15 de set. de 2018

FOLHETIM DA SEMANA


          O FOLHETIM DA SEMANA do nosso blog LITERATURA LIMITE (que você acessa no link www.literaturalimite.blogspot.com.br) traz nesta edição a parte final de uma das obras mais importantes da moderna poesia brasileira. Trata-se do poema JUCA MULATO, de autoria do poeta paulista Menotti Del Picchia que, embora publicado em sua primeira edição em 1917, antecipou em cinco anos o modernismo poético brasileiro, uma vez que a Semana de Arte Moderna, tida como o marco zero do Movimento Modernista, só aconteceria em 1922. Esta é atração do quadro COISAS DA ANTIGA CONVIDA.
         Na outra seção da coluna FOLHETIM DA SEMANA, GOZADAS DO FONTECA, o trivial brasileiro feijão com arroz, farofa e ovo frito, muita hipocrisia e Festa no Apê Federal.


GOZADAS DO FONTECA
                                                
Ó SANTA HIPOCRISIA
Intolerância. Ódio. Agressividade. Inveja. Calúnia. Mentira. Falso Testemunho. Ira. Cobiça. Orgulho. Vaidade. Preguiça. Traição. Tara. Medo, etc.: todos são sentimentos humanos. Quem tenta impingir somente aos outros, aos que não pensam como nós, esses sentimentos, repito, que são comuns ao gênero humano, não passa de um fariseu hipócrita.

FESTA NO APÊ FEDERAL
         Nem quis acreditar no que via, mas era a mais pura verdade. Dias Toffoli que nunca foi magistrado, pois por duas vezes foi reprovado em concurso para juiz, mas chegou onde está por ser um ativista político do PT. Primeiro como advogado do Partido do Trabalhadores; depois exerceu as funções de Advogado Geral da União, e, por fim, assessor do José Diceu na Casa Civil e, quando surgiu uma vaga no Supremo, para lá foi escolhido, justamente para defender a Constituição? Não!  Para defender seus protetores, aqueles que alicerçaram uma carreira que, sem tal aval, seria medíocre.
         Agora, após tomar posse como Presidente do Supremo Tribunal Federal, promove uma festa de congratulações e que na verdade é muito mais um escárnio ao povo brasileiro, e para ele a coroação de um saco sem fundo de orgulho e vaidade.
         Dizem que foi promoção de uma entidade de juízes e que o convite custa 250,00, (mas eu sempre desconfio que esse dinheiro é nosso, afinal quem paga salários de funcionários públicos?) e, lá, naquele convescote, ladeado por esquerdistas e petistas da tal elite (que o Lula dizia hipocritamente combater), de microfone em punho, o ministro Toffoli entoou uma canção símbolo da juventude dos anos oitenta, Tempo Perdido, e cantou “temos nosso próprio tempo”. Tempo de quem, cara pálida? Tempo dos Corruptos e dos Canalhas? Tempo dos Ladrões e Malfeitores da Pátria? Tempo dos que usam uma Toga para esconder-se e esconder suas ações nefastas e obscenas perante a Justiça Brasileira? Não era sobre este tempo que Renato Russo escreveu e que o Legião Urbana cantava.  
        
        COISAS DA ANTIGA CONVIDA: MENOTTI DEL PICCHIA E SEU JUCA MULATO
         Poeta, romancista, ensaísta, cronista, jornalista e advogado, nasceu em São Paulo a 20 de março de 1892, cidade onde faleceu a 23 de agosto de 1988. Obras do autor: Do Vício e da Virtude, 1913; Moisés, 1917; Juca Mulato, 1917; Angústia de D. João, 1922; O Amor de Dulcinéia, 1926; República dos Estados Unidos do Brasil, 1928; A República 3000, 1930; Salomé, 1930; Kalum o Sargento, 1936; Kamunká, 1938; Dente de Ouro, 1946; Deus Sem Rosto, 1967.

