Ao escolhermos como homenageado do
mês o escritor Domingos Vieira Filho, imaginamos certa dificuldade em encontrar
material de pesquisa, mas não pensávamos que seria enorme, grandiosa,
inexistente, quase, qualquer material sobre o nosso homenageado.
Faço como estes governantes
brasileiros dos dias atuais. Todos sabem que estados e municípios estão
falidos. Por roubalheira e má gestão: são estes os dois principais motivos.
Mesmo assim, nas eleições, chovem candidatos com suas promessas: vou fazer isso
e aquilo, sanear e cortar, planejar e fazer, resolver e acertar, e por aí vai a
cantilena eleitoreira. Após eleitos, vem a choramingueira: não sabia que era
tão profundo o buraco financeiro, que era tão grande o atoleiro dos débitos do
Estado ou do Município, conforme o caso.
Pois é: alguém tem que ser
responsabilizado por encontrar-se a situação das finanças tão dramática. No
caso dos eleitos, culpam seus antecessores. No meu caso, culpo o Governo do
Estado e seu órgão responsável pela Cultura, por este descaso com relação ao
escritor Domingos Vieira Filho.
Conheci-o no início do ano de 1967
quando assumi uma função burocrática na
Secretaria de Educação e Cultura, que
funcionava à época no 3º andar do Edifício BEM, na Rua Tarquínio Lopes Filho.
Dr. José Maria Cabral Marques era o secretário de Educação, e Dr. Domingos
Diretor do Departamento de Cultura. Fui lotado na Assessoria de Planejamento,
assessorias criadas no âmbito de todas as Secretarias, fruto da reforma administrativa
empreendida pela Governo Sarney que, naquele tempo, ninguém imaginava que se
tornasse esse Sarney de bigodes corruptos.
Eram próximas as repartições e
assim eu estava sempre em contato com o Dr. Domingos, vez por outra lhe
mostrando um poeminha que engatinhava, outras vezes lhe pedindo algum livro
emprestado, e ele me atendia por detrás daqueles óculos meio sobre a ponta do
nariz, com afável cordialidade e presteza.
Vale a pena fazer referência a sua
profunda honestidade intelectual e também com a coisa pública. Lembro que o
procurei com um livrinho de poemas inéditos, submetendo-o a sua apreciação, e
solicitando ajuda para publicação através do Departamento de Cultura, que ele
dirigia.
Eu gozava de certo prestígio pelo
fato de ser um jovem poeta, funcionário que contava com o apreço do próprio
Secretário de Educação, Dr. Cabral Marques, pela minha capacidade de redigir
ofícios e demais documentos da burocracia oficial. Além de tudo, era uma
espécie de protegido do então Deputado Luís Rocha que viria mais tarde a
governar o Estado.
Ele, com aquela sua voz calma,
mansa, convincente me disse, olha poeta estes seus poemas estão ainda verdes,
amadureça mais, leia, escreva e me procure daqui a um ano e veremos como
estarão seus versos.
Encarei o desafio e um ano depois
o procurei e ele julgou meus poemas dignos de publicação e assim o fez, editou
meu primeiro livro, o Chegada Temporal, livro que figurou na lista de fim de
ano, elaborada pelo crítico José Frazão, no Jornal do Maranhão, órgão da
Arquidiocese, como um dos bons livros daquele ano.
Aqui encontro parte da explicação
para o seu esquecimento pelos inúmeros responsáveis pela Cultura: ele nunca foi
de conchavos políticos, nunca participou dessa troca de favores provincianos,
bajulações, igrejinhas, mantendo-se distante da politicalha reinante de
gabinete a gabinete.
Seus livros nunca
foram reeditados. Deu o nome a uma casa de cultura e folclore, o Centro de
Cultura Popular, graças ao Valdelino e ao Jormar Moraes.
Na
internet não se encontra biografia, bibliografia, nada, além de uma matéria
por ocasião do lançamento do “Dicionário da Obra de Domingos Vieira Filho”, de
autoria dos pesquisadores da Universidade Federal do Maranhão Conceição de
Maria de Araujo Ramos, José de Ribamar Mendes Bezerra, Maria de Fátima Sopas
Rocha, Luís Henrique Serra e Edson Lemos Pereira. Na oportunidade, haverá a
solenidade de entrega do título de Doutor Honoris Causa ao professor Domingos
Vieira Filho (in memoriam) pelo reitor Natalino Salgado.
Porém, o próprio Dicionário
não está disponibilizado para download. É a Cultura Maranhense na Idade da
Pedra Lascada, é o descaso, a indiferença que os nossos burocratas, gestores da
cultura e do dinheiro a ela destinada, se comportam para com aquilo que deveria
estar ao alcance de todos, como a obra do Dr. Domingos Vieira Filho.
