Sem muito papo furado, o nosso blog LITERATURA LIMITE (que você
acessa no link www.literaturalimite.blogspot.com.br)
traz hoje a continuação das memórias e histórias vividas por mim em São
Domingos do Maranhão. Vamos nessa!
CONVIVENDO COM UM AMIGO (2)
Almoçamos uma
galinha ao molho pardo num desses restaurantes populares, depois refrigerante,
cafezinho, tudo pago pelo santo homem e, em seguida, pegamos a estrada para São
Domingos.
Entrei em casa sobressaltado,
mas fui logo dando a real para a minha mãe que, apesar de brava, era muito
compreensiva, e me lembro que ela disse que se era para ser um padre sem
vocação, quer dizer um mau sacerdote, era melhor ter saído.
E acho que ela ficava também contente em me ter perto dela, mãe
a gente sabe como é, e além do mais eu era filho único, apesar de ter uma irmã
de criação, registrada como filha, a Gracinha, que Deus também levou em 2014,
como já levara meu pai em 1987 e minha mãe em 2011.
Eu estava de novo
sob a proteção do padre Manoel que, reconhecendo em mim alguns talentos,
resolveu me dar uma terceira chance e lá estava eu sendo professor de uma turma
do 2º ano primário, com trinta e seis alunos, entre os quais lembro do
Clodomir, da Lúcia do senhor Genésio, da Carmen do finado Hermes, do Bodinho,
não o vereador, o outro, irmão da Zizélia, como lembrar de todos? Mas foi assim
que iniciei o ano de 1965, e matriculado na Escola Pio XII para continuar meus
estudos ginasiais.
No meio do ano restavam apenas 12 alunos, os pais foram tirando
um a um os filhos, eu era quase tão criança quanto eles, e uma vez, num dia de
prova, em que eles não me obedeciam, era um converseiro sem tamanho, avancei e
tomei a prova da maior parte, numas dei zero e outras rasguei e sapateei em
cima.
Ali acabou a minha carreira de professor. Já havia no ano
anterior encerrado a carreira de padreco. Mas o padre Manoel me tirou da sala
de aula e me colocou como Secretário da Escola Paroquial Santo Tomás, onde me
saí mais ou menos.
Digo mais ou menos porque nos primeiros meses tudo seguiu o seu
curso normal. Eu recebia o pagamento da mensalidade dos alunos, controlava as
despesas e pagava os professores.
Mas, sei lá porquê, um dos meus defeitos era ser perdulário. E
assim, comecei a gastar o dinheiro da escola, com festas, garotas, amigos e
bebedeira. Diabos! No final do mês o caixa não fechou e eu não tinha dinheiro
para pagar os professores.
O padre Manoel viajava muito. E quando chegou de uma dessas viagens
e descobriu que eu tinha sido desonesto ficou muito chateado comigo. Eu diria
com raiva mesmo. E me passou uma descompostura daquelas, e merecida, por
sinal. E aí acabou a minha carreira de
Secretário da Escola Paroquial Santo Tomás, pois fui destituído do cargo para o
bem das finanças da Escola e dos professores.
Mas eu sempre me achei um cara de sorte. Eu não ficar
desempregado por muito tempo.
Primeiro porque o padre Manoel entrou em sua campanha política e
me levou para trabalhar com ele. O pouco tempo de estudo no Seminário me ajudou
a desenvolver um dom natural que eu trouxera para a oratória. Fazia cada
discurso que era uma beleza. Era muito aplaudido mesmo, sem nenhuma vaidade,
mas também sem falsa modéstia.
E, segundo, perto do final do ano, um grande acontecimento
estava chegando para marcar a vida comercial de São Domingos. Eram as Casas
Pernambucanas, para onde fui viver a experiência do primeiro emprego com
carteira assinada. E como sempre, apesar da sorte, eu estava sempre aprontando
umas e outras, como verão a seguir.
Imagem puramente ilustrativa |
Ainda se estava na função de abrir fardos de tecidos, arrumar
nas prateleiras e tínhamos que trabalhar direto, sexta e sábado à noite. E como
iam ficar as festinhas, as namoradas?
Eu era um rapazote levado. Havia ocasiões em que eu tinha três
namoradas, até lembro o nome delas, uma continua casada, e outros duas casaram
e enviuvaram. Acho que não se sentirão magoadas por eu revelar seus nomes.
Afinal não exponho nada demais. Acho que naquele tempo o máximo de intimidade
era pegar na mão. E é também uma forma de homenageá-las: Graça Sousa, Ivanda
Barbosa e Eliene Matos.
Assim, inventei que estava doente no sábado à noite, pois tinha
uma festa na Rua dos Cardoso e eu pretendia encontrar-me lá com a Eliene,
residente no Angical e estudante em Teresina. E foi o que fiz.
Mas alguém me viu por lá, e sabem como é, sempre tem um
fofoqueiro de plantão que deu o serviço para o senhor Zé Carlos, gerente da
Pernambucana e disse que eu não estava doente coisíssima nenhuma, estava todo
faceiro numa festinha de jovens.
