Hoje
trazemos a última postagem das CRÔNICAS DO PUCUMÃ, mas os leitores poderão, a
partir de fevereiro do próximo ano, ter em mãos o livro impresso com outros
episódios inéditos, inclusive a entrevista histórica com o senhor JOÃO BINA,
cujo relato traz fatos anteriores até à década de vinte. Portanto, muitas
surpresas ainda serão reveladas. Acompanhe aqui no nosso Blog o andamento desse
projeto histórico.
Não esqueçam: a partir da próxima
quarta feira, dia 23, uma nova série os aguarda, cumprindo assim esse blog o
objetivo a que se propôs: levar a todos a boa literatura, a arte, o livro, os
assuntos palpitantes que enriquecem a nossa vida e o nosso cotidiano. www.literaturalimite.com.br. Visualize, compartilhe e inscreva-se no nosso
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O TEMPO PASSANDO... (continuação)
Por esse tempo outro serviço de alto falante
alegrava as noites são-dominguenses. Tratava-se do Serviço de Alto Falante
Tupinambá, de propriedade do senhor Firmino Azevedo, pai do nosso amigo Ivar,
funcionando na Rua Sete de Setembro, que era também sua residência.
Andei fazendo um programa de curta duração em que
promovi um sorteio para crianças, com prêmios, para quem cantasse melhor.
Arrecadei alguns prêmios com os comerciantes.
Competição realizada, maior empolgação, sorteio
realizado, escolhido os ganhadores que foram premiados em seguida. Acontece que
alguns capetinhas que não ganharam ficaram me esperando com pedras na mão perto
da esquina da dona Dudu do João Antônio e tive que sair no pinote com a
gurizada atrás.
Também o Paulo do João Padeiro possuiu um serviço
de alto falante. A minha referência de data é que quem fazia muito sucesso
nesse tempo era o Ronie Von, com a música O Carpinteiro, portanto já início dos
anos sessenta.
Com esse serviço de som do Paulo, ele, eu e o Zé Queimado passamos o dia
inteiro fazendo propaganda pela cidade do grande show que haveria em São
Domingos. Era o cantor de maior sucesso em todo o norte e nordeste brasileiro,
adivinhem quem era. Acertou quem disse ou pensou Valdick Soriano.
Teve até brigas de namorados que sentiam ciúme e
não queriam que as namoradas fossem ver o pilantra, perdão, o cantor. E as
meninas por nada do mundo iriam deixar de ver o galã número um da cena musical
daquele momento, e, por conta disso, até romances chegaram ao fim.
Mas o Valdick Soriano era chegado numa birita, e
depois do show o cara foi tomar umas e outras lá pelos lados do Pavão (nome
chic da região dos cabarés) e, quando ele chegou no hotel, teve o maior quebra
pau com a mulher que andava em sua companhia. Resultado: eles anoiteceram e não
amanheceram, devendo o nosso serviço de propaganda e também a conta no hotel,
que não era outro senão o Hotel Brasília.
A Eva, que não era de brincadeira, fretou um jeep e
foi lá em Presidente Dutra onde o Waldick ia se apresentar e conseguiu arrancar
do malandro o que ele lhe devia. E nós, que fizemos a propaganda, bem, nós
entramos pelo cano.
SAPATOS, CALÇAS E CAMISAS, E POEIRÃO
DA ESTRADA
Assim vejo os ciclos econômicos do município. Visão
puramente de cronista e sem nada da rigidez fria e exata das análises
científicas. Mas da forma que elas se refletiram na minha vida e na vida dos
meus amigos, colegas, conhecidos mais chegados.
Estávamos no final da década de cinquenta. O
comércio era exercido pelos próprios proprietários que, às vezes, quando muito
tinham ali um parente ou agregado que os ajudava aos sábados quando o movimento
aumentava por causa da Feira.
Funcionalismo público? A gente contava nos dedos da
mão esquerda. Então a grande classe, fora do comércio, era a dos sapateiros.
Com oito anos de idade fui colocado na Sapataria do senhor João Miguel, como
aprendiz, e tive como mestres Rosalino, Luís Canivete e Dominguinho. Não
esqueço o amigo Filadélfio.
Nessa Sapataria, localizada no primeiro quarteirão
após a Praça Getúlio Vargas, vivi boas experiências, pra não dizer
traquinagens. Como quando comecei a faltar, chegava em casa no meio da tarde
pra fazer um lanche, suado, cansado, vermelho do sol e do jogo de bola, e minha
mãe estranhava e perguntava porque eu estava daquele jeito.