Pra essa gente, e
digo essa gente com um certo asco, é melhor investir toda a verba nos tais
eventos, carnaval, bumba-meu-boi, festas no Reviver, dizem que é um negócio pra
turista ver, e gastar, quer dizer correr o vil metal por variados dutos, numa
promiscuidade de lascar. E a reedição das obras do Dr. Domingos, necas! (RF)
A
seguir, o material, o único, disponível para consulta na internet sobre o nosso
homenageado do mês: noticiário do lançamento do Dicionário de suas Obras, e um
artigo do Dr. Natalino Salgado Filho. É muito pouco para quem fez tanto!
LANÇAMENTO DO DICIONÁRIO
Um dos maiores estudiosos da
cultura maranhense no século XX e grande estudioso do universo
linguístico-cultural local, Domingos Vieira Filho ganhou na noite do dia 24 de
setembro de 2015, na Academia Maranhense de Letras, Rua da Paz, Centro, em São
Luís do Maranhão, uma homenagem especial com o lançamento do “Dicionário da
Obra de Domingos Vieira Filho”, de autoria dos pesquisadores da Universidade
Federal do Maranhão Conceição de Maria de Araujo Ramos, José de Ribamar Mendes
Bezerra, Maria de Fátima Sopas Rocha, Luís Henrique Serra e Edson Lemos
Pereira. Na oportunidade, haverá a solenidade de entrega do título de Doutor
Honoris Causa ao professor Domingos Vieira Filho (in memoriam) pelo reitor
Natalino Salgado.
O dicionário tem 368 páginas e reúne
118 verbetes, com sínteses do conteúdo publicado pelo escritor e os respectivos
direcionamentos para que o interessado na vasta obra do maranhense possa
encontrar o material de maneira mais fácil. “Muita gente que gostaria de
pesquisar Domingos Vieira Filho sente dificuldades para tal, já que ele
publicou muita coisa em diferentes suportes, como jornais, livros e revistas.
Além disso, não foram feitas reedições de seus livros, o que dificulta ainda
mais a pesquisa. Neste dicionário, reunimos todas as obras e cada título deu origem
a um verbete”, explicou Conceição de Maria de Araújo Ramos, acrescentando que o
material pesquisado e que deu origem ao dicionário também ficará disponível na
biblioteca da UFMA.
A pesquisa começou em 2009 e o marco temporal relativo ao material é de
1940 a 1980. O autor ainda deixou obras prontas que resultaram em uma
publicação póstuma: “O populário maranhense”. Domingos Vieira Filho foi
professor, advogado, escritor, jornalista, pesquisador, folclorista e um dos
fundadores da Faculdade de Filosofia, tendo sido professor titular no
Departamento de Direito da Universidade Federal do Maranhão. Foi membro da
Comissão Maranhense de Folclore, do Conselho Estadual de Cultura, do Instituto
Histórico e Geográfico do Maranhão e da Academia Maranhense de Letras.
Objetivo
O “Dicionário da Obra de Domingos
Vieira Filho” foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e ao
Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA) e tem como
objetivo mostrar material de referência sobre a obra do escritor. Linguagem,
literatura, história, geografia, folclore, costumes, crenças, superstições,
folguedos, alimentação, brinquedos maranhenses são temas sobre os quais ele se
debruçou em vida, deixando um trabalho paciente, minucioso e sério de pesquisa.
A importância das obras de Vieira
Filho foi reconhecida por grandes nomes da cultura popular brasileira, como
Antenor Nascentes, Luís da Câmara Cascudo, Mário Souto Maior e Veríssimo de
Melo. “Chegou o momento desse reconhecimento em São Luís, com a publicação das
pesquisas iniciadas há tempos e somente agora publicadas e lançadas”, disse.
Domingos Vieira Filho formou-se pela Escola de Direito de São Luís,
lecionou no Liceu Maranhense, na Escola Técnica de Comércio Centro Caixeiral e
na Academia do Comércio. Publicou diversos livros, entre os quais destacam-se:
“A Linguagem Popular no Maranhão”, “Superstições ligadas ao Parto e à Vida
Infantil”, “A Festa do Divino Espírito Santo”, “Folclore Sempre”, “Populário
Maranhense” e “Breve História das Ruas e Praças”. É, também, autor de “Os
Negros Deformados”, “O Negro na Poesia Brasileira”, “A Síntese Histórica da
Polícia Militar do Maranhão” e “Estudos Geográficos do Maranhão”.
