Também o poeta pernambucano Jamerson
Lemos, mas que estreou com livro em São Luís, onde residiu alguns anos, fazia
parte daquele momento de renovação da poesia maranhense, com uma geração que
seria a substituta natural dos poetas Nauro, Tribuzzi, Zé Chagas, um tríduo
barra pesada, já com uma obra poética densa e consolidada como a grande poesia
maranhense de então.
Mas o Fernando Braga não se tornou
apenas um grande poeta e sim um ótimo escritor, que escreve prosa com a mesma
facilidade com que faz seus primorosos poemas.
Daí surgiu sua antologia Toda Prosa,
com textos abordando crítica, memória, reportagem, enfim um caleidoscópio cultural
e literário dos escritores mais representativos de qualquer época, pois o
Fernando não se atém a períodos ou escolas, e sim aos artistas da palavra com
os quais tem alguma afinidade, ou pelos quais nutre admiração, respeito,
reconhecimento.
Com sua permissão e autorização, pra
deixar tudo com os pingos nos is, recolhi de sua série de Conversas Vadias uma
que trata de um poeta que me é extremamente caro: Mário Faustino. Um poeta
certamente desconhecido do público e, o que é pior e triste, frustrante e
decepcionante, mesmo jovens poetas e literatos em geral, aliás a militância
política aboliu tais denominações: agora são todos intelectuais, termo que
também vai sendo substituído por especialistas; então, não conhecem o Mário
Faustino, no máximo, citam um Drummond,
Manuel Bandeira. Mas ninguém leu nada, ninguém sabe nada. Todos soltaram
as mãos de todos e caíram num abismo de incultura e ignorância. (RF)
Com vocês,
FERNANDO
BRAGA E SUAS “CONVERSAS VADIAS”
Poeta Fernando Braga |
Na segunda metade do século passado,
nasciam os primeiros gritos da nossa geração, a de 60, marcada por muita
claridade. Apesar das mortes violentas de John Kennedy e Martin Luther King,
surgiam no mundo, com grande estrondo, o movimento ‘Hip’ e os ‘Beatles’, e
junto deles, em nosso país, as premonições de ‘Brasil, o País do Futuro’,
escrito pelo judeu-austríaco Stefan Zweig; a inauguração de Brasília; a
nacionalização da indústria automobilística; a era romântica do ‘Fusca’; o
modelo econômico de Roberto Campos; a magia do nosso futebol a encantar o
mundo; a revolução do cinema novo através do talento de Glauber Rocha; o
‘movimento concretista’ a se projetar nas artes, juntamente com os movimentos
musicais da ‘Bossa Nova’, ‘Jovem Guarda’ e ‘Tropicália’, bem como os grandes
festivais, em todos os níveis de arte, a revelar uma juventude brilhante
egressa das Universidades. Ante essa luminosidade toda, o poeta e contista
Mário Luna Filho, ainda jovem estudante de medicina e já laureado pela Academia
Maranhense de Letras em concursos literários, chamava-me atenção, com o brilho
de sua inteligência, para a grandeza e a simbologia imagística da poética de um
outro Mário, o Faustino, recém-falecido em desastre aéreo.
Mário Faustino dos Santos e Silva nasceu em Teresina-Piauí, em 22 de outubro de 1930 e faleceu em Lima-Peru, em 27 de novembro de 1962, com apenas 32 anos de idade, num desastre aéreo. Realizou a maior parte de seus estudos em Belém, onde se tornou redator e cronista de ‘A Província do Pará’ e, em seguida, de ‘A Folha do Norte’, onde foi chefe de redação; foi nesse período que Mário reuniu uma plêiade de jovens escritores, poetas e críticos, seus contemporâneos da ‘Geração de 45’, como Haroldo Maranhão [1927-2004], Oliveira Bastos [1933-2006], Benedito Nunes [1929-2011], Max Martins [1926-2009], Rui Barata [1920-1990], o norte-americano Robert Stock [1923-1981] e a ucraniana, naturalizada brasileira, Clarice Lispector [1925-1977], estes dois últimos residentes também, à época, em Belém do Pará, para colaborarem no suplemento, o qual mantinha intensa conexão com os intelectuais do eixo Rio-São Paulo. Como se viu, esses jovens intelectuais, todos contemporâneos de Mário Faustino, hoje descansam nos resplendores da luz perpétua, infelizmente, para perca da nossa história literária, não mais são lembrados... Com exceção de Clarice que vez por outra é alvo de estudos e citações.
