Num
país em que ninguém cumpre ou respeita leis, desde o presidente da república
até o guarda da esquina, passando por congressistas, ministros de estado e do
judiciário, penso que não há mal nenhum em deixar de cumprir uma regrinha que
eu mesmo criei. A Coluna Quarta Feira é Dia de RF, do nosso blog LITERATURA
LIMITE (acesse www.literaturalimite.com.br) passa, a partir de agora, a sair qualquer dia
da semana e horário, ou seja, na hora que me der na telha.
Lutando contra determinado vício, o
ano de 2014 foi o ano em que consegui tal façanha (vencê-lo), mas fui acometido por uma
tal síndrome de abstinência, na verdade uma descida ao inferno do sofrimento,
durante uns 15 dias que me pareceram uma eternidade. Durante estes dias escrevi o livro A VIA
CRUCIS DE UM POETA SEM NOME, uma espécie de via sacra às avessas, composto de
14 estações que passo a publicar a partir de hoje. Sigam-me os bons..., quer
dizer, os que gostam da minha poesia.
A
VIA CRUCIS DE UM POETA SEM NOME
Primeira
Estação
O Nascimento
O
erro foi nascer. Ver pela primeira vez a luz sagrada
entre
os escombros de agonia e crueldade.
Este
é o homem e seu reino de trevas.
Sem
profecias, a vida é maldição.
E
assim rastejaste rumo aos primeiros passos.
Na
pedra lisa escreve o teu nome
e o
nome das futuras gerações
que
herdarão de ti
o
sangue amargo e a doçura do coração.
Semear
e colher.
Criar
e apascentar.
E,
sem um minuto de trégua, derramares
todo
o suor deste rio que é teu corpo.
Tudo
nasce de si mesmo:
o
tempo e o homem, e a palavra efêmera,
pois,
para isto, estamos aqui:
esperar,
esperar e esperar
até
colhermos o fruto do Éden
que
nos devolva à infância.
Abrir os olhos, e ver:
que
o sexo também é efêmero
como
a procriação e o tédio.
De
volta à vida, vamos lá,
que
ela nos encurta o sono
e o
viver à espreita.
Segunda
Estação
Brincando de ser criança
Os
soldadinhos de chumbo atiravam para matar.
Morto
o sonho, desfeito o novelo,
boca
e língua, olhos e cotovelo
dispensam
a gasta palavra dos afetos.
Bolinha
de gude, pirulitos,
ação
e reação do sujeito e do verbo
que
o amaldiçoam, por ser criança,
por
haver nascido antes do que viria,
depois,
ser o seu pior destino.
Também
atirei pedras no castelo
e
do ventre em que nasci
ninguém
mais nasceria.
Correr,
saltar, pular, ser
um
doido de rua, um
Hamsés
trapalhão com
suas
esfinges de sangue, bordados
de
ouro que nenhum príncipe
humano
vestiria.
Terceira
Estação
As Lições
Grupo
Escolar Deputado Moreira Lima
e
suas lições, sem avareza alguma,
nos
davam números, palavras e silêncios
desenhados
aos sábados, sozinhos.
Furtar,
roubar, pecar, contaminar
eram
indulgências parcas
que
ninguém temia:
a
galinha de ovos de ouro do senhor Rangel,
a
jumenta da Maria Cancão,
a
burra do papai Durico
tudo
era fruto e fruta
e
de tudo se comia.
Nas
noites vinham fogueiras,
fofoqueiras,
litanias das raízes,
brancos
lençóis, pães da ira,
raras
videiras, fruteiras,
luas
dse sangue e de vinho.
Seminários
de Santo Antônio e da Prainha,
São
Luís e Fortaleza eram pedaços
no
encalço do saber e conhecer
a
alma humana.
Perdido
dentro e fora de um espaço
que
as igrejas dos homens delimitam:
um
deus de barro podre,
um
deus de barro sujo,
um
deus de sangue e medo
na
origem de tudo que começa
na
origem de tudo que conheço.
Depois
de aprendido o bê-a-bá
e o
que fazer no esconderijo das palavras,
é
hora de subir e descer pelas escadas
da
ex-Escola Paroquial Santo Tomás
pelas
mãos incansáveis de Manoel Oliveira
que
se fez padre, prefeito, educador,
deputado,
fiel legislador,
que
abraça os jovens com carinho
e
que em todos plantou uma semente
que
germinou até tornar-se flor.
Ah
juventude! Um gosto todo novo
nas
coisas que vivia-se ali,
além
da escola, um cheiro de
meninas
nos ensinando o amor.
O
Zé Lotenga, com seu bar na praça,
trazendo
novidades até nós:
desde
a embriaguez doce dos sentidos
até
palavras rubras
de
raro encantamento.
É
outro dia, outra luz,
Que
maravilha! Perdi
enquanto
espero
o
que não tenho.
Tive
e perdi e, tendo,
não
me perdi num caminho
só
de sombras.
Fui
ter com elas, mulheres
que
me procuraram
para
ensinar-me o gosto
de
seus beijos,
sem
que eu fugisse mais
dos
meus desejos
que
eram jovens e bons,
e
novos esses desejos.
E
agora estou aqui
no
sol a pino
olhando
a poça d`água na calçada
sem
nem saber por que,
qual
um menino
que
desconheça da vida
seus
atalhos.
E,
lá na frente,
no
chão empoeirado de um domingo,
um
corpo jaz no solo
atravessado
por balas do destino.
É o
Zé Lotenga
que
nem agoniza:
se
foi depressa do seu rosto amigo
o
sorriso em busca de sorrisos.
E
agora e sempre
sei
que estremeço
quando
penso ou volto a São Domingos.
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