16 de set. de 2017

AS CRÔNICAS LUDOVICENSES (2)


   Mais um episódio a desfilar neste blog LITERATURA LIMITE (acesse www.literaturalimite.com.br) de uma série de crônicas, miúdas, pequenas, despretensiosas, apenas relatando, como se fosse uma conversa ao pé do ouvido com alguém imaginário, lembranças, fatos, casos, lendas, da minha convivência e vivência em São Luís por cerca de 10 anos que me parecem séculos, que intitulei de AS CRÔNICAS LUDOVICENSES. Vamos juntos? (RF)

1967 FOI UM ANO BOM

            O ano era o de 1967. Minha segunda chegada a São Luís, a segunda descoberta, a segunda e quase interminável temporada que ajudou na minha formação de jovem e poeta. E militante estudantil de esquerda. E que me jogou, depois, nos braços do movimento hippie.
            Mas vamos por partes, tipo Jack, o Estripador. O ano de 1962, que passei em São Luís, passei-o confinado, como seminarista, no Seminário de Santo Antônio.  Pouco conheci da cidade, a Rua José Bonifácio, uma casa próxima à Beira Mar onde passei alguns domingos.
            Nós, estudantes do interior, tínhamos as madrinhas, senhoras beneficentes que apoiavam o Seminário de diversas maneiras, e uma delas era receber seminaristas em suas residências, dar-lhes um pouco de afeto e carinho, até mesmo amor, em alguns casos, para compensar a solidão e falta que nos fazia a casa paterna.
            Lembro que fomos num passeio conhecer Alcântara. De barco. Enfrentando aquelas ondas altas e o mar bravio e nessa travessia muito de nós sucumbiu ao enjoo, e numa expressão usual quase botamos “as tripas pela boca”. Eu fui um deles.
            Uma cidade fantasma. Assim me pareceu Alcântara naquele longínquo ano de 1962.  Os prédios em ruínas, as ruas calçadas de pedras com o mato rasteiro com seu verde dando um pouco de vida àquilo que parecia uma natureza morta.
            Lá, nessa época, e num desses prédios de arquitetura colonial portuguesa, um dos quais fora construído para abrigar a comitiva durante visita do Imperador que, segundo a lenda, não chegou a efetivar-se, funcionava o presídio estadual. Para lá eram mandados os indivíduos para cumprir pena por alguma condenação.
            Passados tantos anos, guardo vivamente na memória a figura de um negrão, era assim que chamávamos um cara de pele escura, o tal afrodescendente do politicamente correto, sim, um negro forte, grande, barba por fazer, mal encarado. Seu crime: assassinara a própria mãe com uma mão de pilão. E é apenas isso que guardo daquele passeio, o vômito no barco e o matricida na cadeia. E claro, a paisagem, os prédios em ruínas, poucas e raras figuras humanas. Gente simples. Humilde. Pobre. Esquecida.
            No fim daquele 1962 os padres que dirigiam o Seminário de Santo Antônio resolveram me desligar do mesmo, achavam-me rebelde, brincalhão, sem verdadeiro espírito de seminarista. Fui assim devolvido à Diocese de Caxias que me enviou em 1963 para o Seminário da Prainha, em Fortaleza, mas aí é outra história, e nada tem de ludovicense nela.
            Então voltemos ao ano de 1967. Cheguei em São Luís com o apoio do Padre Manoel da Penha Oliveira e do Deputado Estadual Luís Rocha. Falo em apoio porque eu era um jovem sem nenhum recurso material, meus pais não tinham condições de custear meus estudos. Eu havia trabalhado nas campanhas políticas do Padre Manoel para prefeito de São Domingos, e ajudado também na campanha do Luís Rocha, e assim eles viabilizaram esta minha nova estadia em São Luís.
            Janeiro de 1967 voltei pra sentir aquele cheio de mar e maresia que era uma marca registrada da Ilha. Fiquei um mês e tal hospedado na casa do Luís Rocha, uma casinha de dois pisos na Vila Iná Rego, lembro do DER ali perto, o Canto da Fabril, território motense, o Estádio Nhozinho Santos e aí em seguida fui morar na Casa do Estudante, mas a gente chamava mesmo era de UMES.  Na Rua do Passeio. Lá pras bandas do Cemitério do Gavião.
            UMES e seus entornos. Vila Bessa. Belira. Lira. Madre Deus. Goiabal.  Nesses bairros, nos fins de semana em companhia de dois amigos, o Pestana e o Davilson, a gente saía procurando as famosas festinhas e as garotas. Renato e seus Blue Caps. E os sucessos “Não te esquecerei”, “Menina linda”, “Ana”, “Não quero ver você chorar”, “Dona do meu coração”. Quase sempre versões das músicas do Beatles. Wanderley Cardoso atacava de “Bom rapaz” e “Doce de coco”; Jerry Adriani tinha “Querida”, “És meu amor”, “Quem não quer”. E o chefe da patota, Roberto Carlos e seu parceiro Erasmo Carlos, a ternurinha Wanderléia.
            E tome Rum Montilla com Coca-cola. Muita agarração, muito chamego, beijos e tal, mas ninguém passava do limite, não tinha esse negócio de pílula anticoncepcional disseminada geral e como dizia a música do Roberto “casamento, enfim, não é papo pra mim”.
            Era o segundo ano de mandato do Governador José Sarney. Um dos governadores mais jovens do Brasil. Fora do grupo chamado Bossa Nova da antiga UDN. Militares no poder, Sarney aderiu e passou-se para a ARENA.
            Justiça seja feita. Naquela época o Maranhão vivia momentos de políticos de grande euforia e transformação. Pensávamos, e até certo ponto, estávamos enterrando o passado junto com a prática vitorinista de governar.
            Sarney chamara jovens entusiastas e competentes para a administração pública. Zé Reinaldo, Haroldo Tavares, Nelson Almada Lima. E outros. E uma cabeça pensante, o poeta Bandeira Tribuzi.
            Na educação o Dr. José Maria Cabral Marques, que visitara a Alemanha e o Japão, trouxe ideias, projetos, planos que foram sendo implantados ao longo daquele vitorioso primeiro ano da era Sarney: Projeto Bandeirantes, escolas de nível médio, profissionalizantes; Projeto João de Barro, educação de jovens (fora da faixa etária escolar) e adultos. E, então, o mais revolucionário deles: a TV Educativa, talvez a primeira, seguramente umas das pioneiras em todo o território nacional.
            Depois, bem, depois é depois do qual falarei depois. Mas em 1967 ninguém poderia imaginar que José Sarney iria implantar uma nova era de caciquismo político, apoderar-se, enfim, da máquina pública para satisfazer projetos pessoais e satisfação de grupos que lhe eram fiéis, deixando o Estado após tantos anos numa situação de penúltimo lugar nos indicadores sociais.
            Mas, de fato, 1967 foi um ano bom.

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