INVENÇÕES : A TERRA
adeus
alaúde de prata
adeus
ferro e mistério
mármore
branco do passado
retinem
as esporas
soltas
ferraduras pelo ar
descrevem
círculos sanguíneos
e
nada de ver o céu
só
terra
mar
e terra
pedra-treva
por
onde vocês foram, meninos?
como
cantavam quando?
desmistério
de azul
na
sala toda
toalhas
bússolas janeiros
repetição
mortal do frouxo verso
caveiras
lixo
a
cidade de pólvora
expõe
as tetas ao verso
a
cidade de pólvora
expõe
o músculo tenso
e
tudo explode como no começo
desço
a Rua Saavedra
conto
passos becos
forço
a saída do portão do mundo
Hércules
noturno e mijado
com
as mãos fora dos guizos
picada
nas veias
o
olho em chama anunciador da morte
a
poesia é morte
o
meu trabalho é morte
a
terra só me cabe pelo avesso
ela,
a terra dura
ela,
o pai ganindo pelas trepadeiras
o
dia era insensível
tinha
tudo
o
dia não se movia
era
intragável
o
dia passava escuro pela garganta dos galos
o
mundo não estava aberto
o
falso pulso
o
dia não contava
era
outro mistério
o
morto na sala
sal,
salitre
tudo
me entrava pelos olhos
as
faces feras
o
furor de neblina
e
eu perdia pé no pesadelo
sozinho
com as palavras
enumerando-as
sem
enumerar-me
foi
a terra quem forjou meu nascimento
foram
os meses de maio
a
colheita do mundo
árvore
avara aziaga
no
vasto ovário
a
bomba que explode a outra
madura
de sementes
vendida
no varejo
no
tédio no tempo
todos
já disseram isto
é
preciso avançar para além da gula
do
fumo, do ouro
da
podridão das esferas
para
onde se inclinavam todos os girassóis
ô
assovio
ô
dente podre
como
é feroz o meu grito
ô
zumbido dos séculos
pondo
farpas no olvido
(sim,
era Garcia Lorca
quem
copulava ao inverso)
eu
e os girassóis
eu
e a lua passando
eu
e o eco dos jumentos
apaziguado
sobre a pedra
eu-greve
o ano inteiro
intermezzo
e
não fim
todo
dia me começo
procurando
sapatos
tornando-me
retratos
de
rostos que eu possa ser
Raimundo
Fontenele
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