LUZES PARA DOMINGOS VIEIRA FILHO
“Macambira das estrelas,
Xique-xique resolveu:
Quixabeira, bem me queira,
Quem te ama, Bem, sou eu…”
Neste artigo, trago a íntegra do
prefácio que escrevi para o livro “Dicionário da Obra de Domingos Vieira
Filho”, de autoria de Conceição de Maria de Araújo Ramos, José de Ribamar Mendes
Bezerra, Maria de Fátima Sopas Rocha, Luís Henrique Serra e Edson Lemos
Pereira.
Os versos referenciados no início são
citados por Riobaldo, personagem de Guimarães Rosa, em seu “Grande Sertão
Veredas”. “Canto de cantiga”, como o personagem assim aos versos se refere, tem
a finalidade de embalar, encorajar e relembrar os elementos que cercam a vida
de um povo, o qual se distingue dos demais por sua forma de falar e por seus
costumes. Registrar o modo como uma sociedade se organiza em seus aspectos culturais,
discorrer sobre suas festas, superstições e suas crenças são tarefas de
contribuição incomensurável à própria humanidade, eis que o legado determina a
compreensão da nossa breve existência.
O “Dicionário da Obra de Domingos
Vieira Filho” é uma obra singular, pois é fruto de uma apurada compilação do
trabalho de um dos homens que mais contribuíram para a cultura popular de nosso
Estado. Vale ressaltar que, por coincidência, Domingos Vieira Filho foi um dos
meus antecessores na cadeira de número 16, que ocupo na Academia Maranhense de
Letras. Tive a oportunidade, em meu discurso de posse, de compará-lo ao
personagem mítico Jasão, que liderou os argonautas em busca do Velocino de
Ouro. Justifico a comparação pelo fato de que Domingos Vieira Filho empreendeu
a busca por palavras e ditados maranhenses, ávido por revelá-los e
cristalizá-los na memória de sua gente.
Apesar das dificuldades relatadas pelos autores
para a feitura da obra, o objetivo foi alcançado: ela tem o mérito de
disponibilizar aos leitores um texto com riqueza ímpar de detalhes, preservando
a linguagem original e revelando aspectos que vão não apenas despertar
nostalgia em quem teve a oportunidade de ouvir ou ler os relatos de Domingos,
mas também vão atiçar a curiosidade de quem se interessa por história e
cultura.
O “Dicionário da Obra de Domingos
Vieira Filho”, além de ter como destino tornar-se referência obrigatória para
quem quer conhecer um pouco mais sobre o intelectual maranhense (que foi
advogado, consultor jurídico, procurador do Estado, jornalista, membro do
Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, membro da seção regional da
Comissão Nacional do Folclore, professor do Liceu Maranhense e das Faculdades
de Filosofia e Direito), tem ainda, no linguajar de Mia Couto, o objetivo de
“desmadrugar” os leitores em nossos costumes e aspectos peculiares da vida que
determinaram a forma como nos estruturamos como povo, especialmente no período
compreendido entre as décadas de 40 e 80 do século XX, recorte de pesquisa
eleita pelos autores.
Essa obra, sem dúvida, proporcionou-me
uma leitura prazerosa, que me fez descobrir o Domingos que passeava pelos
quatro cantos de São Luís para “colher” adivinhações; que descrevia
superstições dos longínquos tempos de nossos avós; tradições populares, como o
hoje desconhecido “Banho de São João”, costume muito comum no final do século
XIX, e a brincadeira carnavalesca “O baralho”, folia protagonizada por negros.
Fez-me conhecer também um homem preocupado em mostrar as ricas contribuições
sobre a história do jornalismo no Maranhão e da evolução do sistema do
transporte, por meio do resgate do trabalho de Antônio Lopes, bem como em fazer
referência ao jornal satírico “O Bemtevi”, editado por Estevão Carvalho, que
circulou no Maranhão na época do Brasil colônia e que despertou muitas
polêmicas.
Além disso, a obra descreve como o
intelectual contribuiu para a cultura, a educação, o radialismo, a música e as
artes plásticas. Quero registrar ainda que o artigo sobre a azulejaria no
Maranhão chamou muito minha atenção, pois Domingos elenca endereços onde esse
acessório se fazia presente e remonta a origem de várias peças, descrevendo
aspectos históricos curiosos… Faltar-me-ia espaço para elencar tantos tesouros
encontrados nesses escritos.
Após toda essa explanação, é interessante lembrar o
questionamento feito por Manoel de Barros, em sua obra intitulada “O livro das
ignorãnças”: “Pode um homem enriquecer a natureza com sua incompletude?”. Não
tenho resposta para seu Manoel, mas posso afirmar que o legado de Domingos
Vieira Filho enriquece nosso saber e nos torna um pouco menos ignorantes acerca
de nós mesmos.
Natalino Salgado Filho
Doutor em Nefrologia, Reitor da UFMA,
membro da AML, do IHGM e da AMM
Nenhum comentário:
Postar um comentário