–
Pra você quem é Deus?
E a resposta:
– É cumpadi, Deus é vivo, Deus não
vacila, Deus não entra em fria...
O FOLHETIM DA SEMANA do nosso blog
LITERATURA LIMITE (acesse-o no link www.literaturalimite.blogspot.com.br)
também é vivo e não vacila. Em fria, a gente entra de vez em quando, pois não
somos Deus. É vivo e não vacila porque pega carona nestes festejos juninos,
para trazer aos leitores a esquecida coletânea HORA DE GUARNICÊ – Poesia Nova do
Maranhão, título sugerido pelo poeta Valdelino Cécio e pelos demais referendado,
num total de 14 poetas, a saber: Antônio Moysés, Chagas Val, Cyro Falcão, Cunha
Santos Filho, Edmilson Costa, Francisco Tribuzi, Henrique Corrêa, João
Alexandre Jr., Johão Wbaldo, Luís Augusto Cassas, Raimundo Fontenele, Rossini
Corrêa, Valdelino Cécio e Viriato Gaspar.
São três sequencias, ambas contendo
partes da preciosa e educativa apresentação do escritor maranhense Josué
Montello, e poemas de alguns dos antologiados. (RF)
Josué
Montello*
PRÓLOGO
Em 1861, em São Luís, um grupo de poetas, constituído de Gentil Homem de Almeida Braga, Antônio Marques Rodrigues, Raimundo de Brito Gomes de Sousa, Luís Antônio Vieira da Silva, Joaquim Serra e Joaquim da Costa Barradas, decidiu reunir em volume as poesias escritas por maranhenses.
Daí surgiu o PARNASO MARANHENSE,
publicado na Tipografia do Progresso, com sede à Rua de Santana, 49, em São
Luís.
No prefácio à coletânea, diziam os seus
coordenadores: “A comissão, que, com o trabalho que ora oferece à consideração
dos leitores, menos teve em vista dar a lume uma coleção de superiores
produções a modo das que compõem o Parnaso Lusitano, do que reunir em um livro
a maior cópia de versos escritos por filhos desta Província, não só para salvar
a muitos do olvido, senão também para que por esse meio se tornasse bem patente
a tendência e particular aptidão, que existe entre nós para esse ramo
literário, ficou muito satisfeita e animada com o bom e geral acolhimento, que
a idéia recebeu, já nesta e já em outras Províncias.”
O PARNASO MARANHENSE abria com uma
poesia de Lope de Veja, traduzido por Gonçalves Dias. Não seria o mais representativo do estro
gonçalvino. Ainda bem que outros poemas o acompanhavam: mais uma tradução (esta
de Heine), e três poesias originais.
Vinham a seguir os poemas de Antônio
Marques Rodrigues, Antônio Joaquim Franco de Sá, Antônio da Cunha Rabelo,
Augusto César dos Reis Raiol, Augusto Olímpio Gomes de Castro Alfredo Vale de
Carvalho, Antônio César de Berredo, Augusto Frederico Colin, Antônio M. de
Carvalho Oliveira, Ayres da Serra Souto-Maior, Caetano Cândido Cantanhede,
Caetano de Brito Sousa Gayoso, Coriolano César Ferreira Rosa, Eduardo de
Freitas, Francisco Sotero dos Reis,Frederico José Corrêa, Francisco Dias
Carneiro, Fernando Vieira de Sousa, Felipe Franco de Sá, Fábio Gomes Faria de
Matos, Francisco Sotero dos Reis Junior, Gentil Homem de Almeida Braga, João
Duarte Lisboa Serra, José Ricardo Jauffret, José Bernardes Belfot, Serra, José
Pereira da Silva, Joaquim Maria Serra Sobrinho, José Mariano da Costa, Joaquim
de Sousa Andrade, João Emiliano Vale de Carvalho, J. J. da Silva Maçarona, João
Antônio Coqueiro, Jesuína Augusta Serra, Luís Antônio Vieira da Silva, Luís
Vieira Ferreira, Luís Queirós Quadros, Manoel Odorico Mendes, Manoel Benício
Fontenele, Maria Firmina dos Reis, Nuno Álvares Pereira e Sousa, Pedro Wenescop
Cantanhede, Raimundo Brito Gomes de Sousa, R. Alexandre Vale de Carvalho, R. A.
de Carvalho Filgueira, Raimundo Pereira e Sousa, Ricardo Henrique Leal, R.
Valentiniano de M. Rego, Severiano Antônio de Azevedo, Trajano Galvão de
Carvalho e T. F. de Gouveia Pimentel Beleza.
Ao todo, bem contados, 52 poetas.