POEMA  “JUCA MULATO”

 Fascinação

        Tudo ama!
        As estrelas no azul, os insetos na lama,
        a luz, a treva, o céu, a terra, tudo,
        num tumultuoso amor, num amor quieto e mudo,
        tudo ama! tudo ama!
        Há amor na alucinada
        fascinação do abismo,
        amor paradoxal, humano e forte,
        que se traduz nas febres do sadismo,
        nessa atração perpétua para o Nada,
        nessa corrida doida para a Morte.
        Por isso, quando as lianas
        em lascívias florais cercam de abraços
        o tronco hirsuto e grosso,
        têm, no amplexo mortal, crueldades humanas.
        Há no erótico ardor de enlaçá-lo, abraçá-lo,
        a assassina violência de dois braços 
        crispados num pescoço
        atenazando-o para estrangulá-lo!
        É que o amor quer a morte. Num momento
        resume a vida, os loucos entusiasmos
        dos supremos espasmos...
        Nesse furor que o invade,
        tem a volúpia da ferocidade,
        tem o delírio do aniquilamento!
        É por isso que vês, por tudo
        uma luta de morte, um desespero mudo:
        a insídia da raiz que mina a terra e a esgota,
        o caule que ergue o fuste, a rama, em sobressalto,
        agitando pelo ar a própria dor ignota,
        no torturante amor do mais puro e mais alto!

        2

       E, na noite estival,
        enchendo o Espaço e o Tempo, a Luz e a Treva,
        o turbilhão fantástico se eleva
        do amor Universal.
        Tudo ama!
        As estrelas no azul, os insetos na lama,
        a luz, a treva, o céu, a terra, tudo,
        num tumultuoso amor, num amor quieto e mudo,
        tudo ama! Tudo ama!...

        3

        Juca Mulato freme. Imerge os olhos entre
        as estrelas curiosas.
        Não sabe que anda o amor nos espaços profundos
        a fecundar o ventre
        das próprias nebulosas
        na eterna gestação de novos mundos...
        Ele é a matriz da vida: multiplica
        seres e coisas, numa força eterna,
        cria o verme, animais que andam de rastros.
        Mata e ressurge, estiola e frutifica,
        e, pelo espaço rútilo, governa
        a prodigiosa rotação dos astros!
        E a vertigem do amor, fascinadora,
        tudo arrasta, fantástica, nos braços
        e a terra que palpita, canta e chora,
        ora imersa na treva ora imersa na aurora,
        leva através do Tempo e dos Espaços...
        Acendendo no olhar um lampejo divino,
        Juca Mulato cede à vertigem que o enlaça
        e brada num transporte:
        "Arrasta-me também, no turbilhão que passa!
        Leva-me ao teu destino,
        Amor que vens para a Vida e que vais para a Morte!"
       
Lamentação
        
1
      
  "Amor?
        Receios, desejos,
        promessas de paraísos,
        depois sonhos, depois risos,
        depois beijos!
        Depois...
        E depois, amada?
        Depois dores sem remédio,
        depois pranto, depois tédio,
        depois... nada!"

        2

        "Também como esse bosque eu tive outrora
        na alma um bosque cerrado de emoções.
        As palmeiras das minhas ilusões
        iam levando o fuste espaço afora.
        Floriam sonhos; era uma pletora
        de crenças, de desejos, de ambições...
        Não havia por todos os sertões
        mais luxuriante e mais violenta flora.
        Ai! Bosque real, é o tempo das queimadas!...
        É agosto, é agosto! O fogo arde o que existe
        em turbilhões sinistros e medonhos.
        Ai de nós!... Somos almas desgraçadas,
        pois na luz de um olhar lânguido e triste
        também ardeu o bosque dos meus sonhos..."

        3

        "Água cantante, soluçante, esse gemente
        marulho triste, quantas tristes cismas trás...
        E fica incerta, ao ouvir-te a voz, a dor da gente,
        se vais cantando por ansiar o que há na frente
        ou soluçando pelo que deixaste atrás...
        Água cantante, água estuante, é singular
        a semelhança em que te iguala à minha sorte:
        vais para a frente e nunca mais hás de voltar,
        vens da montanha e vais correndo para o mar,
        venho da vida e vou correndo para a morte.
        Água cantante, ai, como tu, esta alma embrenho
        nas incertezas de caminhos que não sei...
        E, na inconstância em que me agito, só obtenho
        essa ânsia imensa de deixar o que já tenho,
        depois a dor de não ter mais o que deixei!"

