Depois
de muitos dias ausentes, voltamos nesta data com a nossa coluna QUARTA FEIRA É
DIA DE RF, e o blog, você já conhece, é o LITERATURA LIMITE (que você acessa
www.literaturalimite.blogspot.com.br), pondo lenha na fogueira, ou seja,
polemizando, questionando e sobretudo trazendo uma literatura pessoal que
procura alcançar sempre um estágio superior (muito embora nem sempre consiga
tal objetivo).
Portanto, viva a Diversidade:
Sexual, Social, Política, Cultural, cada macaco no seu galho, cada um com o que
é seu e o diabo não tem o que fazer.
No meu caso a Diversidade é
Literária. Trago hoje três momentos diversos da minha criação literária atual:
3 novos livros em gestação, um de poemas, DIURNIDADE, um de sonetos, CAIXA DE
SONETOS, e um de ensaios de filosofia e arte, projeto acalentado há mais de
quatro décadas e que só agora está se tornando realidade, intitulado UM SOCO
CONTRA O MURO.
Vamos aos textos. Primeiro, do livro
em preparo CAIXA DE SONETOS:
1
De noite a
vida tarda e o coração,
esse porão de
angústias e silêncios,
não teme mais
a dona sem mistérios
que me leva
pela mão ao grande abismo.
Que
bom!, estou aqui, e ainda hoje
pressinto as
sutilezas deste dia
em que
herdarei o fruto cobiçado
da grande
deusa, mãe das alegrias.
És, então, o
pequeno grão de areia
que, na
terra, entregue ao abandono
de si mesmo,
rastejou feito cobra
pelas ilhas
desertas e o mar bravio,
e agora chora
o porto já perdido:
de onde se
afastou sem não ter ido.
2
Um vulto
apaga a sombra que deixaste
mover-se ao
sol, na tarde cristalina.
Teus olhos
são dois rios; corredeiras
que lavam
tuas lágrimas na neblina.
O resto é
pose, curva do caminho
em que te
perdeste rumo ao norte,
sem saberes
que a estrada é sinuosa
e tanto leva
pra vida ou para a morte.
Assim
caminharás, a fronte erguida,
passos
trôpegos, e ombros curvados
sob o peso do
fardo que é tua sina.
Nem vulto ou
sombra que ao sol se mova
na tarde de areias movediças:
apenas uma
ausência que caminha.
3
Ah, que a
tarde vai alta e o dia vem
com seus
medos, anseios e desejos
pra nos fazer
sofrer e é só loucura
o que se
sente nestas horas mudas.
Que venha
logo a noite e o seu escuro
é só o que
desejamos nestas horas:
um véu que
nos esconda deste mundo
até que esta
tristeza vá embora.
Não me falta
amor e nem dinheiro;
não estou nem
doente, nem sozinho.
Essa angústia
é sem nome, prenuncia
tempestades
ou morte, ou nem isso,
falta apenas
o cantar de um passarinho
que anuncie o
raiar de mais um dia.
Agora temos aqui 3 poemas do livro
DIURNIDADE:
REVOLUÇÃO
As horas nos
espreitam
com suas
falas de monstros.
Os herdeiros
políticos do mito deste povo
C onversam
entre si uma poesia de sangue.
Isso é
democracia, essa divisão de classes
que também
divide almas: as sonâmbulas
e as
esparsas.
Somente a
Revolução poderá nos reunir
num projeto
novo, sem ismos e sem
bandeiras,
sem os discursos de Marx,
sem a febre
capitalista,
sem
escravidão ou consumo.
Nos basta o
cheiro da mata
e o ronco dos
automóveis,
o tiro seco da pólvora
e os tambores
ao longe.
POEMA
DO AMOR DEPOIS
Dormir
pensando em você
uma
maneira de não ser
um
homem com gesto ou palavra,
sem
luz e um escuro na alma
por
nunca mais ter você.
Tantos
anos se passaram
luas,
enchentes, invernos
tantas
coisas renasceram
na
minha descida aos infernos.
Mas,
como Dante, voltei
e
mesmo sangrando pensei
que
a vida é um dom, é um fado.
E
o que importa é viver
mesmo
chorando, calado.
Destino
do amor é isso,
essa
bomba no peito, inflada
que
explode a qualquer momento.
Dor
e tormento, eis a sina
de
amar-se tanto por nada.
E,
no entanto, não cessa,
nem
cede a parca esperança.
Mais
que amor é uma criança
perdida
entre seus brinquedos,
ou
um adulto e seus medos
a
quem o amor não alcança.
Amar
eu te amo, e quanto!
Nem
é possível medir,
pois
não há régua no mundo
que
possa exprimir, num verso,
sentimento
tão profundo.
Nem
palavra musicada,
nem
beijo de língua, estalando,
nem
o abraço mais apertado
t transmitem
mais alegria
ou
descompassada euforia
que
um coração tresloucado.
