31 de out. de 2016

VAMOS LER HUMBERTO?

Humberto de Campos - Homenageado do Mês
31 de Outubro é o Dia das Bruxas em outras culturas, mas nós já o incorporamos por aqui como fizemos a outras festividades, o Papai Noel, por exemplo. O que sei é que entre nós neste ano de 2016 veio a calhar: a Bruxa se jogou pra cima do PT e suas maléficas filiais PSOL, PCdoB, Rede e não deixou pedra sobre pedra.
A Esquerda Brasileira, a Esquerda burra, troglodita, a que berra “Morte aos Capitalistas”, a que chama a todos que não professam de seus ideais de “Fascistas”, “Homofóbicos”, está mais perdida que cego em tiroteio ou igual a cachorro quando cai do caminhão de mudança.
Nós, não. Nós estamos tranquilos, confiantes, com a nossa Bandeira Verde e Amarela, Azul e Branca, vivendo em Ordem em busca da Paz e, no meu caso, com toda autoridade moral pra cobrar do Governo do Estado do Maranhão, minha terra natal, que tome vergonha na cara.
Que pare de gastar nosso dinheiro de forma irresponsável. Falo sobre o dinheiro destinado à Cultura. Pare de fazer festinhas e eventos, de levar para o Estado cantores e grupos e artistas que não vão acrescentar nada no mapeamento, aprofundamento e desenvolvimento dos verdadeiros guetos culturais do interior, tudo transformado em currais eleitorais sob o comando dos novos feitores, os senhores prefeitos municipais.
Não há diferença do Maranhão do Sarney para o Maranhão dos Dinossauritos. E, se há, é pra pior. Fomentar Cultura não é fazer festa para as jovens elites ludovicenses. E a juventude do interior, atirada em escolas em frangalhos, sem um espaço físico adequado, sem bibliotecas, sem salas de informática, sem um programa cultural permanente, vai fazer o que?
É tudo feito visando as próximas eleições. Tudo gira em torno desse projeto maldito de continuarem encastelados no Palácio dos Leões e nas Prefeituras sugando o nosso dinheiro, o nosso suor e o nosso sangue, bando de vampiros contemporâneos, descidos de uma caravela infernal chamada Partido Político.
Foi esse recado que me mandou dizer o nosso homenageado do mês, Humberto de Campos, esquecido, como tantos outros, das nossas escolas, dos nossos centros culturais que não o homenageiam ou cultivam do modo que lhe faria mais satisfeito e feliz: lendo-o.
Pois aqui estão quatro continhos maneiros (O Filósofo, A Rosa Azul, A Bilha e O Troco), alegres, cheios de picardia e nonsense, do seu livro A Serpente de Bronze* (vertido para PDF e disponibilizado na Internet pela Universidade da Amazônia e não pela do Maranhão, como prova do que acima falei), para relaxarmos um pouco e engolir esses sapos horrendos que a Politicalha Maranhense teima em nos empurrar goela abaixo.
* A Serpente de Bronze" é um livro de contos de autoria do escritor Humberto de Campos, datado de 1921. Livro em que Humberto de Campos (Conselheiro XX), faz uma crítica social e política através do humor.

O FILÓSOFO

           
Educado no Colégio Caraça, o coronel Venâncio Figueira, fazendeiro em Uberaba, havia se contaminado, pouco a pouco, de filosofia e de latim, de modo a preocupar-se, mais do que o necessário, com os graves problemas da vida.
Manuseador quotidiano de certos autores profanos, ele se punha, às vezes, a pensar, no alpendre da sua casa de fazenda:
— Sim, senhor! Esses filósofos têm razão! Este mundo é tão desigual, tão cheio de injustiças, de irregularidades clamorosas, que qualquer mortal, encarregado de fazê-lo, o teria feito melhor!
 E acentuava, melancólico:
— Este mundo está muito mal feito!...
À noite, porém, reunida a família na sala de jantar, o velho fazendeiro arreganhava os óculos no nariz, tomava a "Bíblia", chegava para mais perto o lampião de querosene, e punha-se a ler, pausado, o "Livro de Jó".
E começava, de novo, a meditar, diante destas palavras do capitulo 38 e seus versículos: "4 — Onde estavas tu, quando eu fundava a terra? Faze-mo saber, se tens inteligência. "25 — Quem abriu para a inundação um leito, e um caminho para os relâmpagos e trovões? "41 — Quem prepara aos corvos o seu alimento, quando os seus filhotes implumes gritam a Deus, e andam vagueando por não terem de comer?"
Certo dia, dominado pelas idéias reacionárias bebidas em autores modernos, passeava o coronel pelo pátio da fazenda, quando, ao ver as andorinhas que voejavam por cima do gado, voltou novamente a raciocinar:
— É isso mesmo, não há duvida! O mundo é muito mal arranjado. Aqui está, por exemplo; este boi. Porque, tendo ele chifres, patas, orelhas, e sendo tão forte, há de viver sempre na terra, a arrastar-se pelo solo, quando aquela andorinha, que não tem nada disso, se locomove, rápida, ligeira, dominando os ares?
Nesse momento, porém, uma andorinha que lhe passava por cima, deixou escapar alguma cousa que lhe fazia sobrecarga, e que foi cair, certeira, na cabeça descoberta do coronel.
Este levou a mão instintivamente à calva, e, olhando os dedos brancos daquela indignidade, caiu de joelhos, clamando, arrependido:
— Perdoai-me, Senhor, perdoai-me! O mundo está muito bem organizado! O que nele há, o que nele vive, o que nele existe, foi feito com perfeição, com acerto, com sabedoria!
E levantando-se, limpando a mão:
— Imagine-se que fosse um boi....

