13 de fev. de 2017

AO DOMINGOS VIEIRA FILHO, AS BATATAS

Ao escolhermos como homenageado do mês o escritor Domingos Vieira Filho, imaginamos certa dificuldade em encontrar material de pesquisa, mas não pensávamos que seria enorme, grandiosa, inexistente, quase, qualquer material sobre o nosso homenageado.
Faço como estes governantes brasileiros dos dias atuais. Todos sabem que estados e municípios estão falidos. Por roubalheira e má gestão: são estes os dois principais motivos. Mesmo assim, nas eleições, chovem candidatos com suas promessas: vou fazer isso e aquilo, sanear e cortar, planejar e fazer, resolver e acertar, e por aí vai a cantilena eleitoreira. Após eleitos, vem a choramingueira: não sabia que era tão profundo o buraco financeiro, que era tão grande o atoleiro dos débitos do Estado ou do Município, conforme o caso.
Pois é: alguém tem que ser responsabilizado por encontrar-se a situação das finanças tão dramática. No caso dos eleitos, culpam seus antecessores. No meu caso, culpo o Governo do Estado e seu órgão responsável pela Cultura, por este descaso com relação ao escritor Domingos Vieira Filho.
Conheci-o no início do ano de 1967 quando assumi uma função  burocrática na Secretaria de Educação e Cultura,  que funcionava à época no 3º andar do Edifício BEM, na Rua Tarquínio Lopes Filho. Dr. José Maria Cabral Marques era o secretário de Educação, e Dr. Domingos Diretor do Departamento de Cultura. Fui lotado na Assessoria de Planejamento, assessorias criadas no âmbito de todas as Secretarias, fruto da reforma administrativa empreendida pela Governo Sarney que, naquele tempo, ninguém imaginava que se tornasse esse Sarney de bigodes corruptos.
Eram próximas as repartições e assim eu estava sempre em contato com o Dr. Domingos, vez por outra lhe mostrando um poeminha que engatinhava, outras vezes lhe pedindo algum livro emprestado, e ele me atendia por detrás daqueles óculos meio sobre a ponta do nariz, com afável cordialidade e presteza.
Vale a pena fazer referência a sua profunda honestidade intelectual e também com a coisa pública. Lembro que o procurei com um livrinho de poemas inéditos, submetendo-o a sua apreciação, e solicitando ajuda para publicação através do Departamento de Cultura, que ele dirigia.
Eu gozava de certo prestígio pelo fato de ser um jovem poeta, funcionário que contava com o apreço do próprio Secretário de Educação, Dr. Cabral Marques, pela minha capacidade de redigir ofícios e demais documentos da burocracia oficial. Além de tudo, era uma espécie de protegido do então Deputado Luís Rocha que viria mais tarde a governar o Estado.
Ele, com aquela sua voz calma, mansa, convincente me disse, olha poeta estes seus poemas estão ainda verdes, amadureça mais, leia, escreva e me procure daqui a um ano e veremos como estarão seus versos.
Encarei o desafio e um ano depois o procurei e ele julgou meus poemas dignos de publicação e assim o fez, editou meu primeiro livro, o Chegada Temporal, livro que figurou na lista de fim de ano, elaborada pelo crítico José Frazão, no Jornal do Maranhão, órgão da Arquidiocese, como um dos bons livros daquele ano.
Aqui encontro parte da explicação para o seu esquecimento pelos inúmeros responsáveis pela Cultura: ele nunca foi de conchavos políticos, nunca participou dessa troca de favores provincianos, bajulações, igrejinhas, mantendo-se distante da politicalha reinante de gabinete a gabinete.
Seus livros nunca foram reeditados. Deu o nome a uma casa de cultura e folclore, o Centro de Cultura Popular, graças ao Valdelino e ao Jormar Moraes.
Na internet não se encontra biografia, bibliografia, nada, além de uma matéria por ocasião do lançamento do “Dicionário da Obra de Domingos Vieira Filho”, de autoria dos pesquisadores da Universidade Federal do Maranhão Conceição de Maria de Araujo Ramos, José de Ribamar Mendes Bezerra, Maria de Fátima Sopas Rocha, Luís Henrique Serra e Edson Lemos Pereira. Na oportunidade, haverá a solenidade de entrega do título de Doutor Honoris Causa ao professor Domingos Vieira Filho (in memoriam) pelo reitor Natalino Salgado.
Porém, o próprio Dicionário não está disponibilizado para download. É a Cultura Maranhense na Idade da Pedra Lascada, é o descaso, a indiferença que os nossos burocratas, gestores da cultura e do dinheiro a ela destinada, se comportam para com aquilo que deveria estar ao alcance de todos, como a obra do Dr. Domingos Vieira Filho.
Pra essa gente, e digo essa gente com um certo asco, é melhor investir toda a verba nos tais eventos, carnaval, bumba-meu-boi, festas no Reviver, dizem que é um negócio pra turista ver, e gastar, quer dizer correr o vil metal por variados dutos, numa promiscuidade de lascar. E a reedição das obras do Dr. Domingos, necas! (RF)
A seguir, o material, o único, disponível para consulta na internet sobre o nosso homenageado do mês: noticiário do lançamento do Dicionário de suas Obras, e um artigo do Dr. Natalino Salgado Filho. É muito pouco para quem fez tanto!