Oração,
por isso rezo. Oro. Suplico.
Peço
perdão, de joelhos.
Falo
pelos cotovelos,
arrependido
de tudo,
do
que fiz e do que já não faço,
do
que fui e do que não sou.
Ah,
este fardo invisível,
que
tanto pesa em meus ombros,
e
esta vida toda de enganos
de
sofrer por teu amor.
JÁ FUI UM DIA
Chama rubra
queimas veloz
acendes e
apagas minha vida com soluços,
um sopro, um
ai.
Talvez
duendes me visitem nas tardes.
Talvez uma
noite eu morra sozinho.
Talvez tais
vezes escondam de mim pirilampos,
estrelas-vagalume
que o olho não vê.
Onde ficam as
saídas?
I sso se
perguntam os perdidos,
trazidos pela
emoção para perto dos sonhos,
dos nossos
sonhos
e de outros
sonhos que não sonhamos nunca.
Talvez! É só
o que falo. Sou todo dúvidas
por onde a
sombra me acompanha os passos.
E, para encerrar, 3 momentos do
livro UM SOCO CONTRA O MURO (ensaios de Filosofia e Arte), uma espécie de parábolas menores, pois jamais
chegarei aos pés de um Cristo, um Sófocles ou um Hesse:
AS SECRETAS RAZÕES DA
LOUCURA
Havia um Reino Encantado, num lugar de todos
desconhecido, cujo Rei era um louco.
Seus
editos, determinações e leis eram frutos de pequenos e esparsos momentos em que
lhe sobrevinha a sanidade – diziam.
Nenhuma
lei era injusta. Nenhuma determinação era contrária a qualquer lei da natureza
ou dos homens. E os editos agradavam a súditos e vassalos, religiosos e
militares, artesãos e comerciantes, nobres e plebeus, ricos e pobres.
Era
um Reino feliz onde todos eram felizes.
O
que ninguém sabia, e jamais poderia sequer imaginar, era que leis, editos e
determinações, embora fossem promulgados naqueles instantes em que a razão
dominava, eram todos concebidos, pensados, criados exatamente durante a sua
loucura.
NUVENS ESCURAS TOLDARAM
O CÉU
Numa
radiante manhã de sol o viajante e peregrino seguia por uma estrada florida e
perfumada.
Podia
ouvir, mesmo que fosse ao longe, o cantar mavioso de algum pássaro, o sussurrar
das águas de um riacho, pelo qual passou com o coração cheio de doçura e
encantamento, e os silvos de folhas nas árvores trazidos pelo vento.
Caminhava
contrito e alegre: seu cajado era sua
única arma, com a qual enfrentaria alguma fera que aparecesse repentinamente a
sua frente, e levava também seu farnel composto de algumas frutas, mel e fatias
de pão integral.
Enquanto
andava, seu passado em forma de lembranças, emergiu de dentro de si
trazendo-lhe preocupação e insossego. A estrada ficava cada vez mais estreita,
parecia-lhe que o céu escurecia e que logo uma tempestade o alcançaria. E até
murmurou em voz baixa para si mesmo:
–
Nuvens escuras toldam o meu céu...
Mas
não havia nuvens, muito menos escuras. Ao olhar novamente para o céu e para
fora de si a manhã continuava radiante e alegre e o sol brilhava em todo o seu
esplendor.
E
soube: aquelas nuvens escuras eram apenas os seus pensamentos.
OLHANDO ALÉM DAS
APARÊNCIAS
Ao
sentir que o peso dos anos lhe curvava a espinha e que o seu tempo de provações
na terra se esgotava, o homem subiu a montanha.
Procurava
no alto daquele monte uma espécie de sábio e vidente que ali habitava. Era,
como se diz, um perito, um especialista em desvendar o ser humano, mesmo que
este procurasse guardar, da forma mais secreta, certos segredos.
Procuravam-no
todo tipo de pessoas: ricos, pobres, gordos, magricelas, angustiados,
confiantes, humildes, orgulhos, desesperados e esperançosos. Mas todos com um
único objetivo: ouvirem o veredito a respeito de si mesmos e qual destino
teriam, após serem carregados pelos braços da morte para o lado invisível do
mundo e das coisas.
Seu
método era simples e seguro. Não fazia perguntas. Apenas olhava fixamente, por
alguns segundos, o visitante para ver se este baixava ou desviava o olhar do
seu ou se permanecia também olhando-o firmemente.
O
dom especial do vidente é que aquele que o consultava via-se a si mesmo no
olhar do sábio, e passava a se reconhecer como realmente era por dentro, sem
máscaras ou fingimento.
Pois,
sentenciava o eremita do alto da montanha: “nem todos se reconhecem ao
olharem-se no seu espelho interior”.
Raimundo
Fontenele
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