20 de jul. de 2018

SÃO DOMINGOS REVISITADA


Sem muito papo furado, o nosso blog LITERATURA LIMITE (que você acessa no link www.literaturalimite.blogspot.com.br) traz hoje a continuação das memórias e histórias vividas por mim em São Domingos do Maranhão. Vamos nessa!

CONVIVENDO COM UM AMIGO (2)

         Almoçamos uma galinha ao molho pardo num desses restaurantes populares, depois refrigerante, cafezinho, tudo pago pelo santo homem e, em seguida, pegamos a estrada para São Domingos.
         Entrei em casa sobressaltado, mas fui logo dando a real para a minha mãe que, apesar de brava, era muito compreensiva, e me lembro que ela disse que se era para ser um padre sem vocação, quer dizer um mau sacerdote, era melhor ter saído.
E acho que ela ficava também contente em me ter perto dela, mãe a gente sabe como é, e além do mais eu era filho único, apesar de ter uma irmã de criação, registrada como filha, a Gracinha, que Deus também levou em 2014, como já levara meu pai em 1987 e minha mãe em 2011.
         Eu estava de novo sob a proteção do padre Manoel que, reconhecendo em mim alguns talentos, resolveu me dar uma terceira chance e lá estava eu sendo professor de uma turma do 2º ano primário, com trinta e seis alunos, entre os quais lembro do Clodomir, da Lúcia do senhor Genésio, da Carmen do finado Hermes, do Bodinho, não o vereador, o outro, irmão da Zizélia, como lembrar de todos? Mas foi assim que iniciei o ano de 1965, e matriculado na Escola Pio XII para continuar meus estudos ginasiais.
No meio do ano restavam apenas 12 alunos, os pais foram tirando um a um os filhos, eu era quase tão criança quanto eles, e uma vez, num dia de prova, em que eles não me obedeciam, era um converseiro sem tamanho, avancei e tomei a prova da maior parte, numas dei zero e outras rasguei e sapateei em cima.
Ali acabou a minha carreira de professor. Já havia no ano anterior encerrado a carreira de padreco. Mas o padre Manoel me tirou da sala de aula e me colocou como Secretário da Escola Paroquial Santo Tomás, onde me saí mais ou menos.
Digo mais ou menos porque nos primeiros meses tudo seguiu o seu curso normal. Eu recebia o pagamento da mensalidade dos alunos, controlava as despesas e pagava os professores.
Mas, sei lá porquê, um dos meus defeitos era ser perdulário. E assim, comecei a gastar o dinheiro da escola, com festas, garotas, amigos e bebedeira. Diabos! No final do mês o caixa não fechou e eu não tinha dinheiro para pagar os professores.
O padre Manoel viajava muito. E quando chegou de uma dessas viagens e descobriu que eu tinha sido desonesto ficou muito chateado comigo. Eu diria com raiva mesmo. E me passou uma descompostura daquelas, e merecida, por sinal.  E aí acabou a minha carreira de Secretário da Escola Paroquial Santo Tomás, pois fui destituído do cargo para o bem das finanças da Escola e dos professores.
Mas eu sempre me achei um cara de sorte. Eu não ficar desempregado por muito tempo.
Primeiro porque o padre Manoel entrou em sua campanha política e me levou para trabalhar com ele. O pouco tempo de estudo no Seminário me ajudou a desenvolver um dom natural que eu trouxera para a oratória. Fazia cada discurso que era uma beleza. Era muito aplaudido mesmo, sem nenhuma vaidade, mas também sem falsa modéstia.
E, segundo, perto do final do ano, um grande acontecimento estava chegando para marcar a vida comercial de São Domingos. Eram as Casas Pernambucanas, para onde fui viver a experiência do primeiro emprego com carteira assinada. E como sempre, apesar da sorte, eu estava sempre aprontando umas e outras, como verão a seguir.
Imagem puramente ilustrativa
Ainda se estava na função de abrir fardos de tecidos, arrumar nas prateleiras e tínhamos que trabalhar direto, sexta e sábado à noite. E como iam ficar as festinhas, as namoradas?
Eu era um rapazote levado. Havia ocasiões em que eu tinha três namoradas, até lembro o nome delas, uma continua casada, e outros duas casaram e enviuvaram. Acho que não se sentirão magoadas por eu revelar seus nomes. Afinal não exponho nada demais. Acho que naquele tempo o máximo de intimidade era pegar na mão. E é também uma forma de homenageá-las: Graça Sousa, Ivanda Barbosa e Eliene Matos.
Assim, inventei que estava doente no sábado à noite, pois tinha uma festa na Rua dos Cardoso e eu pretendia encontrar-me lá com a Eliene, residente no Angical e estudante em Teresina. E foi o que fiz.
Mas alguém me viu por lá, e sabem como é, sempre tem um fofoqueiro de plantão que deu o serviço para o senhor Zé Carlos, gerente da Pernambucana e disse que eu não estava doente coisíssima nenhuma, estava todo faceiro numa festinha de jovens.
Foi a conta pro gerente me dá as contas. Na segunda feira estava eu desempregado antes mesmo da inauguração da loja. Mas, aí, não sei se meu pai ou outro familiar falaram com o senhor Zé Carlos e ele relevou a minha falta e resolveu me readmitir.
Fui trabalhar no escritório e aos sábados pegava o microfone de um serviço de som e ficava junto a uns tabuleiros com tecido barato, sobras de peças, tudo vendido como liquidação.
Sem quê nem pra quê eu e a Creuza, funcionária também do escritório, num momento em que o gerente, senhor Zé Carlos, estava ausente, começamos uma disputa em torno da garrafa de cafezinho. Coisa de jovens imbecis, porque dali a coisa evoluiu, bate boca sem sentido, e ela jogou nem lembro que objeto em mim e revidei jogando nela uma régua de plástico.
Nem acertou direito, mas quando o senhor Zé Carlos apontou na porta ela se derramou num rio de lágrimas, uma ótima atriz global ela seria, até soluços ela conseguiu arrancar do seu sofrido peito. Quando o gerente se inteirou do acontecido me deu três dias de suspensão. Passou a punição, voltei ao trabalho.
Devia ser início de novembro.
O senhor Zé Carlos estava selecionando alguns funcionários para mandá-los trabalhar numa filial provisória, que seria instalada em Colinas até que passasse o dia dos Festejos da Padroeira da cidade, Nossa Senhora da Conceição, dia 8 de dezembro. Pensei comigo, estou dentro, e passei a pedir para o senhor Zé Carlos me incluir nos que iriam pra Colinas.

