O
FOLHETIM DA SEMANA do nosso blog LITERATURA LIMITE (que você acessa no link www.literaturalimite.blogspot.com.br)
traz nesta edição uma espécie de pequena antologia de sonetos.
O soneto, palavra italiana que tanto
pode significar pequena canção, ou mais precisamente pequeno som, é um poema de
forma fixa, composto por quatro estrofes, sendo que as duas primeiras têm
quatro versos cada, e as duas últimas de três versos cada, que a gente passou a
denominar como sendo o soneto uma forma poética de dois quartetos e dois
tercetos.
Há três formas de apresentação do
soneto:
Soneto
italiano ou petrarquiano, o mais comum e usado apresenta duas estrofes de
quatro versos (quartetos) e duas estrofes de três versos (tercetos).
Soneto
inglês ou Shakespeariano, três
quartetos (4 versos cada) e um dístico (2 versos).
Soneto monostrófico, apresenta uma única
estrofe de 14 versos.
Uma vez que o soneto é caracterizado
exatamente como um poema de 14 versos – tradicionalmente 2 quartetos e 2
tercetos –, o acréscimo de um ou mais versos no final do poema (de acordo com a
conveniência do escritor) faz da obra um soneto irregular – estrambótico, como
o usado, por exemplo, por Miguel de Cervantes, o célebre escritor espanhol e
autor da obra prima da literatura universal Don Quixote de La Mancha.
Finalmente, chegamos à autoria do
soneto.
O soneto teria sido criado por Jacopo
da Lentini, poeta siciliano e imperial de Frederico II, porém o poeta toscano
Guittone d´Arezzo tornou-se o primeiro a adotar àquilo que seria reconhecido
como a melhor de expressão de uma emoção, pensamento ou idéia: o soneto.
E finalmente chegamos ao poeta italiano
Petrarca, por todos reconhecido como o autor a aperfeiçoar e dar forma
definitiva ao soneto, como chegou até nossos dias, com seus sonetos dedicados a
Laura de Novaes, por quem possuía um amor platônico.
Convém não esquecer que Dante foi
também um sonetista extraordinário, o que pode ser comprovado em seu primeiro
livro de sucesso Vita Nuova, com seus sonetos de amor dedicados à jovem Beatriz
.
Outro mestre do soneto de amor é Luís
de Camões, o poeta português autor também da obra prima Os Lusíadas, e o poeta
e dramaturgo William Shakespeare, autor de peças imortais como Hamlet, Édipo
Rei, entre outras, foi também um dos grandes sonetistas em língua inglesa.
Trazemos nesta edição quatro históricos
sonetistas: Petrarca, Camões, Shakespeare e a inglesa Elizabeth Barret Browning
e um aprendiz, no caso, eu, com alguns sonetos e um poema, a maioria tendo como
temática o Amor.
Registro, ainda, que entre nós,
brasileiros, muitos poetas praticaram essa técnica com absoluto sucesso e
louvor: Leandro Konder Reis, Manoel Bandeira, Drummond, e meu amigo Viriato
Gaspar, poeta maranhense radicado em Brasília que com os seus 50 Sonetos,
ganhou prêmio da Academia Maranhense de Letras.
E muitos outros.
Então vamos ao sonetos, nesta ordem:
Petrarca, Camões, Shakespeare, Elizabeth Browning e, por último, os meus,
sentindo-me um tanto constrangido por ousar compartilhar um post com poetas de
muito maior envergadura do que eu.
Petrarca |
FRANCESCO PETRARCA
SONETO
Longe de Laura inveja a região que
a possui
Nem
ave em ninho ou fera em selva obscura
Houve
triste como eu no apartamento
Desde
que se afastara o encantamento
Do
sol que o meu olhar sempre procura.
Tenho
pranto por única ventura,
É
dor o riso e absinto o mantimento,
E
eu vejo turvo o claro firmamento,
E
o leito é campo de batalha dura.
O
sono é na verdade qual se diz
Irmão
da morte e o peito nosso priva
Deste
doce pensar que sempre o aviva.
Só
no mundo felice e almo país
Verdes
ribas e flórido recanto,
Vós
possuís o bem que eu choro tanto.
CAMÕES:
SONETO
Quem vê, Senhora, claro e manifesto
O lindo ser de vossos olhos belos,
Se não perder a vista só em vê-los,
Já não paga o que deve a vosso gesto.
Este me parecia preço honesto;
Mas eu, por de vantagem merecê-los,
Dei mais a vida e alma por querê-los,
Donde já não me fica mais de resto.
.