                        LANÇAMENTO DO DICIONÁRIO

            Um dos maiores estudiosos da cultura maranhense no século XX e grande estudioso do universo linguístico-cultural local, Domingos Vieira Filho ganhou na noite do dia 24 de setembro de 2015, na Academia Maranhense de Letras, Rua da Paz, Centro, em São Luís do Maranhão, uma homenagem especial com o lançamento do “Dicionário da Obra de Domingos Vieira Filho”, de autoria dos pesquisadores da Universidade Federal do Maranhão Conceição de Maria de Araujo Ramos, José de Ribamar Mendes Bezerra, Maria de Fátima Sopas Rocha, Luís Henrique Serra e Edson Lemos Pereira. Na oportunidade, haverá a solenidade de entrega do título de Doutor Honoris Causa ao professor Domingos Vieira Filho (in memoriam) pelo reitor Natalino Salgado.
O dicionário tem 368 páginas e reúne 118 verbetes, com sínteses do conteúdo publicado pelo escritor e os respectivos direcionamentos para que o interessado na vasta obra do maranhense possa encontrar o material de maneira mais fácil. “Muita gente que gostaria de pesquisar Domingos Vieira Filho sente dificuldades para tal, já que ele publicou muita coisa em diferentes suportes, como jornais, livros e revistas. Além disso, não foram feitas reedições de seus livros, o que dificulta ainda mais a pesquisa. Neste dicionário, reunimos todas as obras e cada título deu origem a um verbete”, explicou Conceição de Maria de Araújo Ramos, acrescentando que o material pesquisado e que deu origem ao dicionário também ficará disponível na biblioteca da UFMA.
A pesquisa começou em 2009 e o marco temporal relativo ao material é de 1940 a 1980. O autor ainda deixou obras prontas que resultaram em uma publicação póstuma: “O populário maranhense”. Domingos Vieira Filho foi professor, advogado, escritor, jornalista, pesquisador, folclorista e um dos fundadores da Faculdade de Filosofia, tendo sido professor titular no Departamento de Direito da Universidade Federal do Maranhão. Foi membro da Comissão Maranhense de Folclore, do Conselho Estadual de Cultura, do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e da Academia Maranhense de Letras.
Objetivo
O “Dicionário da Obra de Domingos Vieira Filho” foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA) e tem como objetivo mostrar material de referência sobre a obra do escritor. Linguagem, literatura, história, geografia, folclore, costumes, crenças, superstições, folguedos, alimentação, brinquedos maranhenses são temas sobre os quais ele se debruçou em vida, deixando um trabalho paciente, minucioso e sério de pesquisa.
A importância das obras de Vieira Filho foi reconhecida por grandes nomes da cultura popular brasileira, como Antenor Nascentes, Luís da Câmara Cascudo, Mário Souto Maior e Veríssimo de Melo. “Chegou o momento desse reconhecimento em São Luís, com a publicação das pesquisas iniciadas há tempos e somente agora publicadas e lançadas”, disse.
Domingos Vieira Filho formou-se pela Escola de Direito de São Luís, lecionou no Liceu Maranhense, na Escola Técnica de Comércio Centro Caixeiral e na Academia do Comércio. Publicou diversos livros, entre os quais destacam-se: “A Linguagem Popular no Maranhão”, “Superstições ligadas ao Parto e à Vida Infantil”, “A Festa do Divino Espírito Santo”, “Folclore Sempre”, “Populário Maranhense” e “Breve História das Ruas e Praças”. É, também, autor de “Os Negros Deformados”, “O Negro na Poesia Brasileira”, “A Síntese Histórica da Polícia Militar do Maranhão” e “Estudos Geográficos do Maranhão”.