        4

        Tenho uma santa em casa; o seu olhar encanta.
        O olhar dela é, porém, igualzinho ao da santa.
        Quando rezo, nem sei, é como o olhar da corça,
        tem, na própria fraqueza, a sua própria força.
        Quando o fito minha alma enche-se da incerteza
        que há na canoa sem dono á flor da correnteza.
        Ele é tal qual o sol, indiferente e mudo,
        sem saber quem aclara anda aclarando tudo...
        Mas no olhar que o fitou brilha,
        constantemente,
        um reflexo de luz ambicionada e ausente.
        Eu nunca vi o mar, mas vendo esse olhar penso
        num barco que se afasta onde se agita um lenço...
        Ou no doido terror que, em meio de procelas,
        há num casco sem leme ou num barco sem velas...
        Creio ver o meu vulto em teus olhos, tão vago
        como as sombras que espelham a água morta 
        de um lago.
        Eu bem sei que, tal qual na líquida planície,
        o meu vulto não vai além da superfície.
        Fica à tona, a boiar nessa pupila absorta
        como na água parada alguma folha morta..."

        5

        "Pigarço: a dor me aquebranta...
        Quando lembro o olhar que adoro
        e que nunca esquecerei,
        ah! Sinto um nó na garganta
        e choro, pigarço, choro,
        eu que até chorar não sei...
        Quando, a trote, ela nos via,
        debruçada na janela,
        nós levávamos, após,
        com o pó que do chão se erguia
        o nosso olhar cheio dela
        e o dela cheio de nós...
        Então, pouco me importava
        que seu olhar nos seguisse...
        Galopava-se a valer...
        Quando esse olhar eu olhava
        era como se não o visse
        tanto o olhava sem ver!
        Hoje pago essa ousadia...
        Ela os olhos de mi tolhe.
        Queixar-me disso por que ?
        Antes era eu que não o via,
        agora, por mais que me olhe,
        é ela que não me vê.
        Sou um caboclo do mato
        que ronda a luz de uma estrela...
        Já viste uma coisa assim?
        E o pobre Juca Mulato
        morrerá por causa dela
        e tu, por causa de mim...
        Eu da luz desse olhar garço,
        tu da dor que te machuca,
        morreremos e, depois,
        eu fico sem meu pigarço,
        meu pigarço sem seu Juca
        e o olhar dela... sem nós dois!"

        Presságios

        1

        Juca Mulato sofre. Em cismas se aquebranta.
        Uma viola geme, uma voz triste canta:
        "Antes de amar eu dizia:
        para cortar na raiz
        esta constante agonia
        preciso amar algum dia,
        amando serei feliz".
        "Amei... desventura minha!
        Quis curar-me e piorei.
        O amor só mágoas continha
        e aos tormentos que já tinha,
        novos tormentos juntei".

        2

        A cantiga, a gemer, nos ecos agoniza.
        A vaga sugestão dessa angústia imprecisa
        contamina-lhe a dor que o tortura sem pausa.
        Juca sofre... Por que?  Não advinha a causa.
        Só sabe que, em seu peito, o olhar amado e langue,
        deixa um rastro de luz como um rastro de sangue...
        Tornou-o, pouco a pouco, a imensa dor que o oprime,
        pálido como a cera e magro como um vime.
        Tem olheiras cercando os grandes olhos lassos
        cor do manto que traz Nosso Senhor dos Passos
        quando carrega a cruz na procissão das Dores
        no mais tristonho andor de todos os andores...
        Mas por que sofre assim?  Talvez mesmo ande nisso
        artimanhas do Demo e coisas de feitiço...
        Precisa, sem demora, ir uma sexta-feira,
        à tapera do Roque, abrir sua alma inteira,
        contar-lhe o mal que sofre e do peito arrancar
        essa mágoa, essa luz, esse olhar!

