Artur Madruga autografa (21/12/18)
DO
VÁCUO LITERÁRIO
Artur
Madruga
Se o que
consideramos literatura não provocar - em suas vagas e parágrafos - uma
necessidade, mesmo que fugas, de algo que provoque o nosso sentido crítico. Se
ao passarmos os olhos sobre essas mesmas vagas e parágrafos, ou quando virarmos
uma página e/ou fecharmos um livro e olharmos ao nosso redor, escudados pelo
criticismo dos ataques advindos do senso comum. Se tivermos que manter os olhos
bem abertos e estabelecermos certa distância considerável, então,
provavelmente, não sucumbirmos às suas facilidades e comodismos.
O perigo do
texto inerte se acentua pelo fato de o mesmo não percorrer novos espaços,
linguagens, contrastes, valores e vínculos que, seguramente, comporão uma
relação nova entre as tomadas de posições, contrárias a um provável vácuo
literário, por assim dizer, que talvez tenha propiciado atuações possíveis e
distintas.
Não podemos
esquecer que a crítica é nada mais do que uma reflexão que avalia os pontos
fracos e fortes sobre determinada visão em relação a alguma situação ou
questão. Ou, se preferirmos, o outro viés cavoucado naquilo que podemos
enquadrar como tema.
Esses
referenciais avaliativos certamente acabam por fragmentar os eventos que o
originam. Por essa via poderemos produzir e reproduzir, em sua essência, os
pontos sob os quais se sustentam as bases que formulam os apontamentos da
crítica em si e sua necessidade. E, nesse sentido, é importante sabermos que
ela significa isso, essa discussão e análise. Se a crítica é positiva ou
negativa, são outros quinhentos (como dizia a minha avó), se quisermos tornar
mais leve e gustativo esse processo.
O fato em
questão é: o que de revolucionário a literatura pode proporcionar ao indivíduo
ou, em sua instância maior, ao coletivo? Como e quando textos ou livros
conseguem proporcionar à história da humanidade conteúdos para que possamos
conceituar os fatos que possam preencher o vácuo literário naquilo que foi
denominado, originalmente, de transformador?
Se
portadora de conteúdos que revelam o vácuo existente ou a discussão calorosa de
sua originalidade, a questão literária dependerá não só do próprio texto no
qual se revela como da escala de valores de quem o lê. E isso é tão simples
quanto óbvio.
RAIMUNDO
FONTENELE APRESENTA
3
POEMAS DO SEU LIVRO INÉDITO DIURNIDADE O
LIVRO DAS COISAS:
SALMO DE DAVI PARA SI MESMO
Não sentirei opróbrio nem vergonha
de pedir ao Senhor
que me aparte da angústia e dos lamentos.
Afastei-me e fugi das glórias desse mundo
tentando ser feliz como os passarinhos
que com alegria cantam e louvam o Criador.
Não poderei mais andar nas fendas do abismo
e meus passos não me levem
onde caminham as feras.
Todo ódio temerei pois os meus inimigos
avançam como cães para devorar-me
e pequeno como sou só o Senhor me salva.
O que fiz no passado e os erros presentes
são correntes que me arrastam
para além das minhas forças.
É ao Senhor que recorro quando fraquejo
e meus pés pesam como chumbo
quando no pântano afundo.
Outras veredas existem onde estarei perdido
por mãos torpes e infiéis
que ali, sem piedade alguma, me largaram.
Nem ave do céu, nem nave da terra
me socorreram nos tempos de infortúnio,
nem me levaram a voar entre as estrelas.
No chão estava e no chão permaneci:
apenas meu pensamento se elevava
e em meios a soluços chegava ao Senhor.
E o meu Deus viu que meu clamor
só trazia verdades, mesmos as mais dolorosas,
e por sua vontade levantou-me das cinzas.
“Agora, luta!”, sentenciou Ele
e me tornou mais forte que o mais forte
e bravio dos animais terrestres.
E preparei-me para uma guerra
contra mim mesmo, que era travada
em meio às batalhas e às fadigas do dia.
Ele tornou-me único para que, sem vaidades,
alcançasse as alturas que buscava
e me tornasse um servo abençoado.
