11 de ago. de 2017

ARLETE NOGUEIRA DA CRUZ, A HOMENAGEADA


ARLETE, PATRONA* DA MODERNIDADE (1)

            A escritora maranhense ARLETE NOGUEIRA DA CRUZ é a grande homenageada deste mês do nosso blog LITERATURA LIMITE (www.literaturalimite.com.br). Nascida em Cantanhede, em 1936, conheci Arlete lá pelos idos dos anos 70, residindo, se não me falha a memória, no Monte Castelo, e funcionária, à época, da Petrobrás.  Deixa eu bater na madeira três vezes que nossa escritora nada teve a ver com essa Petrobrás de hoje.
            Lembro também que ela estava dispondo-se a fazer um acordo com a empresa, receberia uma indenização e empregaria o dinheiro na construção de uma casa própria.
            Foi através do poeta Viriato Gaspar que fiquei conhecendo a escritora Arlete Nogueira, já autora do romance A Parede, muito bem recebido pela crítica e leitores, livro que a colocou de imediato num lugar destacado no cenário literário maranhense, pois o romance possuía todas as virtudes de uma obra literariamente consistente.
            Numa noite de 1971, início do ano, fui a sua casa em companhia do poeta Viriato levar as poesias de um livro ainda inédito, que mais tarde seria publicado com o título de ÀS MÃOS DO DIA, para sua apreciação, pois Arlete, ao contrário de muitos, jamais foi individualista, ensimesmada em si mesma, ou encastelada no seu próprio mundo. Desde cedo demonstrou ser uma pessoa aberta ao mundo, disposta a contribuir, ajudar, incentivar a todos que a procurassem, ou não: seu destino e sua missão eram bem maior do que tornar-se uma escritora de sucesso.  
            Cabia-lhe, e coube, ser protagonista do desenvolvimento da cultura do nosso Estado, não somente pela sua colaboração e ajuda aos mais novos, e aos indivíduos em si, mas servindo as instituições culturais com zelo e honestidade, virtudes que o tempo apagou ao longo dos anos nos gestores que a sucederam, com alguma exceção, claro.
            Recordo, também, que naquela noite em sua residência em companhia do poeta Viriato Gaspar, falando nós sobre poesia, claro que o nome do poeta Nauro Machado veio à baila, pois, no Maranhão, não se pode falar em poesia sem falar em Nauro que, para o meu gosto pessoal, sem critérios críticos, encarna a própria essência da poesia, ao lado de Gonçalves Dias e Souzândrade.  Essa é a minha trindade poética.  Mas não esqueço a grandeza do Ferreira Gullar, do Bandeira Tribuzzi, do José Chagas e de outros menos votados.
            A escritora Arlete nutria, sim, uma profunda admiração pelo poeta Nauro, e certamente encantava-se também com o verso naureano, e foi muito além de crítica e admiradora da poesia de Nauro, tornando-se, posteriomente, esposa, amiga, irmã e companheira.
            Durante este mês de agosto é esta a nossa homenageada. A mulher. A escritora. A crítica e ensaísta. Romancista e também poeta. Alguém que por trás de uma aparência frágil esconde uma Joana D´Arc guerreira, sempre de pé, firme. Lutando pelo seu grande ideal que é também o de todos nós: a literatura maranhense.
            Obs: (*) Empreguei a palavra patrona por ser a mais adequada a nossa homenageada. Patronesse, de origem francesa, que eu havia pensado, tem um significado mais restrito, significa apenas aquela que promove eventos e festas beneficentes.  Ah, aquela Presidenta deve estar tendo orgasmos de felicidade pela existência da palavra patrona.
             O texto, a seguir, Novos Poetas, de autoria da nossa homenageada, Arlete da Cruz Nogueira, foi publicado originalmente no Jornal do Maranhão, órgão pertencente à Arquidiocese de São Luís, numa página de Literatura, formal e conteudisticamente, muito bem editada pelo crítico de cinema José Frazão, em 14 de março de 1971: (RF)

NOVOS POETAS
Arlete Nogueira da Cruz
            É bom saber que há no Maranhão um grupo, realmente interessante, empenhado em fazer poesia de fato. Alguns, desse grupo, estão ainda na fase inicial, mas apresentando aqui e ali uma tendência a novas conquistas.
            Tenho, em mãos, originais de três desses poetas.

            O primeiro deles é FERNANDO NASCIMENTO MORAES que já demonstra, através de uma poesia de certo modo fragmentada, uma inquietação realmente apreciável. Parece que o mundo todo lhe fez um mal enorme e ele tende a vingar-se através de seu verso, provocado, mas pungente e crucial. Há aquelas implicações verbais: corvo obsceno, putrescíveis, moribundos, sexo, sexo, apodrecido, sujeiras, tempo infecto, devassidão, estrebaria, etc., etc., que filiam o poeta a uma poesia que vai sendo superada, que foi caminho, via, para uma linguagem que se quer menos alucinatória e patológica, despida daquilo que Robe Grilliet chama de “tragédia”. Mas, o próprio poeta reclama disso: “Hei chorado tantas dores tantas / que hoje os meus olhos choram / o mortal complexo / de haver sempre lágrimas parido / no mais pungente anonimato / de amor e sexo”. Acredito que a consciência poética de FERNANDO acabe levando-o a vencer esse “mortal complexo”, que ele mesmo observou, e se expanda em belezas que o seu talento impõe.

            O outro poeta é RAIMUNDO FONTENELE que nos mostra uma poesia pessoal dentro de uma linguagem literária bem caracterizada. Seria uma poesia exclusivamente engajada se não fosse certa consciência artística que parece nortear seu ofício. Já se apresenta mais otimista que FERNANDO, apesar da tristeza da temática que o envolve. Prefere o verso curto, incisivo, e seu poema é às vezes uma resposta ao próprio título. Denuncia-se um ser aberto ao mundo, receptivo e doador, e isto é uma grande diferença: não são as coisas que giram em função dele, é ele quem gira em função de tudo: “amo a necessidade / e quero o necessário / para quem me necessita. / Dou-me, nada tendo. / Dou-me, como necessidade / de não estar em mim”. Se é um poeta que parece negar-se a continuar aqueles caminhos trágicos, com o apogeu nos chamados “poetas malditos”, há quase um século, também nos invalida. Ao contrário, até os abençoa: “Santo é o verbo, sem pressa, / acometido do mesmo mal / que mata a humanidade”.

            O último, dos três poetas que me confiaram seus livros, é VIRIATO GASPAR: uma grande descoberta! Não tenho um lastro de cultura que me permita fazer comparações. Sei apenas, pelos versos deste jovem de dezoito ans (“Já tenho barba, já dezoito anos / (dezoito anos como toneladas) dezoito anos de morrer in verso”.), que se trata aqui de uma sensibilidade realmente notável. Ele é poeta porque é: não se faz à força. Até maldiz essa necessidade, mas não pode escapar à ela: está preso, condenado. Com uma influência de um outro poeta maranhense, não caminha os mesmos caminhos deste. O divino deixa de ser, em VIRIATO, uma necessidade de ordem puramente estética e intelectual, para tornar-se uma realidade profundamente vital. Sua poesia é cada vez mais necessária porque a ligação que o prende ao sagrado, é vivenciada, experimentada. É um poeta para nossos tempos, um profeta a nos apontar uma nova era na poesia maranhense. É ele quem chama: É hora de nascer em novas forças / criadas pela própria infortaleza / que se desvenda em côvados de volta”.

Pesquisa e texto final:
Raimundo Fontenele

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