        A Mandiga
        1

        Juca Mulato apeia.
        É macabro o pardieiro.
        Junto à porta cochila o negro feiticeiro.
        A pele molambenta o esqueleto disfarça.
        Há uma faísca má nessa pupila garça,
        quieta, dormente, como as águas estagnadas.
        Fuma: a fumaça o envolve em curvas baforadas.
        Cuspinha; coça a perna onde a sarna esfarinha
        a pele; pachorrento inda uma vez cuspinha.
        Com o seu sinistro olhar o feiticeiro mede-o.
        - Olha, Roque, você me vai dar um remédio.
        Eu quero me curar do mal que me atormenta.
        - Tenho ramos de arruda, urtigas, água benta,
        uma infusão que cura a espinhela e a maleita,
        figas para evitar tudo que é coisa feita...
        Com uma agulha e um cabelo, enrolado a capricho,
        à mulher sem amor faço criar rabicho.
        Olho um rasto, depois de rezar um bocado
        vou direitinho atrás do cavalo roubado.
        Com umas ervas que sei, eu faço, de repente,
        do caiçara mais mole, um caboclo valente!
        Dize, Juca Mulato, o mal que te tortura.
        - Roque, eu mesmo não sei de este mal tem cura...
        - Sei rezas com que venço a qualquer mau olhado,
        breves para deixar todo o corpo fechado.
        Não há faca que o vare e nem ponta de espinho:
        fica o corpo tal qual o corpo do Dioguinho...
        Mas de onde vem o mal que tanto de abateu?
        - Ele vem de um olhar que nunca será meu...
        Como está para o sol a luz morta da estrela
        a luz do próprio sol está para o olhar dela...
        Parece o seu fulgor quando o fito direito,
        uma faca que alguém enterra no meu peito,
        veneno que se bebe em rútilos cristais
        e, sabendo que mata, eu quero beber mais...
        - Eu já compreendo o mal que teu peito povoa.
        Dize Juca Mulato, de quem é esse olhar?
        - Da filha da patroa.
        - Juca Mulato! Esquece o olhar inatingível!
        Não há cura, ai de ti, para o amor impossível.
        Arranco a lepra do corpo, extirpo da alma o tédio,
        só para o mal de amor nunca encontrei remédio...
        Como queres possuir o límpido olhar dela ?
        Tu és qual um sapo a querer uma estrela...
        A peçonha da cobra eu curo... Quem souber
        cure o veneno que há no olhar de uma mulher!
        Vencendo o teu amor, tu vences teu tormento.
        Isso conseguirás só pelo esquecimento.
        Esquecer um amor dói tanto que parece
        que a gente vai matando um filho que estremece
        ouvindo, com terror, no peito, este estribilho:
        "Tu não sabes, cruel, que matas o teu filho?"
        E, quando se estrangula, aos seus gemidos loucos,
        a gente quer que viva e vai matando aos poucos!
        Foge! Arrasta contigo essa tortura imensa
        que o remédio é pior do que a própria doença,
        pois, para se curar um amor tal qual esse...
        - Que me resta fazer ?
        - Juca Mulato: esquece!

