Voltamos
com o nosso FOLHETIM DA SEMANA do nosso blog
LITERATURA LIMITE (acesse-o no link www.literaturalimite.blogspot.com.br), voltado para assuntos da atualidade sem deixar de lado
uma pitada de bom humor, ironia, sarcasmo e uma boa dose de literatura.
Depois de praticamente politizarmos
nossos discursos e falas por quase três meses em função da campanha e eleições,
voltamos agora à origem desse blog: a literatura, de modo específico dando
ênfase à produção poética.
Porque a poesia é a essência da criação
literária, sua face mais nobre e oculta, mais distante da nossa compreensão
cotidiana, mas também a que mais se assemelha às substâncias e essencialidades,
seja da carne, seja do espírito.
Trago hoje para vocês poemas da segunda
parte do meu livro, em preparo, DIURNIDADE. Como a gente costuma dizer, estão
quentinhos, saídos do forno, pois são todos deste mês de novembro.
Inclusive registro aqui as palavras do
meu amigo, o escritor gaúcho Arthur Madruga, que, inclusive estará colaborando no
próximo Folhetim da Semana, com u texto
primoroso sobre arte e crítica. Eis suas palavras:
“Raimundo, estou acompanhando tuas
postagens. Não comento, mas quero deixar registrado que estou gostando muito da
tua poesia, muito mais que antes. Gosto do teu viés e do teu formato poético.
Teu trabalho mantém uma característica que te é própria, mas que se percebe
acrescentada de elementos contemporâneos. A cada segmento do tempo, tens
referenciais do momento. Quer dizer, tua poesia reflete o momento histórico
específico em que é escrita, sem perder as características que a individualizam
e conotam o autor, o criador Fontenele. Aplaudo, com entusiasmo, a tua obra”.
10
POEMAS DE AMOR DE RAIMUNDO FONTENELE:
LOUCO AMOR
as mãos vazias os pés quebrados
a boca torta olhos vazados
assim me sinto quando você sai do meu lado
a boca torta olhos vazados
assim me sinto quando você sai do meu lado
o corpo lerdo os dentes gastos
coração velho todo enlatado
pobres costelas tão arqueadas
assim estou porque você não está ao lado
coração velho todo enlatado
pobres costelas tão arqueadas
assim estou porque você não está ao lado
talvez mais tarde eu ressuscite
na noite alta ou madrugada
vire um atleta um novo homem
ou mesmo um bicho cheio de fome
buscando aquela que é meu segredo
que não tem nome
que me dá força e me dá versos
musa que inspira a alta voltagem
na noite alta ou madrugada
vire um atleta um novo homem
ou mesmo um bicho cheio de fome
buscando aquela que é meu segredo
que não tem nome
que me dá força e me dá versos
musa que inspira a alta voltagem
que nunca some
quando estou perto e sinto a brasa
quando estou perto e sinto a brasa
ou o fogo intenso que me consome.
ela me faz um deus
pagão
um anjo ébrio um filho ateu
um pigmeu ou um leão
eu vivo tudo e sinto tudo
quando ela chega e faz que eu veja
seu corpo alado sua boca rubra romã aberta
seus olhos brilham beijo sua testa
quando ela senta sobre este peito
que é todo dela e que é todo festa.
um anjo ébrio um filho ateu
um pigmeu ou um leão
eu vivo tudo e sinto tudo
quando ela chega e faz que eu veja
seu corpo alado sua boca rubra romã aberta
seus olhos brilham beijo sua testa
quando ela senta sobre este peito
que é todo dela e que é todo festa.
POEMA DO AMOR EM LUA NOVA
Acorrentados, um sobre o outro,
e acontecidos
como dois pombos,
duas abelhas,
e um só mistério.
Grito teu nome, porém, um eco
responde o meu
e quase revela o que é só nosso,
o que é só meu
e o que é só teu.
O amor mais novo e mais antigo do que o sol
é este aqui:
a carne pulsa,
a boca geme,
claro e límpido
o desejo se mostra em seu fulgor.
Faz com palavras e línguas
o dia amanhecer
como se fosse um astro,
como se fosse a pedra em que me sento
quando penso em ti.
Para cada som e música há um abraço,
um soluçar com riso na garganta.
Coração, aguenta o tranco
que o momento passa
e deixa marcas cruéis por onde passa.
Deixa o amor e a dor,
juntos,
acasalados.