No escritório tinha um serviço que se fazia todo manualmente, naquelas máquinas de somar antigas, tinham até uma manivela, imaginem! Chamava-se “apurado”, uma espécie de balanço mensal.Tínhamos que conferir todas as notas fiscais: metragem de tecido vendido, valor do metro e cálculo do valor total conforme a venda.
Aí faltando uma semana pra viagem, ele me disse: “olha, se terminares este “apurado” até o fim da semana te mando pra Colinas”.
Ele achava impossível que eu terminasse o serviço. E realmente era, tanto que fiz apressado e no final não batia, ou, como se diz, não fechava o caixa. O dia do embarque se aproximando e eu enrolado, e logo tive uma “brilhante” idéia.
Fiz lançamento de uma venda imaginária, pois alguns pequenos comerciantes dos povoados compravam lá peças inteiras para revender. Foi isso que fiz. 20 metros de linho.  15 metros de tricoline branca. 25 metros de brim. 40 metros de morim. E assim foi até completar o valor necessário para fechar tudo certinho.
Na véspera da viagem, quando ninguém esperava, levantei e todo exultante e feliz falei para todos ouvirem: “Consegui, seu Zé Carlos! Viva”! E assim fiz parte da equipe que viajou pra Colinas: o Clóvis Cardoso, Neguinho do Zeza, o Walfredo e algum mais que não lembro agora.
Em Colinas estava uma beleza. Durante o dia tinha a loja e à noite a Praça da Matriz fervilhando de garotas, música, animação, leilões, missas, quermesses, afinal eram os festejos da padroeira. O Clóvis se grudou logo numa moça chamada Analice e eu comecei um namoro com uma morena linda, chamada Sebastiana que era aparentada do Zeza e tinha um irmão que era uma fera.
No melhor   da festa, o Walfredo me chamou e mostrou o telegrama: era o senhor Zé Carlos me chamando de volta com toda urgência. Já fui sabendo do que se tratava e não deu outra. Tinham conferido meu serviço e descobriram a burla. E tome mais três dias de suspensão, foi o que ganhei pela minha falta tão grave.
E dessa vez a sorte me abandonou e achegou-se a mim o azar na pessoa de um Fiscal da Pernambucana, cujo nome não recordo, mas sei que era amazonense, cabelo e cara de índio, certamente descendente de um desses morubixabas.
De vez em quando os fiscais visitavam e inspecionavam as lojas. Ao ver a minha ficha, o fiscal perguntou por mim e sabendo que já era a terceira vez que eu “mijava fora do caco”, disse para o senhor Zé Carlos que o meu caso era de demissão imediata e pronto.
E pronto mesmo. Eu iria terminar o ano de 1965 desempregado, e com uma conta de cerveja um tanto alta na quitanda da dona Maria Augusta do seu Pedro Joaquim, ali na esquina em frente a Pernambucana. Além da contrariedade que causava aos meus pais, tias, enfim a minha família achava até que eu não mesmo dar pra nada.
Movimentado, cheio de altos e baixos, foi um ano e tanto esse 1965.  E se eu não podia contar com outros, o padre Manoel estava ali mais uma vez para me estender a mão. E passei a fazer parte da administração municipal, nomeado por ele, agora Prefeito, para o cargo de Escrivão de Polícia e fui trabalhar na Delegacia chefiada então pelo grande amigo Lourenço Vieira. Mas ali foi que a porca torceu o rabo, eu caí do cavalo e dei de cara no chão.
1966 aqui vamos nós, eu e o meu São Domingos. (continua).

       
Raimundo Fontenele

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