A coluna QUARTA É DIA DE RF do
nosso Blog LITERATURA LIMITE (WWW.literaturalimite.com.br)
continua divulgando o trabalho dos atuais poetas maranhenses. Após Fernando
Braga e Viriato Gaspar, hoje é a vez di poeta LUÍS AUGUSTO CASSAS, nascido em
São Luís, em 1953, filho do Desembargador Araújo Neto e Míriam Cassas de
Araújo, ambos falecidos.
O
poeta Cassas já trouxe no sangue a gênese de toda grande poesia, pois seu pai é
sobrinho de Corrêa de Araújo, excelente poeta maranhense cuja cidade natal é
Pedreiras, terra também do genitor do nosso grande amigo poeta Luís Augusto
Cassas.
Mas,
excluo deste comentário crítico os laços de amizade que me unem ao poeta Cassas
e procuro, com a maior isenção e honestidade intelectual que me for possível
traçar, em poucas linhas, o que apreendi desse universo poético caudaloso, rio
sem margens, pois a sua poesia inunda até as terras que a vista não mais
alcança.
No
final dos anos sessenta, conheci o poeta Cassas, levado pelo poeta Viriato
Gaspar até sua residência na Rua das Hortas. A partir dali sedimentamos a
amizade na mesma procura jovem e insana pela poesia. No Bar do Joaquim, no Canto
da Viração, entre cerveja e teses, arroubos juvenis de reformar o mundo, a
necessidade de derrubarmos os castelos medievais das trovas, sonetos
parnasianos e poemas carloscunhianos (o menino verde, o cabelo verde, o dedo
verde), poemas e projetos tomaram forma e vicejaram à luz benfazeja de ideais
literários.
Depois
a gente se reconciliaria com tudo e todos: Carlos Cunha, a boa trova, o soneto
perfeito, o poema imortal. Não sem antes, em companhia de Valdelino Cécio e
Chagas Val, criarmos um movimento, de curta duração, através de polêmicas nas
páginas de jornais, e publicarmos com o custeio do Estado a Antologia Poética
do Movimento Antroponáutica, um marco divisório no fazer poético maranhense,
tratando-se de movimento de gerações, num saudável antagonismo, que renovou
realmente a poesia do Maranhão.
Luís
Augusto Cassas, o mais jovem de nós, era teoricamente um dos mais embasados, já
com uma sólida cultura poética, com uma vasta biblioteca ao seu dispor, e que
muito cedo lhe permitiram (a veia e a cultura poéticas) criar e produzir
algumas obras primas que permanecem, até hoje, como atestado inconteste da alta
poesia que sempre se gestou no Maranhão, como exemplo poderia citar Mulher em
Gestação, Quadro Completo da Noite e Confíteor, ambos poemas da sua juventude.
Com o passar do tempo, permanecem com a mesma força e vigor, estranhamente
maturados e atuais.
A
poesia, no entanto, lhe reservava dias mais cinzentos e noites mais turvas, e
assim, depois de refazer signos e reformular conceitos; após recriar símbolos e
destruir mitos, o poeta Cassas mergulhou naquilo que sempre foi a verdade mais
difícil, mais subjetiva, de encontrar: o si mesmo.
Depois
de poemas abordando temas variados, desde os problemas sociais, as mazelas do
capitalismo, a iconoclastia das religiões, a subserviência e corrupção dos
homens públicos, o poeta Luís Augusto Cassas parte em sua jornada do espírito
na busca da Verdade maior e única que torna dias cinzas e noites turvas em
claras iluminações do saber e do ser. Um passo a mais nos degraus da escada de
Jacó em direção ao Ser Perfeito tão distante e tão perto: a face que não
podemos contemplar, mas que nos contempla por dentro.
Autor
de livros capitais da moderna poesia brasileira, e são tantos, dos quais se
pode citar República dos Becos (seu primeiro livro e que contém aqueles poemas
citados anteriormente), Rosebud, O Retorno da Aura, O Shopping de Deus & a
Alma do Negócio, Deus Mix: Salmos Energéticos de Açaí c/Guaraná e Cassis, O
Vampiro da Praia Grande e muitos outros, todos encontráveis nos volumes 1 e 2
de A Poesia Sou Eu (poesia reunida), edição da Imago, 2012, RJ, o poeta Cassas
nos aclara dúvidas, solidifica premonições, confirma certezas.