POEMA DA ANGÚSTIA ALHEIA
A angústia não tem nome.
É como pedra atravessando o peito,
quando se fica sozinho,
é como atravessar o mar a nado,
e escutar a tarde inteira o canto do pássaro do medo.
A angústia não dá paz.
É como ferro cravado entre as unhas,
quando se fica sozinho,
é como escapar de certa morte
e penetrar no submundo do crime desarmado.
A angústia é tudo enfim.
E nunca morre.
AS QUATRO ESTAÇÕES
Devo plantar sementes novas
e adubar o coração para que cresçam.
A árvore da ciência do bem e do mal
onde me agasalho, essa é antiga
e por demais mortal.
Nos longos verões em que nos deixamos submeter,
nos encharcados invernos adormecidos,
éramos apenas símbolos da vida,
a vida que nos levou para longe dos limites
e nos privou do canto e da eternidade.
Outonos efêmeros e primaveras tardias,
relegados que fomos aos infortúnios,
às doenças da mente que nos separavam
daquilo que tanto esperamos,
dos sonhos da infância e da paz na madurez.
Não. Só equívocos compareceram
para nos receber e saudar.
Criaturas saídas do centro da terra traziam
belas inscrições de ouro
em suas frontes descobertas.
Homens e mulheres com indizíveis desejos
deitavam-se na relva verde
e deixavam que as sementes tornadas
flores e folhas os cobrissem para sempre.
Somos como a pedra que dura porque é pedra.
E é pó.
Somos como a água que corre porque é água.
E é rio.
E somos fogo.
E depois somos nada.
POEMA DO AMOR EM SEGREDO
Quem sabia de nós senão nós mesmos,
confusos numa noite de silêncio,
embriagados da carne dos desejos?
Sim, era sua carne que eu tocava
com as minhas mãos
mais trêmulas do que pássaros.
E era a sua boca e seus lábios que eu beijava
como se fossem amoras ou cerejas
iluminando o verão.
Poderosas, as suas mãos me buscaram
quando julguei-me sozinho,
e ajoelhados e nus, frente a frente,
nos possuímos ouvindo uma canção a Eros.
Eu olhava pra ela
como se a visse há séculos
e ela fosse a mulher enigmática e serena
que se interpôs entre mim e meu destino.
Imaginávamos subir até as estrelas,
mesmo longínquas,
com nossas mágoas antigas
e nossas esperanças mais novas.
Sabia que dentro do seu vestido
uma mulher, uma deusa,
uma estátua de carne e ouro,
uma mulher amável e sozinha
me cobriria com seu corpo de algas marinhas.
Território não totalmente explorado,
posso subir nas montanhas dos seus seios,
e do alto mirar todo o tesouro que seu corpo esconde.
As praias alvíssimas, a beleza das coxas,
a solidão de cada porto a que me entrego.
As uvas de sangue cuja doçura e sabor
nunca havia provado.
O mel que em suas pernas escorre, corpo,
ó corpo, meu mapa-mundi sagrado.
Exausto de uma jornada de mais de vinte anos
a procurar por ela, que nem sabia de mim,
do tanto que sofri e ainda sofro,
sem paz e sem pátria, um náufrago e tanto,
sei que ainda a terei com seu brilho de prata.
E ela? Por que também chorou, apesar de linda,
e se escondeu do mundo se era livre?
Ela, a jovem e mulher, no seu aprendizado
de amar e desamar como se fosse um fardo.
Para nós tudo era segredo e era mistério.
Para nós sentido era buscar novo horizonte
onde a barra do dia não pesasse tanto,
e à noite nosso abrigo fosse a cama
onde abraçaríamos o ausente.
Seu corpo e o meu na infinita procura
da semente do amor que nos pressente,
que nos cortasse os grilhões
e nos devolvesse em dobro a alegria.
E agora estamos aqui. Devolvidos a este
pedaço de mundo, sem a higidez da fala.
Livres para o amor.
E livres para o voo que permanece
em suas asas, símbolos de que a mulher
também foi anjo um dia.
E assim posso deitar ao seu lado
na alquimia de corpos que se fundem,
se abraçam e se resgatam.
.
Por isso, menos metáfora na poesia
e mais amor e gozo.
Mais seiva dos dons da terra
que nos alimentam e nutrem em nós
a chama deste amor que nos consome.
És, enfim, a mulher completa
maravilhosa substância de palavra e verbo,
prova viva de que o perene
pelo milagre do amor se torna eterno.