    A Voz das Coisas

        E Juca ouviu a voz das coisas. Era um brado:
        "Queres tu nos deixar, filho desnaturado?"
        E um cedro o escarneceu: "Tu não sabes, perverso,
        que foi de um galho meu que fizeram teu berço?
        E a torrente que ia rolar no abismo:
        "Juca, fui eu quem deu a água para o teu batismo".
        Uma estrela a fulgir, disse da etérea altura:
        "Fui eu que iluminei a tua choça escura
        no dia em que nasceste. Eras franzino e doente.
        E teu pai te abraçou chorando de contente...
        - Será doutor! - a mãe disse, e teu pai, sensato:
        - Nosso filho será um caboclo do mato,
        forte como a peroba e livre como o vento! -
        Desde então foste nosso e, desde esse momento,
        nós te amamos seguindo o teu incerto trilho
        com carinhos de mãe que defende seu filho!"
        Juca olhou a floresta: os ramos, nos espaços,
        pareciam querer apertá-lo entre os braços!
        "Filho da mata, vem! Não fomos nós, ó Juca,
        o arco do teu bodoque, as grades da arapuca,
        o varejão do barco e essa lenha sequinha
        que de noite estalou no fogo da cozinha?
        Depois, homem já feito, a tua mão ansiada
        não fez, de um galho tosco, um cabo para a enxada?"
        "Não vás" - lhe disse o azul - "Os meus astros ideais
        num forasteiro céu tu nunca os verás mais.
        Hostis, ao teu olhar, estrelas ignoradas
        hão de relampejar como pontas de espadas.
        Suas irmãs daqui, em vão, ansiosas, logo,
        irão te procurar com seus olhos de fogo...
        Calcula, agora, a dor destas pobres estrelas
        correndo atrás de quem anda fugindo delas..."
        Juca olhou para a terra e a terra muda e fria
        pela voz do silêncio ela também dizia:
        "Juca Mulato, és meu! Não fujas que eu te sigo.
        Onde estejam teus pés, eu estarei contigo.
        Tudo é nada, ilusão! Por sobre toda a esfera
        há uma cova que se abre, há meu ventre que espera.
        Nesse ventre há uma noite escura e ilimitada,
        e nela o mesmo sono e nele o mesmo nada.
        Por isso o que te vale ir, fugitivo e a esmo,
        buscar a mesma dor que trazes em ti mesmo ?
        Tu queres esquecer? Não fujas ao tormento.
        Só por meio da dor se alcança o esquecimento.
        Não vás.  Aqui serão teus dias mais serenos,
        que, na terra natal, a própria dor dói menos...
        E fica que é melhor morrer (ai, bem sei eu!)
        no pedaço de chão em que a gente nasceu!"

       Ressurreição

        1

        Coqueiro! Eu te compreendo o sonho inatingível:
        queres subir ao céu, mas prende-te a raiz...
        O destino que tens de querer o impossível
        é igual a este meu de querer ser feliz.
        Por mais que bebas a seiva e que as forças recolhas,
        que os verdes braços teus ergas aos céus risonhos,
        no último esforço vão, caem-te murchas as folhas
        e a mim, murchos, os sonhos!
        Ai! coqueiro do mato!  Ai! coqueiro do mato!
        Em vão tentas os céus escalar na investida...
        Tua sorte é tal qual a de Juca Mulato...
        Ai! tu sempre serás um coqueiro do mato...
        Ai! Eu sempre serei infeliz nesta vida!"

        2

        "Ser feliz! Ser feliz estava em mim, Senhora...
        este sonho que ergui, o poderia por
        onde quisesse, longe até da minha dor,
        em um lugar qualquer onde a ventura mora;
        onde, quando o buscasse, o encontrasse a toda hora,
        tivesse-o em minhas mãos... Mas, louco sonhador,
        eu coloquei muito alto o meu sonho de amor...
        Guardei-o em vosso olhar e me arrependo agora.
        O homem foi sempre assim... Em sua ingenuidade
        teme levar consigo o próprio sonho, a esmo,
        e oculta-o sem saber se depois o achará...
        E quando vai buscar sua felicidade,
        ele, que poderia encontrá-la em si mesmo,
        escondeu-a tão bem que nem sabe onde está!"

        3

        E Mulato parou.
        Do alto daquela serra,
        cismando, o seu olhar era vago e tristonho:
        "Se minha alma surgiu para a glória do sonho,
        o meu braço nasceu para a faina da terra."
        Reviu o cafezal, as plantas alinhadas,
        todo o heróico labor que se agita na empreita,
        palpitou na esperança imensa das floradas,
        pressentiu a fartura enorme da colheita...
        Consolou-se depois: "O Senhor jamais erra...
        Vai! Esquece a emoção que na alma tumultua.
        Juca Mulato volta outra vez para a terra,
        procura o teu amor numa alma irmã da tua.
        Esquece calmo e forte. O destino que impera
        um recíproco amor às almas todas deu.
        Em vez de desejar o olhar que te exaspera,
        procura esse outro olhar que te espreita e te espera,
        que há, por certo, um olhar que espera pelo teu..."


Texto final:
Raimundo Fontenele

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