A ROSA AZUL
O comendador Luiz de Faria acabava de fechar os olhos à velha marquesa de São Justino, adoçando-lhe o momento da morte com a notícia alvissareira e mentirosa da completa regeneração do seu neto, o estudante Guilherme de Araújo, quando o encontrei à porta da casa funerária, à espera do seu automóvel.
Abalado, ainda, pela emoção daquele instante, em que tivera de lançar mão de uma falsidade para perfumar o último sopro de uma vida de virtudes e sofrimentos, o antigo par do reino português aceitou um lugar no meu "taxi", e confessou-me, em viagem:
— A mentira, meu amigo, é, às vezes, uma necessidade. Aquela de que me socorri há meia hora, para suavizar a morte de uma santa, de uma senhora cuja maior esperança consistia no futuro de um neto que se desgarrara do lar, era tão necessária como a do prior da Cartuxa para alegrar a agonia daquele célebre monge do Bussaco.
Eu olhei, interrogativamente, o meu companheiro de viagem, e ele, percebendo a ignorância, indagou, com admiração:
— Não conhece, então, a lenda da rosa azul? À minha afirmativa, que lhe pareceu estranha, o comendador apoiou as mãos robustas no castão de ouro da bengala, e contou:
— No Mosteiro da Cartuxa, no Bussaco, em Portugal, vivia, em séculos que já se foram, um piedoso e santo monge, cuja vida se consumia, inteira, entre a oração e as rosas. Jardineiro da alma e das flores, passava ele as manhãs de joelhos, no silencio da nave, aos pés de um Cristo crucificado, e as tardes, no pequeno jardim da ordem, curvado diante das roseiras, que ele próprio plantava e regava.
O comendador interrompeu um momento a narrativa, recostou-se na almofada, e continuou: A sua paciência de jardineiro era absorvida, entretanto, por uma idéia, que era um sonho: encontrar a rosa azul das legendas do Oriente, de que tivera noticia, uma noite, ao ler os poemas latinos dos velhos monges medievais.
Para isso, casava ele as sementes, os brotos, fundia os enxertos, combinando as terras, com que as cobria, e as águas, com que as regava, esperando, ansioso, o aparecimento, no topo da haste, do sonhado botão azul! Ao fim de setenta anos de experiências e sonhos, em que se lhe misturavam na imaginação as chagas vermelhas de Cristo e as manchas celestes da sua rosa encantada, surgiu, afinal, no coroamento de um galho de roseira, um botão azul, como o céu. Centenário e curvado, o velhinho não resistiu à emoção; adoeceu, e, conduzido à cela, ajoelhou-se diante do Crucificado, pedindo-lhe, entre soluços pungentes, que, como prêmio à santidade da sua vida, não lhe cerrasse os olhos sem que eles vissem, contentes, o desabrochar da sua rosa azul.
Uma nova pausa, e o meu companheiro tornou:
— Em volta do santo velhinho, no catre do mosteiro, todos choravam, compungidos. E foi, então, que, divulgada de boca em boca, foi a noticia ter a um convento das proximidades, onde jazia, orando e sonhando, uma linda infanta de Portugal. Moça e formosa, e, além de formosa e moça, — fidalga e portuguesa, compreendeu a pequenina freira, no jardim do seu sonho, o valor daquela ilusão, e correu à sua cela, consumindo toda uma noite a fazer, com os seus dedos de neve, uma viçosa flor de seda azul, que perfumou, ela própria, com essência de gerânio. E no dia seguinte, pela manhã, morria no seu catre, sorrindo entre lágrimas de alegria, por ter nas mãos tremulas, por um milagre do céu, a sua rosa azul!
O "taxi" parava no meio-fio da calçada, o comendador acrescentou, estendendo-me a mão agradecida:
— Feliz, meu amigo, aquele que morre, como esse monge e a marquesa, apertando nas mãos a rosa, mesmo mentirosa, de uma roseira de que cuidou toda a vida.