O
valor da sua poesia, para além da carga de dor e alegria, sofrimento e prazer
que nos possa alcançar através da emoção pura e simples, reside também no fato
de que é um tratado e um ensaio histórico e filosófico da humanidade e das
civilizações. A sua poesia contém em si o drama e a comédia, a ucidez e a
loucura, a fé, a solidão, o amor em sua forma mais elevada.
Nisso,
como se estivéssemos correndo o Grande Páreo Brasil, o poeta estaria algumas
cabeças de vantagem sobre a maioria dos poetas que a crítica incensou e
promoveu dos anãos oitenta em diante.
Porque muito da poesia e da literatura a que me referi trazia o ranço da
ideologia, mais totalitária que totalizante, mais ao abrigo dos conceitos
científicos até, mas estreitos, que sob as asas da livre imaginação criadora,
disposta a romper todos os Cânones estéticos, dogmáticos, políticos,
religiosos, para se firmar e afirmar-se como a continuação da tradição mais
primeva, antiga ou remoto, caiba o nome que couber, e que chega aos nossos dias
renovada, libertadora, que nos impulsiona para a frente, para um lugar cativo
no futuro, por mais incerto que este seja.
À
segunda parte desta história cabe um comentário judaico-cristão a respeito de
anjos, cuja etimologia da palavra, do grego ágellos e do latim angelus, tem o
significado de Mensageiro. Um intermediário, portanto, entre Deus e os homens.
Conforme a tradição, os anjos são representados por figuras aladas, puras,
muito próximas dos caracteres humanos e dispostos a intervir espiritualmente em
benefício daqueles que os invocam.
Pureza,
obediência, zelo e paciência são os principais atributos de um anjo. E foram
estas virtudes que o poeta Luís Augusto Cassas teve que invocar e delas
nutrir-se para atravessar a invisível ponte das tormentas, dos abismos pessoais
e coletivos que consomem, literalmente, nossos dias e nossas vidas.
Da
expiação da culpa, seja a social ou da suposta culpa original, ou do espírito
ou do ponto psicanalítico apenas uma coisa mental, invenção ou criação do intelecto,
Cassas foi de um extremo a outro. Da morte de Deus nietzscheana aos jardins
indulgentes dos vedas, na comunhão do yin e yang, no seu encontro com os jogos
simbólicos do Tarot, nada foi em vão em seu caminho e em sua busca. Era, enfim, a descoberta da verdade
mais profunda encontrada dentro de si mesmo que o pacificou e o colocou naquela
posição de anjo que intermedia o encontro do homem com a Poesia, pois, na sua
visão, esta é também uma forma de encontrar a Face daquele Ser Superior.
E
embora, no estágio atual, sua poesia e seu nome sejam reconhecidos, em nível
nacional, pelos mais honestos e exigentes críticos, sua poesia prescinde desse
reconhecimento, como se, sem ele, ela não existisse, ou fosse menor. A sua
poesia se basta a si mesma, e assim basta também aos leitores inteligentes que
sabem separar o joio do trigo, quer dizer separar a verdadeira literatura desse
cipoal de rabiscos que infestam livrarias e bibliotecas.
A
seguir, os poemas de Cassas, provas vivas e ardentes de que estas minhas
palavras não são de todo em vão. Pelo menos, é o que espero. (RF)
CONFÍTEOR
(para ser repetido 3 vezes)
por Tua culpa:
existem cegos
aleijados
órfãos
e bombas
por Tua culpa:
existem barreiras
fronteiras
trincheiras
e vietnãs
por Tua culpa:
perdemos a renúncia
a fala
a vergonha
a fé
(mas ganhamos cidadania)
por Tua culpa:
crianças são fuziladas em My Lai
o ser apodrece em Biafra
presidentes são assassinados nos EUA
ônibus explodem nos viadutos
por Tua culpa:
a flor se oxida
o carbono se corrói
a paz é mutilada
o silêncio é atomizado
por Tua culpa:
bombas explodem nos meridianos
ditadores se suicidam
diplomatas são sequestrados
uma estrela se apaga
por Tua culpa:
a terra tem novo dono
os trustes têm n ossa fé
e Hiroshima e Nagasaki
foram apagadas do mapa
por Tua culpa
por Tua culpa
por Tua máxima culpa!