– Ah, mãe, é de lixar a sola do sapato..
E quando ela dizia que ia lá ver como é que eu
estava no serviço, eu rebatia de pronto:
– Pelo amor
de Deus, mamãe, não vá. Sapateiro não respeita ninguém, principalmente gente
velha. Dão vaia, jogam garra de sola...
Um dia ela resolveu aparecer por lá e nada de me
encontrar e os caras abriram o jogo e lhe disseram que fazia quase um mês que
eu não aparecia. Aí em casa o couro comeu.
A outra grande Sapataria era a do senhor Enéas
Miguel, irmão do João Miguel, também na Rua de Colinas, esquina com a Rua
Clodomir Cardoso. E lá fui aprendiz de
um dos sapateiros mais famosos e dos que mais ganhava dinheiro nessa arte em
São Domingos: o Zé Garrincha.
Nos fins de semana o Zé Garrinha metia uma calça e
camisa de linho branco, impecáveis, e com o bolso recheado, solteiro, subia a
conhecida ladeira que ia dar no Pavão, farrear com as primas.
Ele trabalhava com até seis aprendizes em volta da
banca. Após receber o rosto do sapato tinha que fazer o solado e montar. E
dizia pra nós o seguinte: o negócio é trabalhar ligeiro, não importava algum
defeito, algum prego que ficasse mal rebatido, e que certamente iria incomodar
o comprador. O segredo era o brilho final. Sapato pretinho, brilhante, o
caboclo comprava sem muito lenga-lenga. E assim sua produção era maior que a de
todos os outros.
Então teve
essa fase em que o sapateiros eram os caras que tinham dinheiro, faturavam bem,
eram bem vistos na cidade pelas moças que estavam a fim de arranjar um
namorado.
E os senhores João Miguel e seu irmão Enéas Miguel
foram dois nomes da maior importância no comércio calçadista da São Domingos do
fim da década de 50 e início da década de 60. Possuíam as duas maiores
sapatarias da cidade, ambas na Rua Major Delfino Calvo, antiga Rua de Colinas e
hoje chamada de Rua Principal.
A classe de sapateiros era, àquela época, o que
havia de mais chic em termos de emprego e trabalho. Filadélfio, Luís Canivete,
Dominguinhos, Marceu, Rosalino, os irmãos Elias e Olavo que, além de
sapateiros, eram craques do Palmeira Futebol Clube, e tantos outros passaram e
serviram nestas casas comerciais.
Depois, com a inauguração das Casas Pernambucanas e
com outras casas comerciais que começaram a vender calçados comprados em outras
praças como Fortaleza, Recife, Floriano, a atividade de confecção de calçados
declinou bastante e os empregados das Casas Pernambucanas assumiram o lugar que
pertencera aos sapateiros.
Parece que eu estava em todas e sempre fazendo das
minhas. Foram selecionados os funcionários para trabalharem na instalação da
loja e prepará-la para a inauguração. O gerente era o senhor Zé Carlos, vindo
de São Luís, se não estou enganado, e para atender na loja, com grande
experiência, vieram o Borges, de Pedreiras e o Walfredo, parece que de Bacabal.
De São Domingos era o João Paulo, o Jonas, o
Neguinho do Zeza, e para trabalhar no escritório me lembro da Creuza, e menores
de idade eu, que trabalhava no escritório, mas aos sábados ficava na entrada da
loja, numa banca de retalhos, onde fazia o serviço de locução e propaganda e o
outro era o Patônio, tipo ofice boy. E o João Paulo e o Neguinho do Zeza se
revezavam como os grandes campeões em vendas, numa concorrência que só ajudava a
lucratividade daquela casa comercial.
A gente estava num trabalho de abrir fardos de
tecidos, arrumar as prateleiras, e tendo que trabalhar à noite para a
inauguração que seria no sábado. Na sexta feira à noite tinha uma festinha de
aniversário na Rua dos Cardoso e lá fui eu, inventando para o senhor Zé Carlos
que estava doente. Dia seguinte alguém contou que eu estava na tal festa e ele
já me dispensou de cara. Despedido antes mesmo da inauguração da loja.
Mas nem sei quem intercedeu por mim, o que sei é
que fui chamado de volta. E assim, naquele momento, os funcionários da
Pernambucana eram os caras. Todo fim de semana tinha cervejada na casa do
Walfredo, sempre matavam um jabuti, sua casa era na Rua dos Cazé e assim a vida
seguia, e era essa nossa turma que tinha agora a preferência feminina.