Foi a conta pro gerente me dá as contas. Na segunda feira estava
eu desempregado antes mesmo da inauguração da loja. Mas, aí, não sei se meu pai
ou outro familiar falaram com o senhor Zé Carlos e ele relevou a minha falta e
resolveu me readmitir.
Fui trabalhar no escritório e aos sábados pegava o microfone de
um serviço de som e ficava junto a uns tabuleiros com tecido barato, sobras de
peças, tudo vendido como liquidação.
Sem quê nem pra quê eu e a Creuza, funcionária também do
escritório, num momento em que o gerente, senhor Zé Carlos, estava ausente,
começamos uma disputa em torno da garrafa de cafezinho. Coisa de jovens
imbecis, porque dali a coisa evoluiu, bate boca sem sentido, e ela jogou nem
lembro que objeto em mim e revidei jogando nela uma régua de plástico.
Nem acertou direito, mas quando o senhor Zé Carlos apontou na
porta ela se derramou num rio de lágrimas, uma ótima atriz global ela seria,
até soluços ela conseguiu arrancar do seu sofrido peito. Quando o gerente se
inteirou do acontecido me deu três dias de suspensão. Passou a punição, voltei
ao trabalho.
Devia ser início de novembro.
O senhor Zé Carlos estava selecionando alguns funcionários para
mandá-los trabalhar numa filial provisória, que seria instalada em Colinas até
que passasse o dia dos Festejos da Padroeira da cidade, Nossa Senhora da
Conceição, dia 8 de dezembro. Pensei comigo, estou dentro, e passei a pedir
para o senhor Zé Carlos me incluir nos que iriam pra Colinas.
No escritório tinha um serviço que se fazia todo manualmente,
naquelas máquinas de somar antigas, tinham até uma manivela, imaginem!
Chamava-se “apurado”, uma espécie de balanço mensal.Tínhamos que conferir todas
as notas fiscais: metragem de tecido vendido, valor do metro e cálculo do valor
total conforme a venda.
Aí faltando uma semana pra viagem, ele me disse: “olha, se
terminares este “apurado” até o fim da semana te mando pra Colinas”.
Ele achava impossível que eu terminasse o serviço. E realmente
era, tanto que fiz apressado e no final não batia, ou, como se diz, não fechava
o caixa. O dia do embarque se aproximando e eu enrolado, e logo tive uma “brilhante”
idéia.
Fiz lançamento de uma venda imaginária, pois alguns pequenos
comerciantes dos povoados compravam lá peças inteiras para revender. Foi isso
que fiz. 20 metros de linho. 15 metros
de tricoline branca. 25 metros de brim. 40 metros de morim. E assim foi até
completar o valor necessário para fechar tudo certinho.
Na véspera da viagem, quando ninguém esperava, levantei e todo
exultante e feliz falei para todos ouvirem: “Consegui, seu Zé Carlos! Viva”! E
assim fiz parte da equipe que viajou pra Colinas: o Clóvis Cardoso, Neguinho do
Zeza, o Walfredo e algum mais que não lembro agora.
Em Colinas estava uma beleza. Durante o dia tinha a loja e à noite
a Praça da Matriz fervilhando de garotas, música, animação, leilões, missas,
quermesses, afinal eram os festejos da padroeira. O Clóvis se grudou logo numa
moça chamada Analice e eu comecei um namoro com uma morena linda, chamada
Sebastiana que era aparentada do Zeza e tinha um irmão que era uma fera.
No melhor da festa, o
Walfredo me chamou e mostrou o telegrama: era o senhor Zé Carlos me chamando de
volta com toda urgência. Já fui sabendo do que se tratava e não deu outra.
Tinham conferido meu serviço e descobriram a burla. E tome mais três dias de
suspensão, foi o que ganhei pela minha falta tão grave.
E dessa vez a sorte me abandonou e achegou-se a mim o azar na
pessoa de um Fiscal da Pernambucana, cujo nome não recordo, mas sei que era
amazonense, cabelo e cara de índio, certamente descendente de um desses
morubixabas.
De vez em quando os fiscais visitavam e inspecionavam as lojas.
Ao ver a minha ficha, o fiscal perguntou por mim e sabendo que já era a
terceira vez que eu “mijava fora do caco”, disse para o senhor Zé Carlos que o
meu caso era de demissão imediata e pronto.
E pronto mesmo. Eu iria terminar o ano de 1965 desempregado, e
com uma conta de cerveja um tanto alta na quitanda da dona Maria Augusta do seu
Pedro Joaquim, ali na esquina em frente a Pernambucana. Além da contrariedade
que causava aos meus pais, tias, enfim a minha família achava até que eu não
mesmo dar pra nada.
Movimentado, cheio de altos e baixos, foi um ano e tanto esse
1965. E se eu não podia contar com
outros, o padre Manoel estava ali mais uma vez para me estender a mão. E passei
a fazer parte da administração municipal, nomeado por ele, agora Prefeito, para
o cargo de Escrivão de Polícia e fui trabalhar na Delegacia chefiada então pelo
grande amigo Lourenço Vieira. Mas ali foi que a porca torceu o rabo,
eu caí do cavalo e dei de cara no chão.
1966 aqui vamos nós, eu e o meu São Domingos. (continua).
Raimundo Fontenele
Nenhum comentário:
Postar um comentário