Mário Faustino dos Santos e Silva nasceu em Teresina-Piauí, em 22 de outubro de 1930 e faleceu em Lima-Peru, em 27 de novembro de 1962, com apenas 32 anos de idade, num desastre aéreo. Realizou a maior parte de seus estudos em Belém, onde se tornou redator e cronista de ‘A Província do Pará’ e, em seguida, de ‘A Folha do Norte’, onde foi chefe de redação; foi nesse período que Mário reuniu uma plêiade de jovens escritores, poetas e críticos, seus contemporâneos da ‘Geração de 45’, como Haroldo Maranhão [1927-2004], Oliveira Bastos [1933-2006], Benedito Nunes [1929-2011], Max Martins [1926-2009], Rui Barata [1920-1990], o norte-americano Robert Stock [1923-1981] e a ucraniana, naturalizada brasileira, Clarice Lispector [1925-1977], estes dois últimos residentes também, à época, em Belém do Pará, para colaborarem no suplemento, o qual mantinha intensa conexão com os intelectuais do eixo Rio-São Paulo. Como se viu, esses jovens intelectuais, todos contemporâneos de Mário Faustino, hoje descansam nos resplendores da luz perpétua, infelizmente, para perca da nossa história literária, não mais são lembrados... Com exceção de Clarice que vez por outra é alvo de estudos e citações.
Juntamente com os afazeres
jornalísticos, Faustino cursou a Faculdade de Direito, abandonando-a no
terceiro ano, período em que mereceu uma bolsa de estudos do ‘Institute of
International Education’ para estudar Teoria Literária e literatura
norte-americana, no Pomona ‘College, Claremont’, nos Estados Unidos, onde viveu
dois anos. Em 1955, publicou seu primeiro e único livro de poemas, ‘O Homem e
sua Hora’, mudando-se no ano seguinte para o Rio de Janeiro, onde começou a
trabalhar como professor-assistente na ‘Escola de Administração da Fundação
Getúlio Vargas’- FGV. Tornou-se editorialista do ‘Jornal do Brasil’, assinando
nesse suplemento dominical, a página ‘Poesia-Experiência’, dedicada
exclusivamente à reflexão sobre a tradição, a teoria e a prática poéticas,
principalmente sobre o concretismo, grande foco ao tempo, onde ganhou
notoriedade.
Em fins de 1959, decepcionado com os
rumos tomados pelo suplemento, desistiu da militância literária e passou a
dedicar-se exclusivamente à redação e ao editorial do jornal. Com a interrupção
da página, surgiram várias propostas de trabalho no país, mas Mário optou pelo
posto de jornalista no ‘Departamento de Informação da Organização das Nações
Unidas’ [ONU], em Nova York, entre 1960 e 1962; de retorno ao Brasil, assumiu,
por curto período, o cargo de editor-chefe da ‘Tribuna da Imprensa’, logo
vendido para o próprio Jornal do Brasil..
Vejamos Mário Faustino nesse ‘Soneto’, publicado em ‘Os melhores poemas’, 2ª ed. São Paulo, Global, 1988:
Vejamos Mário Faustino nesse ‘Soneto’, publicado em ‘Os melhores poemas’, 2ª ed. São Paulo, Global, 1988:
SONETO
“Necessito
de um ser, um ser humano
que
me envolva de ser
contra
o não ser universal, arcano
impossível
de ler
à
luz da lua que ressarce o dano
cruel
de adormecer
a
sós, à noite, ao pé do desumano
desejo
de morrer.
Necessito
de um ser, de seu braço
escuro
e palpitante
necessito
de um ser dormente e lasso
contra
meu ser arfante:
necessito
de um ser sendo ao meu lado
um
ser profundo e aberto, um ser amado”.
Em ‘Alma que Foste Minha’, publicado em
‘Antologia Poética’, Faustino transcende a beleza imagística:
ALMA QUE FOSTE MINHA
“Alma
que foste minha,
desprendida
de meu corpo e de meu espírito,
leque
de palma sem raízes, sem tormentas
que
gênero esta noite te distingue,
que
metro te organiza, por que dogmas,
que
signos te orientam — rumo a quê?
—
Mestre, qual é o sexo das almas? Desmarcada e sem cordas
alma
que foste minha
sem
cravos e sem espinhos
que
trigo milenar te mata a fome divina
que
pirâmide encerra tua essência nudíssima
que
corpo te defende de ti mesma do espaço
que
idade, quantas eras, contra o tempo alma anárquica
desmarcada
e sem cravos
sem
precisão de estar
ou
de ficar
—
Que te vale Bizâncio?
ou
de mudar
ou
de fazer, ou de ostentar
— Que te vale este verso?
apoética,
absurda
como
chamar-te alma, de quê, quando.
para
quê, alma de morto, para onde?”
Poeta Mário Faustino e capa do seu livro |
VIDA TODA LINGUAGEM
“Vida
toda linguagem,
frase
perfeita sempre, talvez verso,
geralmente
sem qualquer adjetivo,
coluna
sem ornamento, geralmente partida.