Assim que a vida e alma e esperança,
E tudo quanto tenho, tudo é vosso
E o proveito disso eu só o levo.
Porque é tamanha bem-aventurança
O dar-vos quanto tenho e quanto posso,
Que, quanto mais vos pago, mais vos devo.
WILLIAM
SHAKESPEARE
SONETO XVIII
Tradução
de Ivo Barroso
Devo
igualar-te a um dia de verão?
Mais
afável e belo é o teu semblante:
O
vento esfolha Maio inda em botão,
Dura
o termo estival um breve instante.
Muitas
vezes a luz do céu calcina,
Mas
o áureo tom também perde a clareza:
De
seu belo a beleza enfim declina,
Ao
léu ou pelas leis da Natureza.
Só teu verão eterno não se acaba
Nem
a posse de tua formosura;
De
impor-te a sombra a Morte não se gaba
Pois
que esta estrofe eterna ao Tempo dura.
Enquanto
houver viventes nesta lida,
Há-de
viver meu verso e te dar vida.
ELIZABET
BARRET BROWNING
SONETO
43
Tradução
de Manuel Bandeira
Amo-te
quanto em largo, alto e profundo
Minh’alma alcança quando, transportada,
Sente, alongando os olhos deste mundo,
Os fins do Ser, a Graça entressonhada.
Minh’alma alcança quando, transportada,
Sente, alongando os olhos deste mundo,
Os fins do Ser, a Graça entressonhada.
Amo-te
em cada dia, hora e segundo:
À luz do Sol, na noite sossegada.
E é tão pura a paixão de que me inundo
Quanto o pudor dos que não pedem nada.
À luz do Sol, na noite sossegada.
E é tão pura a paixão de que me inundo
Quanto o pudor dos que não pedem nada.
Amo-te
com o doer das velhas penas;
Com sorrisos, com lágrimas de prece,
E a fé da minha infância, ingênua e forte.
Com sorrisos, com lágrimas de prece,
E a fé da minha infância, ingênua e forte.
Amo-te
até nas coisas mais pequenas.
Por toda a vida. E, assim Deus o quiser,
Ainda mais te amarei depois da morte.
Por toda a vida. E, assim Deus o quiser,
Ainda mais te amarei depois da morte.
RAIMUNDO
FONTENELE
SONETO 2
Um
vulto apaga a sombra que deixaste
mover-se
ao sol, na tarde cristalina.
Teus
olhos são dois rios; corredeiras
que
lavam tuas lágrimas na neblina.
O
resto é pose, curva do caminho
em
que te perdeste rumo ao norte,
sem
saberes que a estrada é sinuosa
e
tanto leva pra vida ou para a morte.
Assim
caminharás, a fronte erguida,
passos
trôpegos, e ombros curvados
sob
o peso do fardo que é tua sina.
Nem
vulto ou sombra que ao sol se mova
na tarde de areias movediças:
apenas
uma ausência que caminha.
SONETO 4
No
barco de Caronte em mar bravio
fui
ter depois à praia ensolarada,
igual
a estar fugindo do inferno
até
o Brasil, a pátria desejada.
Mas
tudo era confuso entre a neblina:
anjos
da treva barravam meu caminho
pra
que eu não visse mais a luz divina.
Luz
sagrada pra quê, neste país de otários?
De
pilantras, vagabundos e falsários?
Governantes
cruéis ferrando o povo,
como
se o próprio povo fosse o gado
abatido
e vendido aí aos montes.
Malditos
usurpadores do poder!,
eles,
e não eu, na barca de Caronte.
SOB AS COBERTAS
Sem um arranhão. Só com palavras nobres
eu te cubro e tu me cobres, em silêncio
quase sagrado, no nosso círculo de fogo
e abandono. Prendes-me sem algemas.
Ouço o sussurrar da fonte. Nos teus lábios
entreabertos, rubros, conto teus dentes.
Eles me mordem onde não dói. Segredam
nos meus ouvidos que o tempo urge.
Dou-lhe a razão e aperto-a contra o peito
para que seu coração fale comigo.
E ele fala: “amore, podemos continuar
de onde paramos?” Respondo-lhe “claro”.
Entrelaçamos as pernas. Um beijo cresce.
E é este beijo que nos leva até às estrelas.
ATÉ
UM DIA
Foste embora sem me
dizer adeus
naquela sexta chuvosa de agosto.
Fiquei sozinho blasfemando a Deus
por ter assim o meu amor exposto.
Procurei-te na lua e nas estrelas,
no whatsapp e nos porões da alma.
