Nesta QUARTA É DIA DE
RF trazemos a segunda parte – Invenções: a terra – do meu livro de poesias A
Colheita do Mundo, acho que publicado em 1986, e, distribuído de forma
precária, muitos não o conhecem, mesmos os amigos que têm acompanhado a minha
trajetória poética ao longo de quase cinquenta anos. Aqui está no nosso blog
LITERATURA LIMITE o referido trabalho, que você pode ler acessando o novo
endereço na web (www.literaturalimite.blogspot.com.br).
INVENÇÕES: A TERRA
adeus
alaúde de prata
adeus
ferro e mistério
mármore
branco do passado
adeus
retinem
as esporas
soltas
ferraduras pelo ar
descrevem
círculos sanguíneos
e
nada de ver o céu
só
terra
mar
e terra
pedra-treva
por
onde vocês foram, meninos?
como cantavam quando?
desmistério
de azul
na
sala toda
toalhas
bússolas janeiros
repetição
mortal do frouxo verso
caveiras
lixo
a
cidade de pólvora
expõe
as tetas ao verso
a
cidade de pólvora
expõe
o músculo tenso
e tudo explode como no começo
desço
a Rua Saavedra
conto
passos becos
forço
a saída do portão do mundo
Hércules
noturno e mijado
com as mãos fora dos guizos
picada
nas veias
o
olho em chama anunciador da morte
a
poesia é morte
o
meu trabalho é morte
a
terra só me cabe pelo avesso
ela,
a terra dura
ela,
o pai ganindo pelas trepadeiras
o
dia era insensível
tinha
tudo
o
dia não se movia
era
intragável
o dia passava escuro pela garganta
dos galos
o
mundo não estava aberto
o
falso pulso
o
dia não contava
era
outro mistério
o morto na sala
sal,
salitre
tudo
me entrava pelos olhos
as
faces feras
o
furor de neblina
e
eu perdia pé no pesadelo
sozinho
com as palavras
enumerando-as
sem enumerar-me
foi
a terra que forjou meu nascimento
foram
os meses de maio
a
colheita do mundo
árvore
avara aziaga
no
vasto ovário
a
bomba que explode a outra
madura
de sementes
vendida
no varejo
no tédio no tempo
todos
já disseram isto
é
preciso avançar para além da gula
do
fumo, do ouro
da
podridão das esferas
para
onde se inclinavam todos os girassóis
ô
assovio
ô
dente podre
como
é feroz o meu grito
ô
zumbido dos séculos
pondo
farpas no olvido
(sim,
era Garcia Lorca
quem copulava ao inverso)
eu
e os girassóis
eu
e a lua passando
eu
e o eco dos jumentos
apaziguado
sobre a pedra
eu-greve
o ano inteiro
intermezzo
e
não fim
todo
dia me começo
procurando
sapatos
tornando-me
retratos
de rostos que eu possa ser
fiz
para ti uma casa de milho
uma
cama de milho
comigo
é tudo assim
quando
contigo me embriago
eu
e o teu umbigo
eu
e o teu asco
tanto
faz
fiz
para ti um jardim
um
oceano entre as mãos
fiz
de tudo um pouco
meu verso, tua paz
e
as outras primaveras
tudo
para trás que se apagou
densas
naturezas mortas
foi
assim a mulher curvada sobre espelhos
na
cálida manhã
sobre
nosso esperma
furor
de tato e faro
do animal, a presa
é
assim o meu verso
um
cavalo sem musas
há
poetas demais
poemas
demais
e
a poesia é torta
ó
terra, ainda
verde
ainda
bela,
ainda que tardia
(do
livro A Colheita do Mundo, Editora e Gráfica Seriema,
Porto
Alegre, RS, 1986)
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