E assim os dias passam e não terminam:
entram pela noite a dentro
e nós, unidos, desde o por do sol
até que venha a aurora.
Com suas mãos nas minhas,
com os seus olhos nos meus
e os meus nos seus,
farto amor, mas também insaciável
que nos anuncia para o mundo.
Vem com teus cabelos de chuva,
tão lindos nessas úmidas paisagens do corpo,
que geme e chora, ontem e agora,
com essa carne macia que me devora,
com essa rosa em teu ventre
que me confunde e espanta.
Vem e senta em mim
ou ao meu lado como queiras,
iguais a esse não haverão outros novembros.
O NOSSO AMOR
o amor é pele
o amor é ruga
uma refrega
ponto de fuga
o sim o não
violação
de algum desejo
na nossa mão
o amor é triste
desesperado
é carcomido
sino dobrado
ferida acesa
veneno e pão
em algum altar
de perdição
o amor é esse
rato molhado
do céu à terra
excomungado
o amor é a ponte
de algum destino
lobo magrelo
ou cão faminto
o amor é o olhar
do enfeitiçado
bala na testa
roubo nos dados
jogo de azar
e fim de festa
pra quem o sol
nasce quadrado
o amor é morte
e na sentinela
alguém acende
mais uma vela
é idolatria
magia negra
do caçador
é caça e presa
mas não o nosso
que é bendito
forte, profundo
e infinito
mas não o nosso
que sempre é
só o que foi
e o que será
SOFREGUIDÃO
tanta coisa pra te dizer que não consigo
tanta voz que o vento leva embora
tanta aflição quanta ânsia
quanto castigo
tanto segredo que a gente joga fora
não querer mais teu amor
não querer nada
nada pedir nem mendigar afeto
tudo sofrer em silêncio
cego, surdo e mudo
por que só nascem ao meu redor
ervas daninhas?
e muros que já nos separam?!
o que posso fazer aqui sozinho,
pensar, dizer, o que posso ainda?
saber que essas promessas não se cumprem
que não virá o sol
ó noite imensa que me cobre de frio
morro mas não choro
nessa cama vazia e nesse estio
me dê sua mão
segure-a firme e vem
talvez eu escape hoje
dessa solidão sem nome
que escava meu coração
só por um momento
abre essa rosa e vem
despetalada assim
sem medo e sem pudor
abre suas coxas e vem
tem tanta coisa que me espanta em seu olhar
tantas palavras novas que você me diz
tanta sofreguidão e fome
tanta luz no seu nome!...
VOCÊ E A POESIA
Se você não for minha toda inteira e para sempre,
o que faço na terra, amar ninguém?
Pular de precipício em precipício,
segurar-me em galhos apodrecidos?
A beleza da poesia não é cantar um amor doente,
a dor que não tem cura,
nem o espírito do não.
Poesia verdadeira é cantar você
que é mulher e sente como eu
o palpitar do que é desejo e cede,
e procura, e se esconde
do que é olho e não nos vê
do que é boca e morde e beija,
do que é língua e lambe as palavras
que dizem “meu amor te amo”.
Também te amo. E só eu te amo assim.
Com medo e ânsia.
De que você de mim se ausente um dia,
de que me perca em seu corpo num verão,
e esta ânsia me jogue pelo chão
junto com sua ausência e a poesia.
NO TEU ABRAÇO
O amor seca essas lágrimas de mansinho,
nem se percebe que alguém chorou.
É puro riso, ardor, contentamento,
o amor é isso, esse momento.
Abraça-me forte
para que eu não perca o prumo da vida
abraça-me, querida,
abraça-me num voo.
Longe do que é só terra e asco,
longe do que não nos destrói,
perto da flor;
longe das águas vivas
que, no olhar, são lágrimas
e na tarde são só horizontes,
estamos a sós
e assim nos deitamos.
Se não é assim ou se não for assim
são só dúvidas, o coração geme alto
e a dor não passa.
Se não estiver contigo, aonde eu estiver,
piso um rastrilho de pólvora
com um alarme no peito.
E não será um falso alarme,
mas o alarme e seu grito.
Deitemos então, os dois em um,
que está dor passará.
As lágrimas serão um banho puro.
As noite nos achará despertos
porque estamos na penumbra da luz,
e, nos bastidores desse teatro humano,
com os braços em cruz
caminhamos um para o outro.
Raimundo Fontenele
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