Tuas promessas e o medo de perdê-las
deram-me ânimo para manter a calma.
Chovia, só chovia, e você tão distante,
e você tão ausente e eu tão delirante,
ó musa de silêncio que se desfez no ar.
Se foi. Sem um aceno. Sem um beijo sequer.
Aquele anjo ditoso em forma de mulher.
O poeta sou eu, e só. Escrevendo ao luar.
naquela sexta chuvosa de agosto.
Fiquei sozinho blasfemando a Deus
por ter assim o meu amor exposto.
Procurei-te na lua e nas estrelas,
no whatsapp e nos porões da alma.
Tuas promessas e o medo de perdê-las
deram-me ânimo para manter a calma.
Chovia, só chovia, e você tão distante,
e você tão ausente e eu tão delirante,
ó musa de silêncio que se desfez no ar.
Se foi. Sem um aceno. Sem um beijo sequer.
Aquele anjo ditoso em forma de mulher.
O poeta sou eu, e só. Escrevendo ao luar.
ELA E EU
Ê bem, vem cá. Essa
voz que me chama
é a voz da mulher por mim eleita
para ser guardiã dessa colheita,
deste plantio de quem mais lhe ama.
é a voz da mulher por mim eleita
para ser guardiã dessa colheita,
deste plantio de quem mais lhe ama.
Oi amore, ela diz. E
não é sonho:
é uma verdade pura, cristalina,
amar e ser feliz é o que suponho
ser seu maior desejo e sua sina.
é uma verdade pura, cristalina,
amar e ser feliz é o que suponho
ser seu maior desejo e sua sina.
Seu corpo é a terra
fértil onde planto.
Seu seio é onde sugo e me alimento.
Sua boca é a bilha d'água aonde bebo.
Seu seio é onde sugo e me alimento.
Sua boca é a bilha d'água aonde bebo.
Seus cabelos me cobrem qual um manto.
Sua língua é puro mel e me contento
em procurar seus lábios com meus dedos.
Sua língua é puro mel e me contento
em procurar seus lábios com meus dedos.
SONETO DO AMOR SOZINHO
O amor é sempre assim.
E nos deixa sozinhos,
tropeçando na noite ou
caído nas ruas,
em plena escuridão, no
meio do caminho,
sem ver uma só estrela
ou a sombra da lua.
Tudo é vago,
incompleto, pois nada satisfaz
aquele que perdeu o
pouco que lhe resta,
pois perdeu, da sua
vida, o amor e a paz:
agora nada tem ou o
que tem não presta.
Tudo está perdido e
esta, sim, é sua sina:
beber o amargo fel de
uma longa agonia,
ver fugir-lhe das mãos
a mulher e a menina,
e em desespero
suspirar um novo dia:
e, quando amanhecer,
abertas as janelas,
talvez o sol lhe traga
a luz dos olhos dela.
POEMA
DO AMOR EM LUA NOVA
Acorrentados, um sobre
o outro,
e acontecidos
como dois pombos,
duas abelhas,
e um só mistério.
Grito teu nome, porém,
um eco
responde o meu
e quase revela o que é
só nosso,
o que é só meu
e o que é só teu.
O amor mais novo e
mais antigo do que o sol
é este aqui:
a carne pulsa,
a boca geme,
claro e límpido
o desejo se mostra em
seu fulgor.
Faz com palavras e
línguas
o dia amanhecer
como se fosse um
astro,
como se fosse a pedra
em que me sento
quando penso em ti.
Para cada som e música
há um abraço,
um soluçar com riso na
garganta.
Coração, aguenta o
tranco
que o momento passa
e deixa marcas cruéis por
onde passa.
Deixa o amor e a dor,
juntos,
acasalados.
Encerramos esta coluna dizendo que
nenhuma forma poética foi de modo tão absoluta propícia para cantar o Amor
quanto o soneto. Por isso, apesar das suas quedas, quando se torna extremamente
banal e simplório, em alguns momentos da história da poesia, ele se reinventa e
não morreu, porque, também, o Amor não morre.
Vejam o que diz Manuel Bandeira a
respeito do amor entre Elizabeth e Robert Browning, um amor certamente embalado
por sonetos:
‘“Nenhum casal de criaturas humanas foi
jamais tão longe, mesmo nos domínios da fábula, como Elizabeth Barrett e Robert
Browning, cujo grande e inalterável sentimento tem, pelas circunstâncias e
vicissitudes em que se formou e cresceu, a
beleza cíclica e indestrutível dos mitos”.
Texto final:
Raimundo Fontenele
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