A BILHA
Sentado em um banco de madeira tosca, colocado por ele próprio diante da sua chácara do "Bom Retiro", a dois quilômetros de São Fidelis, olha o coronel Saturnino as grandes águas do Paraíba, que rola, sereno e inchado, no rumo de São João da Barra.
A cinco metros do honrado fazendeiro, no leito do rio, emergem duas cabeças queridas: a do filho, o Alfredinho, um pirralho louro, forte, vivaz, de quatro anos, feitos em setembro, e a da sua segunda esposa, D. Florinda, cujos cabelos castanhos, soltos e molhados, lhe orlam, como um capuz de freira, o formoso rosto moreno.
O fazendeiro olha, sorrindo, os dois banhistas que lhe enchem o coração, e dá ordens:
— Não vá para longe, Alfredo. Fique aí mesmo.
E para a esposa:
— Mergulhe, Lindinha. Está com medo? A moça dá um mergulho ligeiro, e aparece mais distante, com os lindos olhos fechados, para que lhe escorra melhor sobre o colo forte, como pérolas dissolvidas, a água que lhe encharca os cabelos.
Diverte-se o coronel, assim, com os dois anjos que lhe constituem a família, quando, tomando uma bilha velha e inservível que se achava próxima, se põe de pé, e a atira, longe, um exercício dos músculos vigorosos, na corrente do rio. Apanhada pela correnteza, a vasilha de barro começa a descer, rápida, rodopiando, arrebatada pelas águas.
De repente, porém, com a boca para cima, começa a encher-se, afundando-se pouco a pouco, até que desaparece, sem deixar vestígio, no tumulto um redemoinho fervente. Alfredinho olha, atento, a viagem da vasilha, e, vendo-a desaparecer na voragem, franze o cenho infantil, perguntando, intrigado, ao velho:
— Papai, por que é que a bilha foi para o fundo?
— Porque entrou água; está claro! — explicou o coronel.
— Ela não estava com a boca para cima?
— Estava, sim.
— E como entrou água?
— Porque estava furada, — tornou o velho.
O pequeno meditou um instante, franziu a testazinha inteligente, e, olhando Dona Florinda, que se encaminhava com o rosto fora d'água, para o meio do rio, gritou, alto, alarmado, com a vozinha fina:
— Mamãe, venha mais p'ra beira!...

O TROCO
 O Joaquim P'reira acabava de chegar da "terra" com o seu chapelão de abas largas e seu sólido jaquetão de veludo, quando "sô" Manoel Guimarães, proprietário da Padaria "Flor de Braga", o convidou para caixeiro.
— O essencial - avisou, entretanto, "sô" Manoel, — é que sejas honesto. O outro rapaz que eu cá tinha, pu-lo eu ontem na rua por m'haver deitado fora dois mil réis que dele não eram. Toma tu juízo, que, cá, comigo, prosp'rarás.
O Joaquim prometeu não bulir, jamais, em dinheiro da casa, e, dois dias depois, era admitido, com todos os sacramentos da rosca e da farinha de trigo, como caixeiro da "Flor de Braga". E estava já há uma semana no emprego, quando "sô" Manoel o chamou:
— "Sô" P'reira?
— Cá 'stou! — acudiu o Joaquim.
— Vá à casa do Almeida, no principio da rua, e receba esta conta de vinte mil réis.
E recomendou, prudente:
— Cuidado com o dinheiro!
O Joaquim pegou na conta, foi à casa indicada, recebeu uma cédula de vinte mil réis, e vinha, reto, no rumo da padaria, quando se encontrou com um conterrâneo, o Zé Moreira, a quem não tinha visto desde a chegada. Trocados os primeiros abraços, o Moreira convidou:
— Vamos solenizar o encontro! Arre, lá! Vamos cá à cervejaria! Aceito o convite, foram os dois, beberam duas garrafas, trocaram notícias e saudades, e ia o Joaquim despedir-se, quando o Zé reclamou:
— E quem paga isso?
— Tu; ora essa!
— Mas eu cá não tenho um vintém; e se não pagares tu, iremos os dois bater à cadeia, o que é pior! Amedrontado e arrependido, o Joaquim arrancou do bolso a cédula de vinte, pagou os mil e seiscentos da cerveja, recebeu dezoito mil e quatrocentos de troco, e ia pensando no meio de justificar-se perante "sô" Manoel, quando teve uma idéia, que pôs em pratica.
Entrou na padaria pela porta lateral e, chamando o "Leão", um canzarrão que tomava conta da casa, pôs-se a brincar com ele, aos pulos, até que, de repente, soltou um grito.
— Que é isso lá? — trovejou "sô" Manoel, acorrendo.
Com os olhos em lágrimas, o P'reira contou o desastre:
— Foi uma desgraça, patrão! Imagine o senhôre, que eu vinha cá com o dinheiro na mão, uma cédula de vinte mil réis, e o cachorro avançou-me neles, e engoliu-os!
"Sô" Manoel franziu a testa, calculou o prejuízo, e, de um salto, estava diante do "Leão", empunhando uma garrafa de óleo de rícino. Auxiliado pelo Joaquim, abriu a boca ao animal, e, depois de purgá-lo, recomendou ao rapaz:
— Agora, fica-te cá, junto do bicho, à espera do dinheiro. Logo que ele o deite, segura-o.
Meia hora depois estava "sô" Manoel de volta, a saber noticias do purgante:
— Já deitou o dinheiro? indagou do empregado.
O Joaquim, que esperava, ansioso, por esse momento, abriu a mão, e mostrou, desafogado:
— Todo, todo, não senhôre; até agora só deitou 18$400! E entregou o troco da cerveja.

Pesquisa e texto final:
Raimundo Fontenele





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