Pouco tempo depois chegaram os cassacos. Os caras
que vieram trabalhar na estrada de rodagem, como se chamava na época, nada de
BR, era a estrada que vinha de São Luís até São Domingos.
Tinha engenheiro, tinham outros profissionais e os
cassacos, só sei que chegaram e faturavam muito bem, tornando-se concorrentes
dos rapazes de São Domingos, que se mordiam de ciúme, como na música do Ultraje
a Rigor. Eu mesmo quase perdia uma namorada para um pilantra desses. Lembro de
um tal de Ribamar, apelidado Ribamar Quebra Galho, por quem as garotas
suspiravam e foi esse malandro que andou arrastando a asa para a minha garota.
Mas a gente precisava da estrada. Porque antes, o
que havia de transporte, era um ônibus da companhia Estrela Dalva fazendo a
linha Floriano-Imperatriz, dirigido pelo Bertoldo, uma viagem que durava dias,
no inverno, então, nem se fala.
O ônibus era daqueles de bancos inteiriços de
madeira, as entradas eram de um lado ao outro, e além dos apetrechos que o
motorista levava para vencer os atoleiros, como pás, enxadas, grossas
correntes, os passageiros podiam levar animais vivos, tudo no bagageiro, e
sacas de tudo que era mantimento.
Os donos eram os Caetanos, e o que eu conheci de
perto era o senhor Pedro Caetano e essa empresa Estrela Dalva prosperou, eles
enriqueceram e ela foi o embrião da que viria se transformar depois nessa
gigante das estradas, a Transbrasiliana.
E assim, meses e meses, os trabalhadores da estrada
permaneceram em São Domingos, incrementando também a economia local, pois muito
do que ganhavam era gasto nas casas de comércio de São Domingos, e assim o
município prosperava e se desenvolvia.
Mas os rapazes não estavam nem aí para esse lance
de economia, o problema era que aqueles forasteiros estavam sempre em volta das
moças, amigas e namoradas, e aquele Ribamar Quebra Galho, que tinha um charme
todo especial, pois várias moças se atiravam pra ele, terminou casando com uma
são-dominguense, a Irecê.
Pra quem se lembra e para quem não sabe, a Irecê
era irmã da Marifran e do Patônio, meu colega de Pernambucana, os três filhos
de dona Marica, proprietária de uma pensão na Rua de Colinas, onde depois
funcionou o clube dirigido pelo Antônio Pinto, ali por perto de onde se
localiza o comércio do Chico do Horácio.
E a cidade se expandia, além dos comerciantes da
Praça, a Rua de Colinas tinha, além das duas Sapatarias dos irmãos Miguel, João
e Enéas, o comércio do senhor Francisco Maia, do João Torres, o Cartório do Zé
Freitas, senhor Raimundo Cosmo, senhor Tonho de dona Alvina, a Padaria do João
Padeiro, senhor Francisco Mariano, ou Chico Marreteiro, e o senhor José do
Fargo, dono de uma Usina de beneficiar arroz e de um caminhão com essa marca
que lhe servia de complemento no nome, já bem próximo do início da subida da
ladeira de Colinas.
Na Rua José Tibúrcio Feio, que a gente chamava a
Rua da Lagoa, tinha a Igreja da Assembléia de Deus, e onde hoje é a Câmara
Municipal funcionou a antiga e inesquecível Escola Municipal Teixeira de
Freitas, do outro lado da rua o Hotel da Eva e a Padaria do senhor João
Nogueira.
O comércio do Tião Cazé no final da Rua dos Cazé,
onde residia o senhor Horácio Cazé, que foi também sapateiro, a Farmácia e
residência do senhor Sebastião Mota, a família do Titita, José Pedro, Lourinho,
Tião, gente, muita gente, povoando São Domingos e os meus sonhos e as minhas
lembranças.
Seu Antônio Mota, pai do Brequiô ou Melquisedech,
residente na Travessa Sete de Setembro, de novo na Rua de Colinas lembro do Francisquinho e da Rosilda, depois ali morou o
Didé, que em determinado momento foi uma das grandes fortunas de São Domingos.
E assim vaga o meu pensamento, pulando de uma
recordação a outra, nesta peregrinação e visitação ao passado e ao presente,
sentindo os cheiros das comidas daquele tempo, do arroz misturado com feijão, o
espeto da carne seca assada na brasa, o peixe com leite de coco, a galinha ao
molho pardo, e as abóboras e batatas assadas nas fogueiras nas Noites de São
João.
Raimundo Fontenele
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