Neste dia 25 de dezembro, data máxima
da Cristandade conforme o lugar comum mais que usado, nosso blog LITERATURA
LIMITE (acesse-o via www.literaturalimite.blogspot.com.br)
traz um texto-parábola do poeta maranhense radicado em Brasília VIRIATO GASPAR,
uma das vozes mais expressivas da poesia brasileira contemporânea, embora, como
toda obra de um grande poeta, sua poesia esteja no passado, no presente e no
futuro. Para meditarmos, mesmo empanturrados de tanta comilança, sobreabraçando
presentes e mimos, com alcoóis e tudo o mais.
MENINO CHORANDO NA NOITE
O choro do Menino me acordou,
Tentei virar de lado, mas não
dava. O choro do Menino incomodava. Doía lá no fundo. Perturbava. Saí pelo
sereno e não O achava. O frio do verão me retalhava as roupas, as orelhas, os pés
gelados. E o choro do Menino não parava. Urgente. Doloroso. Ingente e frágil.
Achei-O ao rés de um beco. Ainda
chorava. Amparei-O nos braços e corri. O choro do Menino arrepiava. Faminto,
nu, gelado, abandonado. Corri pelo silêncio que berrava. Bati às portas,
esmurrei as grades, gritei: olhem o Menino que chorava!
Mas em todas as casas havia
festas e risadas. Mesas postas, talheres que abafavam o pranto do Menino que
chorava. Músicas, abraços, drinques, farras. Presentes aguardando sob as
árvores de luzes e de neves que piscavam. Crianças que corriam pelas salas.
Irmãos que se abraçavam enquanto outros discutiam, ferozes, e altercavam.
Ninguém me ouviu gritar pelo
Menino. Que agora não chorava. Gelado, frio, só, só soluçava. Longe das festas,
dos fogos, dos agrados, havia um Menino que expirava.
E enquanto se abraçavam ou se
serviam, o Menino sumiu do meu regaço. Ainda pude vê-Lo, de relance, chorando
ainda, em meio à solidão dos que não ganham abraço nem nas festas de Natal. No
silêncio sem voz dos que não comem. No desalento dos que já não tem nada. No
abandono dos que morrem nas calçadas. Das crianças sem teto e sem comida. Dos
velhos que se arrastam sem domingos.
E em meio aos risos, festas,
barulhadas, abraços e canções, às mesas fartas, bebidas e cartões, votos de
nadas, faminto, nu, sozinho, enregelado, eis o Menino morto na calçada.
Papai Noel chegou! Festas,
fanfarras, gritos, fogos, rojões, bebidas caras!
O Menino não viu. Não tinha nada
a ver com o barulho que atroava. Era apenas um Menino que chorava.
Papai Noel não liga para meninos
mortos na calçada.
Viriato Gaspar
23/12/2017
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