Vida
toda linguagem,
há,
entretanto um verbo, um verbo sempre, e um nome
aqui,
ali, assegurando a perfeição
eterna
do período, talvez verso,
talvez
interjectivo, verso, verso.
Vida
toda linguagem,
feto
sugando em língua compassiva
o
sangue que criança espalhará — oh metáfora ativa!
leite
jorrado em fonte adolescente,
sémen
de homens maduros, verbo, verbo.
Vida
toda linguagem,
bem
o conhecem velhos que repetem,
contra
negras janelas, cintilantes imagens
que
lhes estrelam turvas trajetórias.
Vida
toda linguagem —
como
todos sabemos
conjugar
esses verbos, nomear
esses
nomes:
amar,
fazer, destruir,
homem,
mulher e besta, diabo e anjo
e
deus talvez, e nada.
Vida
toda linguagem,
vida
sempre perfeita,
imperfeitos
somente os vocábulos mortos
com
que um homem jovem,
nos
terraços do inverno, contra a chuva,
tenta
fazê-la eterna — como se lhe faltasse
outra,
imortal sintaxe
a
vida que é perfeita
língua
eterna”.
Por fim, ouçamos o poeta em ‘Viagem’,
publicado no livro ‘Poesia’, em 1966, poema integrante da série ‘Esparsos e
Inéditos’. Terá sido este poema o ‘Canto de Cisne’ de Mário Faustino a prever o
que iria acontecer quando sobrevoava os Andes?
VIAGEM
“Apago
a vela, enfuno as velas: planto
um
fruto verde no futuro, e parto
de
escuna virgem navegante, e canto
um
mar de peixe e febre e estirpe farto —
e
ardendo em festas fogo-embalsamadas
amo
em tropel, corcel, centauramente,
entre
sudários queimo as enfaixadas
fêmeas
que me atormentam, musamente —
e
espuma desta vaga danço e sonho
com
címbalo e símbolos, harmônio
onde
executo a flor que em mim se embebe,
centro
e cetro, curvando-se ante a sebe
divina
— a própria morte hoje defloro
e
vida eterna engendro: gero, adoro”.
Ou neste ‘Romance’, publicado em
'Antologia Poética'? Talvez tenha sido este o canto derradeiro de Mário
Faustino:
ROMANCE
“Para as Festas da Agonia
vi-te chegar, como havia
sonhado já que chegasses:
vinha teu vulto tão belo
em teu cavalo amarelo,
anjo meu, que, se me amasses,
em teu cavalo eu partira
sem saudade, pena, ou ira;
teu cavalo, que amarraras
ao tronco de minha glória
e pastava-me a memória,
feno de ouro, gramas raras.
era tão cálido o peito
angélico, onde meu leito
me deixaste então fazer,
que pude esquecer a cor
dos olhos da Vida e a dor
que o Sono vinha trazer.
Tão celeste foi a Festa,
tão fino o Anjo, e a Besta
onde montei tão serena,
que posso, Damas, dizer-vos
e a vós, Senhores, tão servos
de outra Festa mais terrena —
não morri de mala sorte,
morri de amor pela Morte”.
Além de seu único
livro O HOMEM E SUA HORA, Faustino traduziu Ezra Pound e Robert Stock para o
português.
“Com os Andes não se brinca”, escreveu um dia Dom Pablo Neruda, amigo querido de Mário Faustino, e foi justamente lá, a sobrevoar as neves eternas, que o homem viu sua hora e não chegou ao seu destino. O poeta infelizmente estava naquele último ‘Voo 810, da Varig’.
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Fernando Braga, in ‘Toda prosa’, antologia de textos do autor.
Ilustração: Capa do livro com foto do poeta Mário Faustino.
“Com os Andes não se brinca”, escreveu um dia Dom Pablo Neruda, amigo querido de Mário Faustino, e foi justamente lá, a sobrevoar as neves eternas, que o homem viu sua hora e não chegou ao seu destino. O poeta infelizmente estava naquele último ‘Voo 810, da Varig’.
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Fernando Braga, in ‘Toda prosa’, antologia de textos do autor.
Ilustração: Capa do livro com foto do poeta Mário Faustino.
Texto final:
Raimundo Fontenele
Raimundo Fontenelle, meu poeta, acabo de ganhar o dia pela generosidade das tuas palavras a meu respeito contidas no 'nariz de cera' deste trabalho sobre o fantástico poeta piauiense Mário Faustino... Sigamos fazendo nossa parte por mais que nos pareça pouca. Belíssima tua página! Beijos n'lama do Fernando Braga"
ResponderExcluirSem dúvida, que o nosso solo é terra fértil de vultosos e célebres dons como esses magníficos textos relatam! A nossa literatura não seria a mesma sem a contribuição de nossos patrícios. Obrigada Fontenelle e tantos outros, obrigada!
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