Destes, só alguns chegaram até nós como poetas. Os demais se orientaram por
outros caminhos. Vários deles não deixaram de si outra notícia. De qualquer
forma, a coletânea exprimia, para uma população escassa (São Luís, quarenta
anos depois da publicação do PARNASO MARANHENSE, tinha 30.000 habitantes), o
interesse geral pela poesia. Médicos, bacharéis, políticos, comerciários,
professores, e mesmo poetas genuínos, todos ali se interessavam por ela, e a
praticavam.
A coletânea tinha mesmo uma
originalidade indiscutível: nela figurava, assinada por José Ricardo Jauffret,
a tradução de um episódio de OS LUSÍADAS, o do Gigante Adamastor – para o
francês.
VALDELINO CÉCIO
José
Valdelino Cécio Soares Dias nasceu em São Luís, a 23 de maio de 1952, onde
faleceu em fevereiro de 2007. Colaborador de vários jornais e suplementos
literários e um dos fundadores do Movimento Antroponáutica.
MATANÇA
Para
Tabaco, João Câncio e todos os demais
amos/homens
dos Bumba-meu-boi do
Maranhão
desaparecer
sem
avisos sem rastros
eu cantador
rompedor do silêncio dos injustos
nós mesmas vozes
denunciadoras dos temas impostos
fitas
ao vento
lama
nos sapatos (descalços)
percorrendo
os amigos
percorrendo
a cidade
– donos das casas chegamos
pra lhes cantar e avisar
cuidado...
(todo
meu salário por esta noite
por este instante
por este boi)
voz
de sonho rouca cansada
quem morre vos saúda
e oferece sua carne
pra continuardes vivendo
lendo “nossas histórias”
e tirar do nosso couro
nas fábricas
nos campos
nas ruas
“o
sol entra pela porta
alua
pela janela”,
estrela
na testa
testamento
do tempo desconhecido
da
loucura num raiar de dia
com
muita gente e sozinho
cachaça
e pandeiros da fome e da esperança
ser livre é sair por aí cantando
a morte num dia qualquer
quando ela é para nós
todos os dias um pouco
lá
vai eu
lá
vamos nós tocando
trocando
o pedaço do momento vivido
por
nada, vivendo te sangro te ressuscito
cada
vez que te mato.
índios explicados por negros
branco dono gozador
gozado ficas tu quando gozas
e eu te gozo pelo grito do urrou
fitas,
penas
pena
de mim, de ti
dos
letrados sentados
carecas
de colarinho engomado
eu cantador
me coloco a vosso dispor
e canto nosso sangue (vinho de
Portugal)
chibatas e beijos (mulatada infernal)
boi ápis, ilha da madeira, ilha grande
Maranhão.
lá
vai
lá
vai boi
no
gravador do palhaço sulista
que
vem aqui com cara de conhecedor
“terra
de cego quem tem um olho (mesmo míope) é senhor”
hoje nos enfeitam na TV
e nos ensinam até a canta (nunca a
comer)
eu cantador de incontáveis gerações
da solidão do que economizo
pra poder ir em frente
ou te fazer meu boi
morrer morbidamente
no meio de um dia
ou dum prato de sarrabulho
que todos comam e riam
quero explodir pelo menos
contigo, comigo, convosco
no tum tum tum da dificuldade
de ser
(conflito de toda uma boiada)
onde eu sofredor me revelo
se sei o que faço e me
escondo
naquilo que agora eu quero
(cultura de bumbas e bundas).
descalços
vamos pular
vagabundos,
poetas, amos, e homens
que
nosso boi é rei, e morreu,
e
quem atravessar minha toada
com
lanças e palavras cairá.
que não tem mais disso não na cidade
que fede
e meu canto/grito se perde
na primeira vitrine ou boite.
e se meu disco rodar
em sua eletrola
mostre aos amigos
e diga: – é gente do povo,
engraçados, não é?
mas eu lhe digo doutor
se
meu boi morre
é porque amanhã eu sei, ressuscitará.
comigo ou com meu filho que nasce
ou com qualquer um que virá.
por
isso, doutor, cuidado!–
OBS:
Na próxima semana tem a continuação do prefácio de Josué Montello e mais poemas
da coletânea HORA DE GUARNICÊ.
Coisas da minha terra. Saudades do Bumba-meu-boi do meu querido Maranhão.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirA HORA DO GUARNICÊ, antologia fundamental para a poesia atual do maranhão, não podemos falar de um novo modo de fazer poesia aqui sem passar por ela e pelos poetas nela inscritos, hoje a grande maioria poetas extraordinários. Parabéns a todos e ao caminho, Raimundo Fontenele!
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