SALMO A SALOMÃO
“O mundo a seus pés” era um imenso,
exorbitante desejo e orgulho.
Todos um dia serão tentados
por essa moda e luxo
que se tornarão luxúria e perdição.
Plumas, ouro, diamantes,
tudo que faísca e ofusca os nossos olhos,
a prata fina e o brilhante dos ossos
que nos fazem cair de joelhos,
essas coisas pesam, e como pesam.
E as mulheres. Ah, as mulheres.
Todas juntas, com seus sextos
e até os nove sentidos,
preparadas para embriagar-nos de prazer,
e embriagá-lo, e embriagar-me.
Mas, com sabedoria, foi juntando as pedras
mais preciosas e tábuas das leis mais severas,
mais duras, mas também as mais justas,
desde quando jovem príncipe
até às calendas de um velho e sábio rei.
Reinar e resignar-se.
Reinar e governar tesouros.
Reinar e satisfazer a todos.
Reinar e proferir sentenças
caídas do mais altíssimo dos tronos.
Tudo isso porque o Deus menos vingativo
permaneceu entre os homens,
qual uma espada de luz
que sabe separar o joio do trigo,
porque, reconheço, é o Senhor dos Senhores.
SALMO DAS OLIVEIRAS
“Pueri hebræorum,
portantes ramos olivarum,
obviaverunt Domino,
clamantes et dicentes:
Hosanna in excelsis”.
Também entrei na cidade aberta,
no meu jumentinho,
portando ramos e palmas nascidos do coração,
em uma manhã chuvosa,
quando o vento úmido balançava
as verdes folhas das palmeiras.
Ao Senhor, todo o meu ser de inocente criança,
sem o pecado da culpa, clamava
para que me desse veredas de salvação,
e me desse alegria, e as horas amargas
deixasse para outros dias
para quando eu crescesse e fosse gente.
Naquele tempo, não. Eu era só um menino
entrando naquela terra estranha,
onde as coisas se moviam diferentes
e invisíveis mãos, a de Deus e a do destino,
semeavam em mim seus grãos e mistérios.
E eu cantava e vivia a toa.
Sim. Entrei naquela cidade
para ouvir e cantar lamentos
no diário aprendizado
de que vigiar e orar é para todo o sempre.
Deus não é um estranho no nosso ninho,
nós é que fugimos, aves de asas tortas.
Que aprendizado diário?
Dar com a mão direita e com a esquerda
furtar o fruto alheio.
Cuspir na face de quem afagou com doçura
os nossos longos cabelos.
Profanar e zombar de quem é nosso alimento.
Sal da terra!, salgas a minha vida
e as chagas que se abrem
são como dias de luta e suor que não findam.
São noites eternas e escuras,
noites para cegos,
noites de nunca mais.
Pregado numa cruz, ouvi o galo cantar
às 16:58hs, e cantou uma, duas, três vezes,
o suor escorria do meu rosto
como se fosse um banho de sangue,
aí arrancaram-me da cruz
e me deitaram no cimento frio.
Todos meus ossos tremiam.
Todos meus nervos inquietavam-se.
Todo meu corpo enrijecia.
Ouvia ao longe os cânticos da sagração
que animavam a minha vida
e me ressuscitavam entre os mortos.
Todos os meus sentidos embotados.
Toda a cupidez da carne tremia.
Todos os meus órgãos latejavam.
Mas a quietude e a paz do teu sacrário,
a pureza e mansidão do teu nome, Senhor,
extinguiam a sombra entre meu olhar e tua luz.
Eu, um Raimundo perdido nesse mundo.
Eu, um Nonato, só por teu merecimento.
Eu, um Fontenele, que tornaste fonte.
E um Oliveira, qual um ferreiro
fundindo o ferro, que abraça sua profissão
no fogo e na poesia que vem do chão.
Hosana a São Domingos
e a outras cidades dos mapas,
que me acolheram e de onde fui expulso
para se cumprir de Adão e Eva a profecia:
se houve queda e se desci ao inferno
talvez possa voltar um dia ao paraíso.
“Os filhos dos hebreus,
portando ramos de oliveira,
clamavam dizendo:
bendito o que vem
em nome do Senhor,
Hosana nas alturas”.
Texto
final:
Raimundo
Fontenele
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