LUZES PARA DOMINGOS VIEIRA FILHO
“Macambira das estrelas,
Xique-xique resolveu:
Quixabeira, bem me queira,
Quem te ama, Bem, sou eu…”

Neste artigo, trago a íntegra do prefácio que escrevi para o livro “Dicionário da Obra de Domingos Vieira Filho”, de autoria de Conceição de Maria de Araújo Ramos, José de Ribamar Mendes Bezerra, Maria de Fátima Sopas Rocha, Luís Henrique Serra e Edson Lemos Pereira.
Os versos referenciados no início são citados por Riobaldo, personagem de Guimarães Rosa, em seu “Grande Sertão Veredas”. “Canto de cantiga”, como o personagem assim aos versos se refere, tem a finalidade de embalar, encorajar e relembrar os elementos que cercam a vida de um povo, o qual se distingue dos demais por sua forma de falar e por seus costumes. Registrar o modo como uma sociedade se organiza em seus aspectos culturais, discorrer sobre suas festas, superstições e suas crenças são tarefas de contribuição incomensurável à própria humanidade, eis que o legado determina a compreensão da nossa breve existência.
O “Dicionário da Obra de Domingos Vieira Filho” é uma obra singular, pois é fruto de uma apurada compilação do trabalho de um dos homens que mais contribuíram para a cultura popular de nosso Estado. Vale ressaltar que, por coincidência, Domingos Vieira Filho foi um dos meus antecessores na cadeira de número 16, que ocupo na Academia Maranhense de Letras. Tive a oportunidade, em meu discurso de posse, de compará-lo ao personagem mítico Jasão, que liderou os argonautas em busca do Velocino de Ouro. Justifico a comparação pelo fato de que Domingos Vieira Filho empreendeu a busca por palavras e ditados maranhenses, ávido por revelá-los e cristalizá-los na memória de sua gente.
Apesar das dificuldades relatadas pelos autores para a feitura da obra, o objetivo foi alcançado: ela tem o mérito de disponibilizar aos leitores um texto com riqueza ímpar de detalhes, preservando a linguagem original e revelando aspectos que vão não apenas despertar nostalgia em quem teve a oportunidade de ouvir ou ler os relatos de Domingos, mas também vão atiçar a curiosidade de quem se interessa por história e cultura.
O “Dicionário da Obra de Domingos Vieira Filho”, além de ter como destino tornar-se referência obrigatória para quem quer conhecer um pouco mais sobre o intelectual maranhense (que foi advogado, consultor jurídico, procurador do Estado, jornalista, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, membro da seção regional da Comissão Nacional do Folclore, professor do Liceu Maranhense e das Faculdades de Filosofia e Direito), tem ainda, no linguajar de Mia Couto, o objetivo de “desmadrugar” os leitores em nossos costumes e aspectos peculiares da vida que determinaram a forma como nos estruturamos como povo, especialmente no período compreendido entre as décadas de 40 e 80 do século XX, recorte de pesquisa eleita pelos autores.

Essa obra, sem dúvida, proporcionou-me uma leitura prazerosa, que me fez descobrir o Domingos que passeava pelos quatro cantos de São Luís para “colher” adivinhações; que descrevia superstições dos longínquos tempos de nossos avós; tradições populares, como o hoje desconhecido “Banho de São João”, costume muito comum no final do século XIX, e a brincadeira carnavalesca “O baralho”, folia protagonizada por negros. Fez-me conhecer também um homem preocupado em mostrar as ricas contribuições sobre a história do jornalismo no Maranhão e da evolução do sistema do transporte, por meio do resgate do trabalho de Antônio Lopes, bem como em fazer referência ao jornal satírico “O Bemtevi”, editado por Estevão Carvalho, que circulou no Maranhão na época do Brasil colônia e que despertou muitas polêmicas.
Além disso, a obra descreve como o intelectual contribuiu para a cultura, a educação, o radialismo, a música e as artes plásticas. Quero registrar ainda que o artigo sobre a azulejaria no Maranhão chamou muito minha atenção, pois Domingos elenca endereços onde esse acessório se fazia presente e remonta a origem de várias peças, descrevendo aspectos históricos curiosos… Faltar-me-ia espaço para elencar tantos tesouros encontrados nesses escritos.
Após toda essa explanação, é interessante lembrar o questionamento feito por Manoel de Barros, em sua obra intitulada “O livro das ignorãnças”: “Pode um homem enriquecer a natureza com sua incompletude?”. Não tenho resposta para seu Manoel, mas posso afirmar que o legado de Domingos Vieira Filho enriquece nosso saber e nos torna um pouco menos ignorantes acerca de nós mesmos.
Natalino Salgado Filho
Doutor em Nefrologia, Reitor da UFMA,

membro da AML, do IHGM e da AMM

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