Alves (1902-1906) assumiu a presidência da República, foi nomeado comissário do governo junto aos institutos equiparados de ensino secundário e superior. Por conta dessa atividade, escreveu três relatórios ao ministro do Interior. Em 1903 foi eleito deputado estadual no Maranhão. Foi sucessivamente reeleito deputado estadual até o ano de 1910, a despeito de ter sido eleito deputado federal em 1905. Nesse ano exonerou-se do cargo de comissário do governo de Rodrigues Alves.
            Igualmente reeleito deputado federal para várias legislaturas, permaneceu na Câmara dos Deputados de 1905 a 1917 e aí presidiu a Comissão de Diplomacia e Tratados, a Comissão Especial de Justiça Militar e a Comissão Organizadora do Código Penal Militar. Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), posicionou-se contra a entrada do Brasil no conflito e contra o rompimento de relações com a Alemanha, tendo por isso renunciado à presidência da Comissão de Diplomacia. Fez parte ainda das comissões especiais de reforma da Contabilidade Pública, da Marinha Mercante e do Estatuto dos Funcionários Públicos. Também foi eleito para a Comissão de Instrução Pública, mas não aceitou o posto. Após deixar a Câmara, dedicou-se à advocacia em um escritório estabelecido na cidade do Rio de Janeiro.
            No campo jornalístico, teve intensa atividade. Em 1888 fundou, ao lado de Izac Martins e Antônio Rocha Lima, o periódico O Norte, na cidade de Barra do Corda. Colaborou com os jornais Aurora Boreal, Gazeta do Povo, Século, Pacotilha, País, Diário do Maranhão e Federalista, do Maranhão, e também com Federação, do Amazonas; Gazeta da Tarde, de Pernambuco; Federação, do Rio Grande do Sul; República, do Pará; Comércio de S. Paulo, de São Paulo; e Diário do Norte, da Bahia. No Rio de Janeiro, foi colaborador do Jornal do Comércio, Gazeta de Notícias, Tribuna e Correio da Manhã; diretor de O Dia; redator de O País, e redator do Jornal do Brasil, de 1895 a 1900.
            Em 1910, foi eleito presidente da Associação Brasileira de Imprensa. Reeleito em 1912, ocupou o posto até o final de 1913. Durante sua administração, promoveu a reforma estatutária, aprovada em 1911, e a mudança de nome da instituição para Associação de Imprensa dos Estados Unidos do Brasil. No novo estatuto, ficou aprovada a criação do cargo de bibliotecário, dos congressos de jornalistas – realizados a cada cinco anos – e de um Tribunal de Imprensa, para atuar nos conflitos envolvendo a categoria. Ainda durante sua gestão, foram criados a carteira de jornalista, o distintivo de sócio e um fundo de auxílio funeral. A associação passou a ter uma nova sede, localizada em um prédio na avenida Rio Branco, então avenida Central, esquina com rua da Assembleia, no Centro do Rio de Janeiro. Outra conquista que obteve foi a aprovação, na Câmara dos Deputados, de um projeto de lei que concedia um auxílio anual de 20 contos de réis à associação.
            Foi também sócio do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e membro da Academia Maranhense de Letras.
            Faleceu na cidade de Petrópolis (RJ) no dia 11 de março de 1941.
            Sua filha, Maurina Dunshee de Abranches Marchesini, casou-se em segundas núpcias com Ernesto Pereira Carneiro, empresário e jornalista, proprietário do Jornal do Brasil e conde papal. Com a morte do marido em 1954, a Condessa, como era conhecida, assumiu a direção do jornal.
            Publicou:

            Selva – poesias (1884-1886), Micróbio do cancro, em defesa do dr. Domingos Freire (1887), Propaganda abolicionista e republicana (1888), Transformação do trabalho, memória da Associação Comercial de S. Luís do Maranhão (1888), A República em Maranhão (1888-1889), A reprodução na escala animal, lição mandada imprimir por meus alunos (1890), O mundo biológico, lições finais do curso de fisiologia (1891), Contos e fantasias (1892-1894), Pela paz – poemeto ao dr. Prudente de Morais (1895), Cartas de um sebastianista – sátiras em verso (1895), Memórias de um histórico – 2 volumes (1895- 1896), Manifesto político ao eleitorado do Maranhão (1896), Como se faz o Jornal do Brasil (1896), Papá Basílio – romance naturalista (1897), A crise social – retrospecto político do século XIX (1898), A crise da República – estudo da política brasileira em face do problema mundial (1898), Crônicas políticas (1899-1904), O ano negro da República – retrospecto político financeiro de 1897 a 1898 (1899), Política e finanças – estudo crítico sobre a presidência Campos Sales (1898-1902), Cartas políticas (1898-1899), Silvio Romero – perfil biográfico (1899), Crepúsculo do século, a política mundial em 1899 (1890), Cartas a Rabagas (1900), Crítica de arte (1896-1900), Em prosa e verso – sátiras e folhetins (1896-1901), Juiz de Fora – impressões de um visitante (1899), Sertanejas – crítica artística (1900), Críticas literárias (1898-1901), Críticas musicais (1898-1900), Aspides – sátiras em versos (1901), Diálogos dos mortos – imitação de Luciano (1901), O 10 de Abril (1901), O livro negro – a cisão do partido republicano federal (1902), O livro verde, história do partido do dr. Prudente de Morais (1902), O livro branco, da confederação republicana à eleição do dr. Rodrigues Alves (1902), O evangelho da República e seus apóstolos (1903), Do Rio... altas reportagens (1903-1905), Noites de calvário, sátiras em verso (1903), Nos bastidores – diálogos políticos (1904), Cartas da City (1903), Institutos equiparados (1904), Exames gerais de preparatórios (1905), Ensino superior e faculdades (1905), Da Europa – cartas abertas (1906), Pela Itália – impressões de viagem (1906), Atas e atos do Governo Provisório (1907), As cabeceiras do rio Verde – parecer da Comissão de Diplomacia da Câmara dos Deputados (1908), A soberania em ação – perfis políticos (1908), O Tratado de Bogotá (1908), Necrológio político do dr. Benedito Leite (1909), Tratados de comércio e navegação do Brasil (1909), A lagoa Mirim (1909), Limites do Peru (1910), O guarda da alfândega na legislação aduaneira (1910), Reforma da Justiça Militar (1910), Rio Branco – defesa dos seus atos (1911), O Brasil e o arbitramento (1911), Associação de Imprensa – relatório (1911), O maior dos brasileiros (1912), Associação de Imprensa – relatório (1911), A liberdade de imprensa em 1825 (1913), Espanha e Cotê D’Azur (1913), Lourdes e Cotê D’Argent (1913), A Revolta da Armada e a Revolução Rio Grandense – 2 volumes (1914), Lourdes, conferência feita em Santos (1914), A conflagração europeia e suas causas – dez edições (1914), Em torno de um discurso (1914), A Inglaterra e a soberania do Brasil (1915), O crime do Congo – tradução brasileira (1915), A administração da República e a obra financeira do dr. Rodrigues Alves (1915), Brazil and the Monroe doctrine (1915), O ABC e a política americana (1914), A expansão econômica e o comércio exterior do Brasil (1915), A cultura do arroz e o protecionismo agrícola (1916), A Black List e o projeto Dunshee (1916), Código Penal Militar (1916), Ainda a Black List (1916), A Alemanha e a paz – apelo ao presidente da Câmara dos Deputados (1917), Contra a guerra – declaração de voto sobre a quebra da neutralidade brasileira (1917), Candidaturas presidenciais (1917), A ilusão brasileira (1917), Governos e congressos da República – 2 volumes (1918), Cartas americanas – políticas e finanças do Brasil (1918), As estradas de rodagem e o futuro econômico do Brasil – representação ao governo federal em nome da Companhia Mineira de autoviação intermunicipal (1919), A paz europeia e as restrições constitucionais do Brasil – memorial ao presidente da República (1919), A Grande Guerra e os novos imigrantes – perigos de sua localização nas fronteiras do Brasil (1919), A boa imprensa (1919), A guerra da paz (1920-1921), Garcia de Abranches, o Censor – o Maranhão em 1822: memória comemorativa do primeiro centenário da Independência do Brasil (1922), Karl Hoepcke (Santa Catarina e os alemães) – concessão à empresa de navegação Hoepcke (1923), A senhora política – crônicas parlamentares para o Diário de Notícias da Bahia (1923), Companhia Brasileira Comercial e Industrial – três relatórios do liquidante (1923-1927), O Tratado de Versalhes e os alemães do Brasil (1924), A nova Europa – estudo político e econômico das nações do Velho Mundo depois da Grande Guerra (1924), As indústrias de tecido e as tarifas aduaneiras (1925), A questão do papel (1925), Interesses holandeses – memorial ao ministro das Relações Exteriores (1927), Reclamação suíça – o direito dos neutros e a tradição diplomática do Brasil (1928), Cargas dinamarquesas – histórico da questão e parecer (1928), Os atos de guerra e o direito de propriedade dos particulares (1924), O instituto de prescrição e a Grande Guerra de 1914 (1929), La sainte des brésiliens – discurso proferido na cerimônia internacional do lançamento da pedra fundamental da Basílica de Santa Teresinha em Lisieux (1929), Pensées (1930), Ação Católica (1931), Minha Santa Teresinha (1932), Dois sorrisos de Maria – conferência (1933), A setembrada (1933), Efemérides de família (1934), Cartas (1934), Um jubileu carmelitano (1935), Uma vida (1936), Caminho do céu (1936), Fundação Gustavo de Lacerda (reminiscências dos primeiros dias da Associação Brasileira de Imprensa) (1938), O cativeiro – memórias (1938), O ilhéu de Vila Franca – uma página da vida dos Açores (1939), Um manuscrito precioso – memórias sobre o livro “São Pedro Grande de Portugal”, de Garcia de Abranches, o Censor (1939), A Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo – relatório do prior (1940), A esfinge do Grajaú (1940). Joaquim Vieira da Luz escreveu Dunshee de Abranches e outras figuras.


Pesquisa e texto final:
Raimundo Fontenele

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