CORREIOS E TELEGRAPHOS
Certa tarde o carteiro
recebeu correspondência datada de 1882
destinada ao poeta Souzândrade
que passava férias no Largo da Matriz
Caligrafia bordada de mulher
Como não encontrou o destinatário
foi à agência da Caixa Econômica Federal
e penhorou a cara:
comprou terno novo
e vestido de renda para a noiva
Agora passeando na festa de São Mathias
Os pombinhos dão notícias de amor
MANTENHA DISTÂNCIA
A Poesia é uma droga alucinatória
mais forte que o lsd e o poder
Só deve ser usada contra o real
Causa ao viciado – delirium tremens
desprezo da sociedade & a pena capital
Perigo Perigo Perigo
Mantenha distância do poema
Evite o primeiro verso
ARCANO 19
(O Sol)
Não serei um Fausto moderno
nem venderei minha alma ao fogo eterno:
farei um pacto de amor com a verdade
e o emblema da fé e da razão
será o escudo do meu tempo
Não perderei a vida e a juventude
correndo como miragem atrás da felicidade
Mas se encontrar a verdade
detrás dos seus sete véus vislumbrarei a felicidade
Não correrei atrás de nenhuma revolução
nem seguirei o credo de falsos profetas e poetas
A vida me ensinou que toda sabedoria é tradicional
e flui incessante e natural para o rio da existência
Por que então alterar o curso do rio?
Não seguirei ideologias de esquerda e direita
que distanciam o homem do seu verdadeiro caminho
Estar no centro – da consciência e do coração –
é a única maneira de ser junto com o universo
e pulsar no ritmo cósmico da luz
e da sabedoria da vida
Não mais serei analisado psicoanalisado
dividido fotografado laboratoriado autopsiado
sobretudo não serei mais legião
Na busca da Unidade
a parte é igual ao todo
e nada deve ser excluído
da obra da salvação
(Por que não jogar pérolas aos porcos
e doar esmeraldas aos loucos?)
Não criarei cabelos brancos
acumulando bens que deixarei na estação
Mas harmonizarei os quatro elementos
para que possa transmutar todo chumbo em ouro
retornar à nobreza original da condição humana
e legar fortuna aos descendentes
Não desejarei ardentemente o céu
Nem temerei prudentemente o inferno
O cenário da vida é obra teatral cósmica
em que somos personagens aprendendo seus papéis
na reapresentação diária da arte de ser
Todo sofrimento é belo pois nos conduz ao reino
Todo sofrimento é antecâmara do amor universal
Estar no meio é compreender o verdadeiro vazio
Sobretudo nos instantes de dúvida e incerteza
quando a lua chegar à noite escura da alma
não imprecarei nem clamarei o seu nome em vão
Quedar-me-ei com a pureza fria dos resignados
e pedirei humildemente que me intua
a verdadeira ciência
de estar nesse mundo sem ser necessariamente dele
SÃO LUÍS É UMA SESTA
aqui tudo dorme
homem peixe sesta
bicho fruta flauta
céu barro seresta
aqui tudo ronca
canto ponto vírgula
tropa greve tranca
sobra cabra ilha
dorme são João
o sonho de Pedro
acorda o plantão
pra dormir mais cedo
um boi de orquestra
embala as estrelas
e o som das matracas
adormece as feiras
plena sacristia
segundo Mateus
na igreja assobia
o ronco de deus
INVENÇÃO DA CHUVA
a vida inteira amei a chuva
como platão amava os elementos
e Nietzsche o espírito do vento
protegia-a da fúria dos relâmpagos
deitada em lençóis de aquecimento
aberto exemplar de “o ser e o tempo”
na horizontalidade de suas curvas
o abajur nos acendia os corpos
incendiária musa em “novecento”
partia úmida e em contentamento
lágrimas nas vidraças a mona lisa
no verão do meu desfalecimento
A FÊNIX (6)
vai luz
segue pela sombra
acrescenta
o que me falta
diminui
o que me excede
até encontrar
na fonte que me bebe
a rosa
que perfuma e inflama
o pássaro
que morre
e me levanta
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